Sessenta anos de integração: um novo élan para a Europa?

Vai ser muito difícil a opinião pública aceitar nesta fase que diferentes velocidades não apresentam o risco de afastar ainda mais os Estados uns dos outros.

A integração europeia faz esta semana 60 anos. Em 25 de Março de 1957 foram assinados em matéria de integração três tratados de Roma, um dos quais criou a CEE, que foi a mais importante Comunidade e constituiu a grande fonte histórica da atual União Europeia (UE). É, pois, oportuno fazer-se um balanço e simultaneamente refletir-se sobre o futuro.

Não é difícil reconhecer quanto o continente europeu se transfigurou com a integração. É preciso recordar que durante séculos a Europa havia sido palco de guerras fratricidas, provocadas por nacionalismos ferozes. As duas guerras mundiais do século passado nasceram na Europa e devido à oposição franco-alemã. Em lugar disso, a UE tornou-se nestes 60 anos um espaço de paz, de progresso económico e social e com um elevado grau de respeito pelos direitos fundamentais, mesmo enquanto ela não adere à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o que está previsto no Tratado de Lisboa.

É verdade que podia ter sido feito mais e melhor. Mas há algumas explicações para isso. Primeiro, não se deve esquecer que só com a unanimidade dos Estados é possível, ainda hoje, tomar algumas das mais difíceis decisões na União, o que favorece o intergovernamentalismo em detrimento do método comunitário. Depois, muitas vezes os interesses egoístas dos Estados têm prevalecido sobre o interesse comum de todos, o que tem trazido danos tanto à solidariedade entre todos como à coesão económica, social e territorial que os tratados impõem como vetor principal da integração. Por outro lado, é verdade que o alargamento em três anos de 15 para 27 Estados era inevitável, porque o que levou a admitir os Estados do Leste foi o mesmo que levou a aceitar a Grécia, Portugal e a Espanha, ou seja, a necessidade de consolidar jovens democracias saídas pouco antes de ditaduras. Mas está provado que alguns desses Estados ainda não estavam preparados para respeitar as regras dos tratados e os valores que estes acolhem.

Mesmo assim, a UE tem a seu crédito muito importantes realizações conseguidas, num quadro plenamente democrático quer da parte dos Estados, quer no seio da União, como sejam, um alto nível de desenvolvimento económico, social e cultural, a proteção dos direitos fundamentais, a cidadania europeia, a participação do povo europeu como colegislador da UE através do Parlamento Europeu, a economia social de mercado como modelo económico e social da UE, o espaço de liberdade, segurança e justiça e a consequente cooperação entre os Estados- membros no combate ao crime e ao terrorismo, a abertura do espaço europeu a jovens, empresas e trabalhadores e a afirmação da Europa como forte ator na globalização. Apesar do que não se fez ou do que se fez menos bem, a Europa de hoje, da democracia, da solidariedade e do progresso, nada tem que ver com a Europa dos nacionalismos de antes de 1945. E, mesmo hoje, a UE continua a ser a única alternativa aos nacionalismos ora emergentes.

Em termos de futuro, é altura de se pensar no que esta UE quer e no que ela deve ser. Esta questão coincide com a apresentação pela Comissão Europeia do Livro Branco sobre o Futuro da Europa, que está em discussão e que merece uma reflexão muito cuidada. Os cenários aí incluídos são muito diferentes nas suas ambições. Uns levarão a um retrocesso do que já foi obtido pela União e, portanto, do adquirido comunitário, outros à manutenção do statu quo, ainda que com maior “eficiência” para a atuação da UE, outros, por fim, pretendem avançar na integração. Quem pensa que a União deve continuar a existir está de acordo em que a integração deve avançar, até porque, como estão a mostrar a atual crise financeira e o problema da emigração e dos refugiados, a UE não tem ainda os meios de que carece para dar resposta aos desafios que já hoje lhe são colocados. Mas, para se avançar, é necessário primeiro consolidar o que já foi feito e reganhar a confiança e a solidariedade entre todos, para o que não contribuem atitudes como a agora tomada perlo presidente do Eurogrupo.

Convém determo-nos um pouco sobre as cooperações reforçadas. É um facto que desde a adesão da Irlanda, da Grécia, da Espanha e de Portugal existe uma “integração diferenciada” ou “Europa de geometria variável”. Depois, os parlamentos e os governos dos Estados- -membros aceitaram essa realidade e inscreveram-na nos tratados, sob a designação de “cooperações reforçadas”. É verdade que, pelo que dispõem os tratados, as cooperações reforçadas só são admitidas como “último recurso”, desde que um número elevado de Estados queira nelas participar e quando elas venham “reforçar” a integração e a coesão e não a desintegração — ou seja, pela letra dos tratados, elas têm de contribuir para que os Estados que estão na segunda velocidade se aproximem dos que estão na primeira e não para, ao contrário, aumentar o fosso entre aqueles e estes.

Precisamente por isso, são poucas as cooperações reforçadas: a zona euro, o Espaço Schengen, e pouco mais. Todavia, neste momento são muito fortes os fatores de clivagem e de desunião entre os 27, sobretudo pelo facto de os Estados e a UE estarem a afastar-se por vezes dos valores da União, que hoje têm consagração na letra dos tratados. Por isso, vai ser muito difícil a opinião pública da generalidade dos Estados aceitar nesta fase que diferentes velocidades não apresentam o risco de afastar ainda mais os Estados uns dos outros, em vez de contribuírem, ainda que a prazo, para o reforço da integração. Isso não impede que, se for de todo impossível um esforço de todos os Estados no sentido de se criar uma política comum de defesa e segurança, deva ser criada depressa uma cooperação reforçada nessa matéria. Com a mais do que provável irrelevância a que Trump vai votar a NATO, a Europa vai ter de assumir quase sozinha a sua defesa e segurança e é sabido que nem todos os Estados estão já em condições de contribuir de modo eficiente para a defesa comum europeia. Isso vai obrigar muitos Estados a repensar o investimento na defesa e segurança. Foi o que já anunciaram a Suécia, a Holanda, a França e a Espanha. 

A posição já assumida por Portugal em relação às propostas do Livro Branco, assim como às cooperações reforçadas parece-nos acertada. No que toca às primeiras, Portugal quer fazer a sua própria escolha, evitando que tenha de ir a reboque de escolhas feitas por outros. Quanto às cooperações reforçadas, Portugal não nega a evidência, isto é, que elas já existem, mas recorda que já pertence à primeira velocidade, enquanto está na zona euro e no Espaço Schengen. Agora deve fazer esforços para se manter em tudo o resto no “pelotão da frente”, embora reconhecendo todos nós que para tanto ainda temos muito que fazer e que, para isso, é necessário mobilizar todas as energias do país e criar nele uma forte cultura de ambição e de exigência.

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