À espera do boom que virá do porto

Uma auto-estrada, isenções de taxas e impostos e um investimento de mil milhões de dólares poderão fazer do porto de Mariel, a 40 quilómetros de Havana, um exemplo do potencial de Cuba.

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A última vez que Elda Fernandez Acosta viu navios americanos a entrar no porto de Mariel foi para retirar milhares de cubanos que procuravam uma vida melhor no exterior, há 34 anos. A próxima vez que os vir estarão carregados com produtos cubanos para exportação, diz.

“Quando o embargo for levantado, a economia aqui vai mesmo descolar”, afirma Fernandez, presidende da assembleia comunal do maior porto de Cuba, olhando pela janela do seu escritório para quatro gruas de fabrico brasileiro na baía. “As empresas virão para aqui para exportar para todo o mundo.”

Célebre pelo “êxodo de Mariel”, quando em 1980 as autoridades cubanas permitiram que 125 mil pessoas partissem para os Estados Unidos, a cidade tornou-se um símbolo da estagnação económica e do desespero de Cuba. Agora, um porto de mil milhões de dólares aberto este ano pela brasileira Odebrecht tornou-a emblemática do potencial da ilha. Os seus habitantes, que vivem na pobreza, esperam que o terminal de contentores e as zonas próximas de comércio livre sejam os primeiros a beneficiar, depois de o Presidente Barack Obama ter anunciado, a 17 de Dezembro, o restabelecimento das relações diplomáticas e um aliviamento do bloqueio de cinco décadas.

As mercadorias serão transportadas por uma auto-estrada de três faixas que liga o porto a Havana, a cerca de 40 quilómetros a leste. A zona de comércio livre que será terminada em 2015 vai agitar outros bens para exportação, diz Cesário Melantonio, embaixador brasileiro em Cuba. As isenções de taxas e impostos na zona irão permitir que as empresas do agronegócio brasileiro, de alimentos e tabaco explorem a mão-de-obra instruída e barata do país, conseguindo uma vantagem competitiva nos mercados americanos e das Caraíbas, afirmou numa entrevista a 23 de Dezembro. O Brasil é o quinto maior parceiro comercial de Cuba.

O novo porto já emprega cerca de dois mil funcionários, dez vezes mais do que o antigo terminal, com salários acima da média, afirma Fernandez.

Ivan Sanchez, vendedor de peixe, está a aproveitar os benefícios, apontando para três agentes de transporte marítimo venezuelanos como os seus melhores clientes. “São eles que têm mais dinheiro para gastar”, diz Fernandez, ao mesmo tempo que mostra pacotes de três quilos de robalo branco, tradicionalmente consumido nas refeições de véspera de Ano Novo em Cuba, que estão num congelador em sua casa.

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O novo porto já emprega cerca de dois mil funcionários, dez vezes mais do que o antigo terminal

No entanto, num país onde o salário médio é de 20 dólares por mês (cerca de 16 euros), muitos dos potenciais clientes vão-se embora sem comprar, por não terem dinheiro para os pacotes de cinco dólares de peixe. Ao fundo da rua, as novas gruas perto do escritório de Fernandez estão paradas e na véspera de Natal apenas um navio está ancorado no terminal.

Por enquanto, o potencial de Mariel está por cumprir e poucos são os locais que estão a beneficiar do investimento. Muitas das casas desta localidade, com 43 mil habitantes, não têm água canalizada devido a canos estragados, e aqueles que a têm não a podem beber porque está contaminada. Fora das casas, carroças puxadas por cavalos lutam por espaço com os camiões nas estreitas ruas de lama.

O empresário da construção Carlos Rodriguez Vazquez diz que se sente frustrado pelos obstáculos que encontra no caminho, na tentativa de ajudar a cidade a sair da letargia económica. Depois de esperar três horas no conselho comunitário, o ramo administrativo da câmara municipal, para receber um documento que lhe permita pagar aos seus 16 funcionários subsídios de Natal, desiste. “A papelada é demasiado exasperante”, diz Rodriguez, de 38 anos, tentando evitar poças de água na recepção do conselho. “Temos a esperança de vir a beneficiar do porto, mas as mudanças de regulamentos são muito, muito lentas.”

Rodriguez, advogado de formação, adianta que todos os contratos com empresas estrangeiras são negociados pelo Governo, impedindo a sua empresa de aceder ao trabalho de construção no porto. Os seus projectos com as autoridades locais para a renovação de partes do hospital e de um jardim de infância pararam devido à falta de verbas, o que significa que neste Natal que passou não conseguiu dar à família uma refeição decente.

“Eu sei que estamos tecnologicamente atrasados, mas não somos atrasados mentais”, afirma. “Temos a ingenuidade e a preparação académica, podemos resolver qualquer coisa com as nossas mãos. Se ao menos nos dessem as condições, poderíamos fazer qualquer coisa.”

Johnny Amores, de 41 anos, concorda, sentado à secretária no escritório do seu hotel — que não tem quartos. A electricidade voltou a falhar e está a escorrer suor enquanto preenche pilhas de impressos numa mesa apinhada, ao lado do seu assistente, numa pequena sala adornada com retratos do líder guerrilheiro Ernesto “Che” Guevara e do antigo Presidente, Fidel Castro.

O governo da província encarregou-o há seis meses de renovar o único hotel de Mariel, o La Puntilla, um edifício estatal delapidado, numa baía que não está habitada desde a década de 1990.

Conta que em Novembro passado chegou um grupo de hoteleiros espanhóis para falar sobre investimento, mas que desde então não soube mais nada deles. Entretanto, Amores está a reconstruir cada um dos 23 quartos, “um tijolo de cada vez”, com algum financiamento esporádico das autoridades.

“Esperamos que, quando o porto começar a precisar de hospedagem, o ritmo do trabalho aumente”, diz. “Pode ser que em 2015 eu tenha três quartos prontos.”

Quatro anos depois de o Presidente Raul Castro ter decidido simplificar as leis do licenciamento para a indústria privada e aumentado o grupo de actividades que lhe são permitidas, a economia da ilha continua estagnada. O crescimento económico desacelerou para 1,3% em 2014, quase metade do número oficial e abaixo dos 2,7% de 2013, de acordo com o Gabinete Nacional de Estatísticas. As desacelerações económicas na Venezuela e Brasil limitaram qualquer ressurgimento de actividade no porto de Mariel.

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A Câmara Municipal de Mariel, cidade com um único hotel, sem quartos

Estel Gordines, de 70 anos, vive num projecto de habitação social perto da estação eléctrica de Mariel e sobrevive à custa de uma pensão de 10 dólares que recebe de subsídio pelo seu filho surdo-mudo. “Nunca vimos nenhum do dinheiro novo, nada mudou por aqui nos últimos 20 anos”, afirma. “Eu subsisto com aquilo que a minha família e os meus amigos me dão.”

Trinta e quatro anos depois do êxodo de barco, muitos em Mariel não estão convencidos de que o ter ficado na expectativa do levantamento do embargo valha os 54 anos de espera.

“Quero ver o que há por aí”, declara Yumma Rodriguez, o irmão construtor de Carlos, de 33 anos, que foi julgado quatro vezes por ter ido de Mariel para a Florida em barcos improvisados. “Tem de haver alguma coisa melhor.”

Exclusivo The Washington Post/Bloomberg News/PÚBLICO      

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