A campanha de Sanders tem fim à vista, mas ele garante que a revolução está apenas a começar

"Derrotar Donald Trump não pode ser o nosso único objectivo", declarou o senador do Vermont, prometendo lutar na convenção do Partido Democrata por um governo "que representa todas as pessoas e não apenas algumas delas".

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Bernie Sanders e a sua mulher e conselheira política, Jane O'Meara Sanders Matt McClain/Reuters
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REUTERS/Matt McClain/Pool

A promessa de uma revolução política nos Estados Unidos liderada por Bernie Sanders começa a perder energia, e o próprio candidato é cada vez mais visto pela campanha de Hillary Clinton como um daqueles convidados que insistem em ficar colados ao sofá muito tempo depois de a festa já ter terminado.

Num discurso dirigido aos seus apoiantes, na noite de quinta-feira, o ainda candidato à nomeação pelo Partido Democrata deixou duas grandes ideias: apesar de já não contestar a vitória de Clinton nas eleições primárias, ainda não está preparado para dizer as palavras "desisto" e "ela tem o meu apoio"; e definiu como prioridade nos próximos meses derrotar Donald Trump, "um candidato de um grande partido que faz da intolerância o pilar da sua campanha".

Durante os 23 minutos em que discursou sozinho, num evento com transmissão através da Internet e num estúdio decorado apenas com o logótipo da sua campanha, Bernie Sanders manteve os apoiantes de Hillary Clinton na expectativa de anunciar que iria desistir da corrida durante os primeiros 11 minutos.

Depois de ter agradecido aos seus apoiantes e de ter criticado jornalistas e analistas por terem classificado a sua candidatura como uma coisa marginal, que interessava apenas a uma mão cheia de eleitores com ideias esquisitas, Sanders reafirmou que está mesmo decidido a discutir as suas propostas na convenção nacional do Partido Democrata, entre 25 e 28 de Julho – numa altura em que Hillary Clinton já esperava ter o caminho desimpedido para se concentrar apenas em Donald Trump e ter o apoio dos 12 milhões de eleitores que votaram em Bernie Sanders durante as primárias.

"Derrotar Donald Trump não pode ser o nosso único objectivo", disse o senador do Vermont. "Temos de continuar os nossos esforços para criarmos uma América que agora sabemos que pode ser criada. E temos de levar essa energia para a Convenção Nacional Democrata, a 25 de Julho, em Filadélfia, onde teremos mais de 1900 delegados."

Esses delegados (mais precisamente 1881, segundo uma contagem oficial mas provisória, e que inclui 49 "superdelegados") não chegam para impedir a nomeação de Hillary Clinton, que vai chegar à convenção com um total de 2800, sendo que a antiga secretária de Estado precisa de apenas 2383 para garantir o estatuto de candidata oficial do Partido Democrata à Casa Branca.

Mas 1881 delegados (ou mais de 1900, essa diferença pouco importa neste caso) são mais do que suficientes para que Sanders tenha alguma margem negocial, como ficou claro, mais uma vez, no discurso da noite de quinta-feira.

"Há poucos dias encontrei-me com a secretária [de Estado] Clinton e discutimos alguns dos assuntos mais importantes que o nosso país e o Partido Democrata enfrentam. Não é nenhum segredo que eu e a secretária Clinton temos fortes desacordos em alguns assuntos muito importantes. Também é verdade que os nossos pontos de vista são muito próximos em outros", disse Bernie Sanders, indicando que o seu objectivo é conseguir o máximo de concessões possível por parte de Hillary Clinton para finalmente sair da corrida e recomendar aos seus apoiantes que votem na candidata em Novembro, nas eleições gerais.

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A estratégia de Sanders tem duas vertentes: por um lado, quer empurrar o Partido Democrata mais para a esquerda, com a aprovação do programa político "mais progressista da sua História"; por outro lado, operar uma revolução na forma como o partido escolhe os seus candidatos à Casa Branca – com um processo de eleições primárias aberto a eleitores filiados no Partido Democrata mas também a independentes; e o fim do sistema de "superdelegados" (os delegados que não estão em disputa durante as primárias e que podem dar o seu apoio a quem entenderem durante a convenção nacional).

É difícil perceber que concessões fará Hillary Clinton, agora que já tem a nomeação garantida e depois de ter ouvido a promessa de que Sanders fará tudo o que estiver ao seu alcance para ajudar a derrotar Donald Trump. Mas a candidata também não ganhará nada se fechar todas as portas ao senador do Vermont – segundo as sondagens mais recentes, 25% dos eleitores que votaram em Sanders afastam qualquer possibilidade de votar nela nas presidenciais.

Ao mesmo tempo que as negociações entre as duas campanhas prosseguem, o senador do Vermont lançou uma nova estratégia com o objectivo de não deixar morrer a sua promessa de uma revolução política depois de as câmaras de televisão deixarem de o acompanhar para todo o lado (o que acontecerá assim que ele recomendar o voto em Hillary Clinton) – um apelo aos seus apoiantes, em particular aos milhões de jovens que acreditam nessa revolução, para que se envolvam directamente na vida pública e se tornem, eles próprios, em candidatos a cargos importantes nas suas comunidades e nos seus estados.

O discurso de Sanders terminou num tom quase messiânico, e com a mesma mensagem que serviu de arranque – a de que a transformação das sociedades é um processo longo e não se resume a uma eleição em particular.

"A minha esperança é que quando os futuros historiadores olharem para o passado e descreverem de que forma o nosso país avançou no sentido de reverter a deriva para uma oligarquia, e criou um governo que representa todas as pessoas e não apenas algumas delas, sublinhem que, de uma forma significativa, esse esforço começou com a revolução política de 2016."

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