A arma secreta na guerra contra as FARC

Foram o grupo rebelde mais rico do mundo, mas, agora, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia estão frágeis. Esta é a história de como a ajuda secreta de Washington fez virar o jogo.

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As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que têm já 50 anos, chegaram a ser consideradas o grupo rebelde mais financiado do mundo. Agora, estão reduzidas e frágeis como nunca estiveram antes. E isso deve-se, em parte, a um programa secreto da CIA que ajudou as forças colombianas a matar pelo menos duas dezenas de líderes rebeldes, segundo se conclui pelas entrevistas a mais de 30 antigos e actuais responsáveis americanos e colombianos.

A ajuda secreta, que inclui espionagem da National Security Agency (NSA), é financiada com um fundo oculto de vários milhares de milhões de dólares. E não está incluída no pacote de 9 mil milhões de dólares da assistência militar dos Estados Unidos ao chamado Plano Colômbia, que arrancou em 2000 [para destruir campos de cocaína].

O programa da CIA foi autorizado pelo Presidente George W. Bush no início dos anos 2000 e continuou com o Presidente Barack Obama, de acordo com responsáveis militares, dos serviços secretos e diplomatas americanos. A maior parte dos entrevistados não quis ser identificada porque o programa é secreto e está ainda a decorrer. Consiste em dois serviços distintos na luta do país contra as FARC e um grupo rebelde mais pequeno, o Exército de Libertação Nacional (ELN): fornecimento de informações dos serviços secretos em tempo real que permitem às forças colombianas perseguir líderes das FARC e, desde 2006, uma ferramenta particularmente eficaz para os assassinar.

A arma consiste num kit de 30 mil dólares munido de um GPS que transforma uma bomba de gravidade numa bomba de alta precisão. Bombas inteligentes, também chamadas de munições de precisão ou PGM, são capazes de matar um indivíduo numa selva densa se for determinada a sua localização exacta e se as coordenadas geográficas forem introduzidas no sistema informático da bomba.

Em Março de 2008, e segundo nove responsáveis americanos e colombianos, a Força Aérea colombiana, com a aprovação tácita dos EUA, lançou bombas inteligentes de fabrico americano ao longo da fronteira com o Equador para matar Raul Reyes, um alto dirigente das FARC. Até agora, o papel indirecto dos EUA na operação ainda não tinha sido revelado.

O programa de acção secreta na Colômbia faz parte de um pequeno conjunto de iniciativas dos serviços secretos lançadas depois dos ataques de 11 de Setembro de 2001 que escaparam ao conhecimento público. A maior parte dos outros programas, pequenos mas em crescimento, são localizados em países onde violentos cartéis da droga têm causado instabilidade. A lista é liderada pelo México, onde a assistência americana é maior do que em qualquer outro lado para além do Afeganistão, tal como o Washington Post noticiou em Abril. Também inclui a América Central e a África Ocidental, onde as redes de tráfico se deslocaram como resposta à pressão americana junto dos cartéis noutros locais.

Quando questionado para comentar a ajuda dos serviços secretos americanos, numa curta deslocação recente a Washington, o Presidente Juan Manuel Santos Calderón afirmou ao Washington Post que não queria dar detalhes sobre o assunto, que considerou sensível. “Tem sido uma ajuda”, afirmou. “Parte da perícia e da eficiência das nossas operações e das nossas operações especiais são um produto de melhor treino e conhecimentos que adquirimos em muitos países, entre eles os Estados Unidos.” Um porta-voz da CIA recusou comentar.

Há um ano que a Colômbia e as FARC estão em negociações de paz em Havana. Até agora concordaram com linhas gerais para uma reforma agrária, desenvolvimento rural e a participação dos rebeldes no processo político assim que a guerra acabar. Os dois lados estão actualmente a discutir uma nova abordagem para combater o tráfico de droga.

Um Afeganistão

Actualmente, uma comparação entre a Colômbia, com a sua economia vibrante e a agitada vida social de Bogotá, e o Afeganistão pode parecer absurda. Mas há pouco mais de uma década, a Colômbia tinha o índice de homicídios mais elevado do mundo. Ataques bombistas indiscriminados e fortes operações militares faziam parte do quotidiano. Cerca de três mil pessoas eram sequestradas todos os anos. Professores, activistas dos direitos humanos e jornalistas suspeitos de simpatizarem com as FARC apareciam frequentemente mortos.

A mistura explosiva de FARC, cartéis e corruptas forças paramilitares e de segurança criaram um caldeirão de violência sem precedentes na América Latina moderna. Quase 250 mil pessoas morreram durante a longa guerra e muitas desapareceram.

As FARC foram fundadas em 1964 como um movimento camponês marxista que exigia terra e justiça para os pobres. Em 1998, o então Presidente colombiano, Andres Pastrana, deu-lhes uma zona desmilitarizada com o tamanho da Suíça de forma a encorajar as negociações para a paz, mas os seus ataques violentos aumentaram, bem como as ligações ao comércio de narcóticos.

Em 2000, a insurreição que juntava 18 mil pessoas virou-se para os líderes políticos colombianos. Assassinava governantes locais. Sequestrava um candidato à presidência e tentava matar o principal candidato a Presidente, Alvaro Uribe, de linha dura, cujo pai fora morto pelas FARC em 1983.

Temendo que a Colômbia se tornasse um estado falhado com um papel ainda maior no tráfico de droga que chegava aos Estados Unidos, a Administração Bush e o Congresso aumentaram a ajuda ao Exército colombiano através do Plano Colômbia.

Em 2003, o envolvimento americano naquele país implicava 40 agências americanas e 4500 pessoas, todos trabalhando fora da embaixada americana em Bogotá, que era então a maior embaixada dos EUA em todo o mundo. Foi assim até meados de 2004, quando foi ultrapassada pelo Afeganistão. “Não há país, incluindo o Afeganistão, onde tivéssemos tantas actividades”, afirmou William Wood, embaixador dos EUA na Colômbia entre 2003 e 2007, e que assumiu o mesmo posto em Cabul dois anos depois.

Quando Bush se tornou Presidente, já havia duas autorizações em marcha para operações clandestinas em várias partes do mundo. Uma permitia acções da CIA contra organizações terroristas internacionais. A outra, assinada em meados da década de 1980 por Ronald Reagan, autorizava acções contra traficantes de narcotráfico internacionais.

Quando a CIA quer fazer mais do que simplesmente reunir e analisar informação secreta no estrangeiro precisa de uma autorização presidencial. Para dar equipamento de espionagem a um parceiro, apoiar partidos políticos estrangeiros, espalhar propaganda e participar em treino ou operações, necessita de uma autorização do Presidente e de uma notificação aos comités sobre serviços secretos do Congresso.

Foi a autorização para o combate ao narcotráfico que permitiu à CIA e à unidade técnica clandestina Joint Special Operations Command (JSOC) apoiar a longa caça ao barão da droga colombiano Pablo Escobar, morto pelas forças colombianas há 20 anos. Também tornou possível as operações contra traficantes e terroristas na Bolívia e no Peru há alguns anos.

O secreto programa colombiano não permite contudo que a CIA participe directamente nas operações. As mesmas restrições são aplicadas ao envolvimento militar no Plano Colômbia. Esse tipo de actividade tem sido limitada pelos membros do Congresso, que não esqueceram o escândalo criado pelo papel secreto dos EUA nas guerras da América Central nos anos 1980. O Congresso recusou-se a autorizar que o envolvimento militar americano na Colômbia atingisse o nível a que chegou na Nicarágua, El Salvador, Honduras e Panamá.

A ajuda clandestina contra as FARC começou, de forma não oficial, a 13 de Fevereiro de 2003. Nesse dia, um Cessna unimotor 208 despenhou-se na selva, controlada pelos rebeldes. Os guerrilheiros executaram o responsável colombiano a bordo e um dos quatro intermediários americanos que estavam a trabalhar para a erradicação da cocaína. Os outros três foram feitos reféns.

Os EUA já tinham classificado as FARC como uma organização terrorista devido aos assassínios indiscriminados e ao tráfico de droga. Apesar de a CIA estar totalmente ocupada com o Iraque e o Afeganistão, Bush “apoiou-se [no então director da agência, George] em Tenet” para encontrar os três reféns, adianta um antigo alto-responsável de serviços de inteligência envolvido nas negociações.

O facto de as FARC serem consideradas uma organização terrorista tornava mais fácil a angariação de um fundo secreto. “Fomos buscar dinheiro a vários potes diferentes”, diz um diplomata sénior.

O Bunker

Um dos agentes da CIA que Tenet enviou para Bogotá era um operacional na casa dos 40 anos, cujo nome não revelamos porque continua a ser um agente secreto. Criou a Intelligence Fusion Cell na embaixada dos EUA, também chamada “o Bunker”.

Era uma sala de nove metros quadrados, com um tecto baixo e três filas de computadores. Em cada fila estavam oito pessoas. Algumas analisavam mapas da selva obtidos por satélite, outros procuravam esconderijos subterrâneos das FARC. Outros ainda analisavam imagens ou movimentos de veículos. Vozes interceptadas por comunicações rádio ou telemóvel eram descodificadas e traduzidas pela NSA.

Os analistas do Bunker misturavam dicas de informadores com informações obtidas por meios técnicos. Procuravam ligar pessoas específicas ao fluxo de drogas, armas e dinheiro da organização. Na maioria das vezes, deixavam os violentos grupos paramilitares agir sozinhos.

Os especialistas técnicos do Bunker e os agentes de contratação construíram para os colombianos um sistema de computadores destinados a operações secretas que abrangia todo o país. Mais tarde, ajudaram a criar centros regionais para que a informação secreta fosse transmitida a comandantes locais. A CIA pagou também o equipamento para descodificação de comunicações. “Estávamos muito interessados em apanhar as FARC e não era tanto uma questão da capacidade, mas de serviços de informação secreta, especialmente da possibilidade de os localizar dentro do período de uma operação”, disse Wood.

Fora do Bunker, oficiais da CIA ensinavam a arte de recrutar informadores às unidades colombianas. E davam dinheiro a quem desse informações sobre os reféns.

Entretanto, chega ao terreno a outra agência americana de serviços secretos com um papel na localização e eliminação de elementos da Al-Qaeda. Comandos de elite da JSOC começaram a fazer sessões periódicas anuais e pequenas missões de reconhecimento para tentar encontrar os sequestrados.

Apesar de todos os esforços, a localização dos sequestrados continuava desconhecida. Procurando outra aplicação para o novo equipamento e pessoal, o director do “Bunker” e o seu assessor militar do Comando das Operações Especiais dos EUA deram ao pessoal uma segunda missão: atingir a liderança das FARC. Era isto exactamente que a CIA e a JSOC tinham estado a fazer contra a Al-Qaeda no outro lado do mundo. A metodologia era familiar. “Foi uma polonização cruzada nos dois sentidos”, comentou um alto-responsável que tinha acesso ao Bunker durante essa altura. “Não foi preciso inventar uma nova roda.”

Localizar os líderes das FARC mostrou-se mais fácil do que capturá-los ou matá-los. As forças colombianas obtiveram informação fiável umas 60 vezes, mas não conseguiam deter ou eliminar qualquer dirigente, segundo dois oficiais americanos e um alto-responsável colombiano. A história era sempre a mesma: os helicópteros Black Hawk americanos levavam as forças colombianas para a selva, a cerca de seis quilómetros do campo. Os homens penetravam na densa vegetação, mas quando chegavam os campos estes estavam sempre vazios. Mais tarde ficaram a saber que as FARC tinham um sistema de alarme preventivo: campainhas de segurança a quilómetros dos campos onde estavam.

A nova estratégia

Em 2006, os fracos resultados atraíram a atenção do recém-chegado chefe da missão da Força Aérea americana. O coronel ficou perplexo. Por que é que o terceiro maior receptor de ajuda militar dos EUA (atrás do Egipto e de Israel) tinha feito tão poucos progressos? “Fiquei a pensar: ‘De que forma é que estamos a matar as FARC?’”, recorda o coronel, que não quis ser identificado.

O coronel, especialista em aviões de carga, afirmou ter começado a fazer “pesquisas no Google sobre bombas e combatentes”, à procura de ideias. Acabou por ir parar ao Enhanced Paveway II, um dispositivo relativamente barato capaz de orientar uma bomba de gravidade Mark82 de 226 quilos.

O coronel afirmou ter partilhado a sua ideia com o então ministro da Defesa, Juan Manuel Santos [actual Presidente], e escreveu um relatório de uma página para ele entregar a Uribe. Santos levou a sugestão ao secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld. Em Junho de 2006, Uribe visita Bush na Casa Branca. Refere a morte recente do chefe da Al-Qaeda no Iraque, Abu Musab al-Zarqawi. Um F16 enviara bombas inteligentes de 226 quilos para o seu esconderijo e matara-o. Ele queria o mesmo aparelho. “Isto era claramente muito importante” para Uribe, afirmou Michael Hayden, general reformado da Força Aérea, que alguns meses antes tinha assumido a direcção da CIA.

Primeiro, era preciso que as bombas inteligentes pudessem ser adaptadas a um aparelho aéreo colombiano. A Colômbia não tinha F16. A Raython, fabricante do dispositivo, enviou engenheiros para descobrirem como montar o equipamento num avião. Primeiro tentaram fazê-lo num Embraer A29 Super Tucano de fabrico brasileiro, um aparelho com turbo-hélice que voa a baixa altitude, criado para missões de contraguerrilha. Depois, adaptaram-na a um Cessna A37 Dragonfly mais antigo, um avião de ataque desenvolvido pelas operações especiais da Força Aérea americana para o Vietname, e mais tarde usado na guerra civil de El Salvador. Depois, os engenheiros e pilotos colombianos testaram munições de precisão num campo aéreo remoto junto à fronteira com a Venezuela. O avião lançou a bomba a seis mil metros. “Caiu a meio metro” do alvo, disse o coronel. As bombas inteligentes estavam prontas a ser usadas.

Mas os advogados da Casa Branca e os seus colegas da CIA e dos departamentos de Justiça, Defesa e Estado tinham as suas próprias dúvidas sobre o assunto. Uma coisa era usar uma PGM para derrotar um inimigo num campo de batalha — os Estados Unidos faziam isso há anos. Outra era usá-la contra um líder individual das FARC. Seria isso um assassínio, proibido pela lei americana? E “poderíamos nós ser acusados de assassínio, ainda que não fôssemos nós a fazê-lo?”, adiantou um dos advogados envolvidos.

O gabinete de aconselhamento jurídico da Casa Branca acabou por decidir que a mesma análise que foi aplicada à Al-Qaeda poderia ser aplicada às FARC. Matar um líder das FARC não seria assassínio porque a organização é uma ameaça à Colômbia. Para além disso, não era provável que nenhum dos comandantes das FARC se rendesse.
E, como organização dedicada ao tráfico de droga, o estatuto das FARC como ameaça à segurança interna dos EUA já tinha sido estabelecido há anos pelo departamento de combate aos narcóticos da Administração Reagan. Na altura, a epidemia da cocaína estava no auge e o Governo decidiu que as organizações que levavam droga para as ruas americanas eram uma ameaça à segurança nacional.

Havia outra preocupação. Alguns altos-responsáveis temiam que as forças colombianas pudessem usar as PGM para matar possíveis inimigos políticos. “As preocupações eram enormes dados os seus problemas com os direitos humanos”, afirma um antigo oficial militar.

Para garantir que os colombianos não usariam erradamente as bombas, os responsáveis americanos inventaram uma nova solução. A CIA manteria o controlo sobre o código que era preciso inserir nas bombas, que permite uma comunicação com os satélites GPS que as dirigem. A bomba não poderia atingir o seu alvo sem a chave. Os colombianos teriam de pedir autorização para alguns alvos e, se usassem erradamente as bombas, a CIA poderia negar a recepção GPS em futuras utilizações. “Queríamos um acordo”, disse um responsável envolvido.

As primeiras 20 bombas inteligentes — sem os respectivos códigos — chegaram através da CIA. A conta foi inferior a um milhão de dólares (720 mil euros). Depois disso, a Colômbia foi autorizada a comprá-las directamente através do programa de Vendas Militares Estrangeiras.

Os primeiros resultados

Tomas Media Caracas, também conhecido como Negro Acacio, o chefe do tráfico de droga das FARC e comandante da sua 16.ª frente, foi o primeiro homem que a US Embassy Intelligence Fusion Cell colocou na fila dos ataques PGM. Às 4h30 do dia 1 de Setembro de 2007, pilotos com óculos de visão nocturna lançaram várias bombas Enhanced Paveway II contra o seu campo, no Leste da Colômbia, com os responsáveis das duas capitais a aguardar. Os soldados só recuperaram uma perna. Pela sua pele escura, seria de Acacio, um dos poucos líderes negros das FARC. Testes de ADN confirmaram a sua morte.

“Houve um grande entusiasmo”, recorda William Scoggins, director do programa de combate ao narcotráfico do Comando Sul do Exército americano. “Não sabíamos que impacto teria, mas achámos que iria alterar o jogo.”

Seis semanas mais tarde, bombas inteligentes matavam Gustavo Rueda Diaz, conhecido como Martin Caballero, líder da 37.ª frente, enquanto falava ao telemóvel. As mortes de Acacio e Caballero levam ao colapso das suas respectivas frentes. Também levaram a deserções em massa, segundo um telex secreto do Departamento de Estado de 6 de Março de 2008, dado a conhecer pelo grupo anti-secretismo WikiLeaks, em 2010. Este foi apenas o início da desintegração das FARC.

Para esconder do público o uso de PGM e para garantir o máximo de danos aos campos dos líderes das FARC, a Força Aérea e os conselheiros americanos desenvolveram novas tácticas de ataque. Numa missão típica, vários Dragonflys A37, voando a seis mil metros, transportavam bombas inteligentes; assim que se aproximavam do alvo, era automaticamente ligado o GPS da bomba. Seguiam-se vários Super Tucanos A29, a menor altitude. Primeiro, deixavam cair uma série de bombas convencionais num local próximo; a sua explosão mataria qualquer pessoa que estivesse por perto e arrasaria a floresta, escondendo o facto de terem sido utilizadas bombas inteligentes. Depois, vinham os AC47 da era do Vietname, voando a baixa altitude (chamados “Puff the Magic Dragon”) para varrer a zona com metralhadoras, “disparando sobre os feridos que tentavam esconder-se”, diz um dos vários responsáveis militares que descreveram o mesmo cenário.

Só nessa altura é que as forças terrestres colombianas chegavam para fazer prisioneiros, recolher os mortos, os telemóveis, computadores e discos rígidos. A CIA passou três anos a treinar equipas de apoio aéreo colombianas no uso de lasers para conduzir secretamente os pilotos e as bombas inteligentes aos seus alvos.

Quase todas as operações se baseavam nos sinais interceptados pela NSA, que passava a informação a soldados no terreno ou pilotos antes e durante as operações. A natureza ininterrupta do trabalho da NSA foi captada por um telex do Departamento de Estado publicado pelo WikiLeaks. Na Primavera de 2009, o alvo era o traficante de droga Daniel Rendon Herrera, conhecido como Don Mario, na altura o homem mais procurado da Colômbia, responsável por três mil homicídios num período de 18 meses.

“Durante sete dias, usando informações técnicas e humanas”, a NSA “trabalhou dia e noite” para posicionar 250 comandos treinados pelos EUA perto de Herrera quando este tentou fugir, adianta um telex de Abril de 2009 e um alto-responsável do Governo que confirmou o papel da NSA na missão.

A CIA também treinou interrogadores colombianos para interrogar mais eficazmente milhares de desertores das FARC sem usar as técnicas de “interrogatório avançado” aprovadas no caso da Al-Qaeda e mais tarde consideradas abusivas pelo Congresso. A agência criou ainda bases de dados para manter o registo dos relatórios para que pudesse ser construída uma imagem mais completa da organização.

O Governo colombiano ofereceu um pagamento aos desertores e permitiu-lhes serem reintegrados na vida civil. Em troca, alguns forneceram informações preciosas sobre a cadeia de comando das FARC, as rotas que normalmente usavam para viajar, campos, linhas de abastecimento, fontes de droga e dinheiro. Ajudavam a interpretar as conversas interceptadas pela NSA, que frequentemente utilizam códigos. Às vezes, eram também usados como infiltrados nos campos das FARC para colocar aparelhos de escuta ou transmissores de coordenadas GPS para as bombas inteligentes.

“Aprendemos com a CIA”, diz um alto-oficial da segurança nacional colombiana. “Antes, não prestávamos muita atenção aos detalhes.”

Ataque ou autodefesa?

Em Fevereiro de 2008, a equipa américo-colombiana teve o primeiro vislumbre dos três reféns americanos. Depois de cinco anos de espera, a sede do Comando das Operações Especiais dos EUA em Tampa, na Florida, não demorou a enviar comandos JSOC, refere um alto-responsável americano que estava na Colômbia quando eles chegaram.

A equipa JSOC era chefiada por um comandante da Sexta Equipa da Navy SEAL. Foram criadas três áreas operacionais perto dos reféns. A NSA intensificou a sua vigilância. Todos os olhos estavam naquele local remoto da selva. Mas enquanto as acções iniciais eram lançadas, outras operações estavam a ganhar forma noutro local.

Mesmo do outro lado do rio Putumayo, 1,6 quilómetros dentro do Equador, informações secretas americanas e um informador colombiano permitiam confirmar o esconderijo de Luis Edgar Devia Silva, também conhecido como Raul Reyes, considerado o número dois do secretariado das FARC, de sete membros.

Era uma descoberta estranha para a Colômbia e para os EUA. Lançar um ataque aéreo significava que um piloto colombiano conduziria um avião colombiano para atacar o campo com bombas americanas cujo sistema era controlado pela CIA. O coronel da Força Aérea tinha uma mensagem sucinta para entregar ao comandante das operações aéreas colombianas encarregue da missão: “Eu disse-lhe: ‘Olhe, todos sabemos onde este tipo está. Não lixe isto tudo’.”

Os advogados da Segurança Nacional dos EUA encararam a operação como um acto de autodefesa. No rescaldo do 11 de Setembro, apareceram com uma nova interpretação sobre a autorização para o uso da força contra actores não estatais, como a Al-Qaeda e as FARC. Era algo como isto: se um grupo terrorista opera a partir de um país que não quer ou não pode detê-lo, então o país que está a ser atacada — neste caso, a Colômbia — tem o direito a defender-se através da força, mesmo que isso signifique entrar noutro país soberano.

Esta era a justificação legal para os ataques com drones da CIA e outras operações legais no Paquistão, Iémen, Somália e, muito mais tarde, para o raide no Paquistão que matou Osama bin Laden.

Assim, minutos depois da meia-noite de 1 de Março, três Dragonflys A37 descolaram da Colômbia, seguidos por cinco Super Tucanos. O sistema de orientação das bombas inteligentes foi ligado quando os aviões estavam a seis quilómetros do local onde estava Reyes.

Tal como fora imposto, os pilotos colombianos mantiveram-se no espaço aéreo colombiano. As bombas aterraram como programado, arrasando o campo e matando Reyes, que, de acordo com as notícias na Colômbia, estava a dormir em pijama.

As forças colombianas atravessaram de rompante a fronteira do Equador para retirar o cadáver de Reyes e também apanhar um grande tesouro: equipamento informático que acabou por revelar-se a mais valiosa fonte de informação sobre as FARC de sempre.

O ataque desencadeou uma crise diplomática séria. O então líder venezuelano, Hugo Chávez, disse que a Colômbia era “um estado terrorista” e enviou soldados para a fronteira, tal como fez o Equador. A Nicarágua rompeu relações. Uribe, pressionado, pediu perdão ao Equador.

O pedido de desculpas amaciou as relações na América Latina, mas enfureceu um pequeno círculo de responsáveis americanos que conheciam os meandros da história, afirma um deles. “Lembro-me de pensar: ‘Não acredito que eles estão a dizer isto.’ Foi uma loucura eles terem abdicado de um argumento legal importante.”

Mas isto não foi suficiente para prejudicar os estreitos laços entre os Estados Unidos e as forças colombianas, ou travar a missão de resgatar os reféns. Na verdade, o número de soldados da JSOC continuou a subir, ultrapassando os 1000, de acordo com um alto-responsável colombiano. Os dirigentes tinham a certeza de que eles seriam localizados. Um exercício americano-colombiano serviu de cobertura quando o Comité Internacional da Cruz Vermelha apareceu em bases isoladas e se deparou com americanos encorpados, dizem dois responsáveis americanos.

Depois de seis semanas de espera para encontrar os reféns, a maioria das tropas da JSOC deixou o país para outras missões. Ficou uma unidade. A 2 de Julho de 2008, teve um papel na invulgar e dramática, e ainda pouco estudada, Operação Xeque-mate, na qual forças colombianas que fingiam pertencer a um grupo humanitário levaram as FARC a entregar os três sequestrados americanos e outros 12 sem disparar um único tiro. A equipa JSOC, e uma frota aérea americana, estava posicionada para um plano B, no caso de a operação colombiana correr mal.

Os resultados do Presidente Santos

Como sinal de confiança, no início de 2010, o Governo americano deu à Colômbia o controlo sobre os códigos do GPS. Não tinha havido notícias de má utilização, disparo ou danos colaterais das bombas inteligentes. A transferência foi precedida de negociações rápidas sobre as regras para o uso das bombas. Incluindo a de que apenas podem ser lançadas contra campos isolados na selva.

O Presidente Santos, sucessor de Uribe, aumentou enormemente o ritmo das operações contra as FARC. Quase três vezes mais líderes das FARC — 47 contra 16 — foram mortos no Governo de Santos do que no de Uribe. Entrevistas e análises a sites do governo e notícias da imprensa mostram que pelo menos 23 ataques sob o regime de Santos foram operações aéreas. As bombas inteligentes foram usadas apenas contra líderes importantes das FARC, dizem os responsáveis colombianos. Nos outros casos, foram utilizadas bombas de gravidade.

A Colômbia continua a aumentar as suas capacidades militares. Em 2013, a Força Aérea fortaleceu a sua frota com bombardeiros Kfir israelitas, adaptando-os às bombas de orientação por laser Griffin, também israelitas. Para além disso, adaptou bombas inteligentes a alguns dos seus Super Tucanos.

Tendo dizimado o topo da liderança das FARC e muitos dos seus comandantes, o Exército, com ajuda continuada da CIA e de outras agências de espionagem, parece estar a orientar-se para os elementos médios da hierarquia, incluindo comandantes de telecomunicações, os combatentes mais duros e experimentados que restam. Um terço destes foram mortos ou capturados, segundo responsáveis da Colômbia.

Santos também procurou atingir as redes de financiamento e armamento que apoiam as FARC. Alguns críticos acusam o Governo de estar demasiado focado em matar os líderes e não o suficiente na utilização do Exército e da polícia na ocupação e controlo do território rebelde.

Matar um indivíduo nunca foi uma forma de medir o sucesso numa guerra, dizem os especialistas em insurreições. É o caos e a disfunção que a morte da liderança causa à organização que importa. As operações aéreas contra a liderança das FARC “viraram a organização do avesso”, diz um oficial sénior do Pentágono que estudou a história ainda secreta da guerra na Colômbia.

Alguns fugiram para a Venezuela. Um membro do secretariado esconde-se intermitentemente no Equador, de acordo com altos-responsáveis colombianos, quebrando a ligação que é psicologicamente importante com as forças no terreno e debilitando o recrutamento.

Com medo de serem localizadas e atacadas, as unidades já não dormem dois dias seguidos no mesmo local, por isso os campos têm de ser dispersos. “Sabem que agora o Governo tem muita informação sobre eles e vigilância secreta em tempo real”, comenta German Espejo, conselheiro para a segurança e defesa na embaixada da Colômbia. Temendo os espiões infiltrados, as execuções são frequentes.

As FARC ainda lançam ataques — um carro armadilhado contra uma esquadra da polícia no dia 7 de Dezembro matou seis polícias e dois civis —, mas já não se desloca em grupos grandes e limita a maioria das unidades a menos de 20 elementos. Não sendo já capaz de lançar atentados em grande escala, o grupo recorre a tácticas de “ataca e foge” com atiradores furtivos e explosivos.

Os 50 anos de vida na selva também atingiram os negociadores das FARC. Os que viveram no exílio parecem mais dispostos a continuar a combater do que aqueles que têm lutado, dizem fontes colombianas. As negociações, diz Santos numa entrevista, são o resultado de uma campanha militar bem sucedida, “a cereja em cima do bolo”.

A 15 de Dezembro, as FARC anunciaram que iriam dar início a um cessar-fogo unilateral de 30 dias, como sinal de boa vontade na época das festas. O Governo Santos desvalorizou o gesto e garantiu que iria continuar a sua operação militar. No final desse mesmo dia, as forças de segurança mataram um guerrilheiro das FARC envolvido num ataque bombista contra um antigo ministro. Três dias depois, o Exército matou outros cinco.

Com Elyssa Pachico e Julie Tate. Exclusivo PÚBLICO/ Washington Post

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