Prisão de Abdeslam não foi aproveitada para evitar novos atentados

Têm um longo historial de reuniões, contactos e atentados. Actuam em território simbólico: Bruxelas é a capital da UE e alberga a sede da NATO. As suas opções e métodos estão num estudo do ICT.

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As características das estações, ferroviárias e de metro, favorecem os terroristas Francois Lenoir/ REUTERS

"A seguir a detenções de importância as autoridades devem preparar-se e esperar consequências, quando tal acontece deve ser intensificada a troca de informações entre as polícias e os serviços secretos dos países amigos", recomenda o International Institute for Counter Terrorism (Instituto Internacional de Contraterrorismo, ICT) num relatório a que o PÚBLICO teve acesso. Trata-se de uma reflexão da comunidade antiterrorista e de informações sobre o que se passou na Bélgica desde que, a 18 de Março, agentes de elite belgas e franceses detiveram Salah Abdeslam, o único participante vivo dos atentados de Paris de 13 de Novembro. São retiradas conclusões, objectivadas as opções e estudados os métodos dos terroristas.

Tudo indica que os quatro dias que mediaram entre a prisão de Salah Abdeslam e a definição da estratégia da sua defesa, a cargo do advogado Sven Mary, não foram devidamente aproveitados pelos serviços de segurança. É verdade que o nível de alerta na Bélgica foi elevado ao máximo, mas isso tornou ainda mais desastroso para a credibilidade da polícia e "secretas" a realização dos atentados da manhã de dia 22.

Curiosamente, nas últimas horas, multiplicaram-se raides, buscas e prisões: seis belgas, um francês e dois alemães foram detidos.

Desde há muito que os investigadores do terrorismo jihadista e, em especial, os especialistas nas acções do autoproclamado Estado Islâmico (EI), chegaram a conclusões axiomáticas sobre as suas formas de funcionamento. As redes multiplicam-se em zonas de conforto: famílias e amigos e não em mesquitas, o que dificulta a acção de agentes infiltrados, fundamentais para a prevenção. Embora implique o alargamento da base de recrutamento, o que a prazo pode ser uma vulnerabilidade.

A escolha dos alvos

A passada terça-feira de Bruxelas recordou a manhã de 11 de Março de 2004 de Madrid. Houve ataques terroristas de grupos organizados, envolvendo mais elementos do que os comandos que actuam no terreno. Fizeram a escolha dos alvos, forneceram apoio logístico e favoreceram o treino. Este tipo de acções é mais letal do que as desencadeadas pelos denominados "lobos solitários" que actuam a solo e cuja imprevisibilidade era, até agora, a mais temida pelos serviços de segurança.

Os alvos não podem ser considerados uma surpresa. Os especialistas do ICT já tiveram tempo e matéria, neste século, para definir padrões. Tanto mais que Bruxelas é o coração da União Europeia e alberga a sede da NATO. "Os atentados terroristas em transportes públicos têm um impacte psicológico directo a curto prazo na vontade das pessoas viajarem, paralisando quase imediatamente uma área ou mesmo uma cidade inteira, provocando a sensação de caos e gerando prejuízos económicos", anotam.

Estas consequências são, naturalmente, mais visíveis e perenes em determinados momentos, como os fluxos de passageiros associados às férias da Páscoa. As características próprias a estações, interfaces e nós rodoviários têm uma desmultiplicação de consequências. Nas estações ferroviárias, o obrigatório grande nível de acessibilidade favorece o propósito dos terroristas: múltiplas entradas e muitas saídas para um emaranhado de ligações. "As estações de metro, por seu lado, têm várias entradas e saídas e saídas de emergência, o que dificulta o escrutínio securitário", analisam os especialistas do ICT. "E por serem zonas fechadas, têm uma elevada densidade de pessoas, o que aumenta a probabilidade do número de baixas".

Novidade também não foi a escolha de um aeroporto de um país fulcral para o tráfego aéreo europeu, dadas as suas características de placa giratória. Os dois bombistas-suicida explodiram a sua carga mortal numa zona sem vigilância concreta, antecedendo os controlos de passaportes e bagagens. A tentação de antecipar estas barreiras para outras zonas não é comumente defendida. No exterior dos aeroportos, observam técnicos de segurança aérea citados pelo relatório, seria criada uma nova vulnerabilidade derivada da existência de uma longa fila de viajantes e acompanhantes à entrada das instalações, a céu aberto. Na prática, seria um novo alvo, fácil porque sem possibilidade de escrutínio securitário.

Especificidade belga

Nas primeiras horas após os atentados de Bruxelas, os analistas das redes sociais depararam com uma barragem de informação propositada para todos os utentes. Sites conotados com as redes jihadistas, aproveitando o efeito de multiplicação sem controlo das suas informações, divulgaram que tinham sido colocadas bombas na Universidade Livre de Bruxelas e no hospital de São Pedro da capital belga.

Não é precipitação ou erro. O objectivo era divulgar falsidades que, num ambiente de caos, passariam a ser verosímeis. Ampliando a dimensão e consequências dos ataques, com um efeito de propaganda propiciador de mais medo.

Tem, sempre, de haver uma base que sustenta o temor. A Bélgica tem o maior número per capita de combatentes estrangeiros da Europa Ocidental na Síria e no Iraque. O que contrasta com o valor absoluto dos enviados para as fileiras do EI: entre 450 a 550 pessoas, a seguir aos oriundos de França, Reino Unido e Alemanha, os principais fornecedores de jihadistas da UE.

Os dados da História também ajudam. Só neste século, foram múltiplas as investigações a jhiadistas na Bélgica. Em 13 de Setembro de 2001, o tunisino Nizae Trabelsi foi condenado a 12 anos de prisão pela preparação de um ataque à base militar de Kleine Brogel, dotada de capacidade nuclear e um dos aeródromos mais importantes da Bélgica, onde está estacionado pessoal norte-americano. Trabelsi revelou ter mantido contactos com Osama Bin Laden, ex-chefe da Al-Qaeda, que lhe ordenou que fizesse explodir um camião-bomba. O terrorista já foi extraditado para os Estados Unidos onde será julgado por conspiração e tentativa de assassínio de cidadãos norte-americanos fora dos EUA.

Ainda com a Al-Qaeda, em 19 de Dezembro de 2001, Tarek Maaroufi, um belga de origem tunisina, foi detido por recrutamento. Maaroufi integrava uma célula de falsificação de passaportes e mantinha relações com estruturas da Al-Qaeda em Itália, Alemanha e Espanha.

Em Abril e Junho de 2002, são disparados tiros de metralhadora contra a sinagoga de Charleroi e é detido um marroquino que preparava um atentado com um carro-bomba. O veículo incendiou-se e não chegou a explodir.

Foi também na Bélgica que o iraquiano Saber Mohhamed foi condenado por envolvimento com a Al-Qaeda. Três meses antes dos atentados às Torres Gémeas de Nova Iorque — 11 de Setembro de 2001 — falou por diversas vezes ao telefone com Khalid Sheikh Mohammed, identificado pelos norte-americanos como o arquitecto dos ataques.

Também em Dezembro de 2008, foram detidas 14 pessoas em Bruxelas e Liége, ligadas à Al-Qaeda, por planearem um atentado durante uma cimeira europeia. A célula fora montada por Malika El Around e Moez Garsallaoui, muçulmanos belgas radicais. Três membros do grupo tinham regressado do Afeganistão e Paquistão, incluindo o referenciado como suicida, enquanto outros quatro eram de nacionalidade belga. A sua detenção foi possível após a interceptação de um email pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos. Durante o julgamento, foi divulgado um vídeo no qual um dos terroristas se despedia da família e dos amigos.

Nesta década, em 2010, a polícia de Antuérpia deteve jihadistas belgas que preparavam atentados contra alvos judeus e veículos da NATO. As investigações começaram no financiamento de redes de terrorismo da Tchétchénia e levaram a detenções em vários países.

Há três anos, a 21 de Março de 2013, Hakim Benladghem, francês de origem argelina de 39 anos, foi abatido durante uma perseguição na sequência de um assalto a um restaurante. Nas buscas à casa de Benladghem, antigo paraquedista da Legião Estrangeira de França, foram encontradas armas, incluindo espingardas automáticas, metralhadoras, uma shotgun, um colete à prova de balas e duas máscaras antigás. A partir de 2008, viajara frequentemente à Noruega, Itália e Síria.

Por fim, a 24 de Maio de 2014, Mehdi Nermmouchwe matou quatro pessoas no Museu Judeu de Bruxelas, tendo sido preso seis dias depois na estação ferroviária de Marselha, no Sul de França.

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