PSOE em crise será forçado a navegar entre Iglesias e Rajoy

Os socialistas desbloquearam a crise espanhola. O governo do PP será débil mas tem a “bomba atómica” para forçar acordos. Pode dissolver o Parlamento antes da reorganização do PSOE.

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Mariano Rajoy deverá iniciar a legislatura até meados de Novembro Susana Vera/Reuters

O rei Felipe VI iniciou ontem as consultas ao líderes partidários e encerrá-las-á hoje ao meio-dia com a audiência a Mariano Rajoy, cuja investidura deverá ser aprovada no domingo pelo Congresso. Será o começo real da legislatura. Ao aprovar no domingo a abstenção, o Comité Federal do PSOE desbloqueou uma longa crise política e viabilizou o novo governo do Partido Popular.

Este será um governo débil quese confrontará com as várias oposições, aritmeticamente maioritárias. Não por acaso, Rajoy já preveniu que recorreria ao Tribunal Constitucional perante iniciativas que envolvam o aumento da despesa ou a diminuição de receitas orçamentais. Entende que, constitucionalmente, o executivo tem direito de veto perante tais iniciativas. Diz que não aceita que “a oposição governe” através do Congresso.

O governo será frágil e corre o risco de impotência, pela dificuldade de negociar medidas e reformas com as oposições, mas tem um poderoso trunfo. O presidente do governo espanhol é muito forte, pois pode dissolver o Congresso — neste caso a partir de 3 de Maio de 2017 — e não pode ser demitido a não ser por uma moção de desconfiança aprovada pela maioria absoluta dos deputados e que indique o candidato à sua sucessão. É uma ameaça particularmente temível para o PSOE, que precisa de tempo para se reorganizar.

Três factos marcam o início da legislatura. A decisão do PSOE fez mover todas as peças do tabuleiro. Pela sua parte, os socialistas estão centrados na resolução da sua crise interna mas não podem ignorar os desafios que rapidamente lhe vão ser colocados. Rajoy e o PP enviam prudentes mensagens de cooperação ao PSOE. O Unidos Podemos lançou já uma ofensiva contra os socialistas e declara assumir a liderança da oposição contra aquilo que já designa por “grande coligação” entre PP e PSOE. Por outro lado, ameaça retaliar nas comunidades autónomas em que o PSOE governa com os votos do Podemos, retirando o apoio aos socialistas.

A preocupação imediata da direcção provisória socialista é o debate no Congresso, onde deverá garantir tanto quanto possível a unidade do partido e dar uma imagem não “envergonhada” da sua viragem. É uma condição para depois passar à reorganização do partido que implicará um “congresso de refundação”, em data ainda desconhecida. E, antes do congresso, haverá a eleição de um novo secretário nacional por voto directo dos militantes. A primeira incógnita é a descoberta de um líder capaz de evitar que a fractura se torne irreversível e que apresente uma estratégia adequada à nova realidade de Espanha e às dispersas aspirações dos eleitores. O PSOE perdeu grande parte da sua credibilidade, reconhecem muitos dos seus dirigentes.

Tempo escasso

O tempo é escasso. A curto prazo, o PSOE terá de responder aos apelos de negociação de Rajoy para aprovar o orçamento e, depois, algumas reformas urgentes. Também não pode furtar-se ao debate da “questão territorial”, em particular o problema catalão. Isto supõe longas negociações internas e novas decisões do Comité Federal, pois a comissão gestora não tem mandato para tal. É algo que será difícil explicar a grande parte do PSOE, sob uma intensa pressão do Podemos junto das suas bases.

Pablo Iglesias aproveitou para reafirmar que PSOE e PP são uma e mesma coisa. Diz que, ao escolher a abstenção, abandonou ao Podemos uma parte do terreno da esquerda. “Constata-se hoje o fim do rotativismo [entre PP e PSOE] como sistema de partidos; nasce uma grande coligação que nos terá pela frente como alternativa”, escreveu no Twitter. Acrescentou o seu número dois, Iñigo Errejón: “Com a decisão do PSOE nasce um governo débil e de curta duração. Seremos a alternativa.” A tentativa de o Podemos assumir a liderança da oposição deverá verificar-se já no debate da investidura, onde o PSOE aparecerá inevitavelmente vulnerável.

“Coisas boas”

Neste prólogo de debate, o Cidadãos, de Albert Rivera, permanece algo marginal. Por isso Rivera prometeu ontem que o seu partido, em lugar de se abster, poderia votar “sim” ao PP se Rajoy se comprometer com as 150 medidas por eles negociadas em Agosto. O PP sabe que precisa dele.

Mariano Rajoy mantém a sua habitual reserva e não quer antecipar as propostas que fará no debate da investidura. Tal como não antecipa a composição do seu futuro executivo. Fontes da presidência limitam-se a falar num governo “de continuidade”, com as principais figuras do anterior, mas com mais ministérios — o anterior tinha apenas dez.

Mas reagiu à resolução aprovada pelo Comité Federal do PSOE dizendo que “há coisas que são boas e de que se poderá falar no futuro”. Prometeu “um governo aberto ao diálogo” e vai “cumprir e fazer cumprir a lei”. É o novo “Rajoy dialogante”.

A politóloga Marta Romero resume assim a moral da história: “Mais do que ver na resistência do PP um (anómalo) prémio do eleitorado, este poderá ser entendido como um rotundo fracasso da oposição.”

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