Se a "barreira republicana" não funcionar, até onde irá Le Pen?

Como vai votar a direita na segunda volta das presidenciais francesas? Macron vai recebendo apoios. Le Pen já se afastou da liderança da FN para se mostrar como uma "Presidente de todos os franceses"

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Marine Le Pen não suscita uma reacção de rejeição tão violenta como o pai, Jean-Marie Le Pen Pascal Rossignol/REUTERS

Até onde conseguirá ir Marine Le Pen? Ela esforça-se. Anunciou ontem que “suspendia” o seu desempenho do cargo de presidente da Frente Nacional, o partido de extrema-direita que lidera. Para poder ser “Presidente de todos os franceses”, se for eleita a 7 de Maio, na segunda volta das presidenciais.

Muito depende de como votarão os eleitores da direita nesse dia e um mês depois, nas legislativas. Rendem-se a ela ou darão o seu voto a Emmanuel Macron? Le Pen, em entrevista à televisão France 2, confirmou que tem contactos com o partido Os Republicanos, para ter o apoio de alguns dos seus líderes. François Fillon, o derrotado e desacreditado líder deste partido de centro-direita, uma das grandes formações políticas tradicionais, reconheceu “não ter legitimidade para liderar esse combate” e afastou-se.

O comité político de Os Republicanos reuniu-se depois de Fillon se afastar, anunciando que ficaria como militante de base e recomendando o voto em Macron. Mas a direita francesa tem muito a fazer nos próximos tempos. Os Republicanos entregaram-se a uma troca de acusações.

Alguns dos mais conservadores, como Christine Boutin, anunciaram que irão votar em Marine Le Pen. Nicolas Sarkozy não se pronunciou — fala hoje ou amanhã. O deputado George Fenech, próximo do ex-Presidente, anunciou que não apoiaria Macron: “Os eleitores que se desenrasquem com Macron e Le Pen. Foi o que escolheram.”

Enquanto liderou os Republicanos, Sarkozy seguiu o princípio do “nem, nem” nas segundas voltas — não apoiar nem a esquerda nem a Frente Nacional, se o candidato do seu partido tivesse sido eliminado na primeira votação — recusando fazer a tradicional “barreira republicana” contra a extrema-direita, que a esquerda tem continuado a praticar.

Christian Estrosi (Republicanos) lamentava a posição assumida pelos que não apelaram ao voto em Macron, como a Associação Senso Comum, saída do movimento católico conservador que liderou as manifestações de contestação ao casamento gay, legalizado por François Hollande, e que se tornou no grande apoio do candidato Fillon. “Pensei que partilhávamos todos mesmos princípios”, criticou.

Se há coisa que estas eleições estão a mostrar, para angústia de Estrosi, é que vai uma grande distância entre partilhar princípios e pô-los em prática. Os socialistas, apesar do humilhante resultado de Benoît Hamon — 6,3%, o que fez desaparecer o rosa dos mapas — lançaram múltiplos apelos ao voto em Macron, apesar das enormes divisões internas. O Presidente François Hollande manifestou-lhe o seu apoio, tal como o ex-primeiro-ministro Manuel Valls, ou o ex-ministro da Economia Arnaud Montebourg, apoiante de Hamon.

Em busca de aliados

O que não se entende ainda é qual será o PS que vai disputar as legislativas de 11 de 18 de Junho (duas voltas). “Dentro em dias Marine Le Pen vai ter dez milhões de votos. É o fim de um ciclo”, disse Manuel Valls. Mas que vai ele fazer? Vai continuar no PS? Ou vai criar uma nova formação, para oferecer o seu apoio a Emmanuel Macron no Parlamento, já que este não tem propriamente um partido político? Aguarda-se para ver.

Até porque haverá necessariamente uma recomposição nas listas, porque pelo menos três dezenas de deputados não se irão recandidatar — desiludidos com a política parlamentar ou, explicação talvez mais terra-a-terra, porque ficam impedidos de acumular cargos com a nova legislação (antes era possível ser deputado, presidente da câmara e ter outros cargos ainda).

O que falta a Marine Le Pen para conseguir chegar ao Eliseu, todas as análises o dizem, é ter uma grande reserva de votos para a segunda volta. Não tem nem um aliado político que diga “votem nela”, embora ao contrário do que aconteceu quando o seu pai, Jean-Marie, passou à segunda volta, em 2002, ela não suscite uma rejeição tão profunda.

Jean-Luc Mélenchon, que se opôs de forma intransigente ao pai Le Pen, não está a conseguir dizer que apoia Macron — e talvez metade dos seus sete milhões de eleitores se abstenham na segunda volta.

Le Pen e Macron falam para duas Franças diferentes. Os eleitores de Marine vivem fora das grandes cidades, na França rural ou nas aglomerações urbanas na periferia. Se Macron obteve 34,83% em Paris, Le Pen não chegou sequer a 5% na capital. E na região Norte, onde Marine construiu o seu feudo eleitoral — 28,22% —, conseguiu apenas 13,83% em Lille.

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Esta fractura geográfica corresponde, mais do que as diferenças ideológicas, entre esquerda e direita, a novos tipos de clivagens, que na linguagem de Le Pen são os “europeístas e os patriotas”, e na de Macron são “os progressistas e os conservadores”, sublinha a editorialista do Le Monde Françoise Fressoz.

Visto de fora, Le Pen aproveita-se dos sentimentos eurocépticos e anti-globalização, causando a desconfiança noutras capitais; já o abraço à economia aberta e à União Europeia de Macron é encarado com entusiasmo pelos líderes europeus.

Agora que chegou o momento de eliminar um candidato, a campanha vai doer. Um ponto alto será o debate televisivo marcado para 3 de Maio entre Macron e Le Pen. Mas mais que esquerda e direita, a campanha deve acentuar a retórica dos franceses optimistas, com esperança no futuro, contra os pessimistas, por terem perdido tanto na última década, com a governação dos dois últimos Presidentes, Sarkozy e Hollande.     

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