Prisão domiciliária de Suu Kyi chega ao fim e ninguém sabe o que pode acontecer

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Centenas de pessoas juntaram-se em frente à sede do partido de Suu Kyi Soe Zeya Tun/REUTERS

Alguns observadores referem que as intenções da junta militar são insondáveis. Mas a libertação da mais famosa dissidente birmanesa seria um aceno à comunidade internacional

Chegou hoje ao fim o tempo de prisão domiciliária que a mais famosa dissidente birmanesa teve de cumprir nos últimos 18 meses. É possível que Aung San Suu Kyi até já consiga ver como mudaram as ruas de Rangum. Também pode acontecer que continue sem poder sair de casa.

Foram vários anos sem acesso ao exterior: telefone, televisão, Internet, visitas, tudo estava proibido. Mas ontem, vários media, citando fontes próximas do Governo, adiantavam que o generalíssimo Than Shwe já tinha assinado a ordem para a libertação.

A BBC referia uma intensa actividade policial à volta da vivenda de dois andares onde a Nobel da Paz esteve enclausurada. E que cerca de dois mil apoiantes da Liga Nacional para a Democracia se juntaram em frente à sede, na expectativa de receber o anúncio há muito esperado.

Suu Kyi deveria ter ficado em liberdade no ano passado, mas as autoridades acusaram-na de ter quebrado os termos da detenção ao receber um americano que atravessou a nado o lago que cerca a sua casa (que dissera ter a missão de a salvar), condenando-a a mais 18 meses de clausura.

Ontem "jovens e velhos, membros e não-membros da LND juntaram-se aqui com grande entusiasmo para a receber", relatou à estação britânica Yazar, da juventude do partido. "A certa altura recebemos a notícia de que tinha sido libertada e gritámos de alegria". Mas horas depois, já ao fim do dia, as esperanças de ver a dissidente começaram a desvanecer-se e todos foram aconselhados a ir para casa.

Provavelmente, o local escolhido para a concentração seria mesmo o mais acertado caso Suu Kyi fosse libertada ontem. O seu advogado e porta-voz, Nyan Win, afirmou que, quando isso acontecer, ela tenciona encontrar-se com o comité central do partido, jornalistas e apoiantes.

Mas a única certeza ontem foi não haver quaisquer certezas e muito poucos fora do círculo restrito do poder sabiam o que se passava realmente com a "Dama" de Rangum, salientava a Reuters.

"É essa a natureza de Than Shwe e do seu regime", afirmou à Reuters David Mathieson, especialista na Birmânia da Human Rights Watch. "As pessoas do Governo não sabem, o partido de Suu Kyi não sabe e os especialistas certamente não sabem. Ninguém sabe mais do que ninguém. Sabemos que a sua detenção expira no sábado e tudo o resto está ao nível da especulação".

ONU pede libertação

Quatro peritos da ONU emitiram ontem um comunicado a recomendar à junta militar que não alargue o prazo da condenação. "Segundo os termos de detenção de Aung San Suu Kyi, estabelecido em virtude dos procedimentos legais birmaneses, a pena termina no sábado, 13 de Novembro", cita a AFP. "O Governo deve pôr fim a todas as sua restrições a deslocações e actividades".

Um responsável garantiu que a dissidente "será sem dúvida libertada, como previsto... Estamos só à espera do horário", adiantou.

Na véspera, a líder da oposição fez saber que não aceitará qualquer tipo de restrições e que a sua libertação terá de ser incondicional.

Ter a sua voz mais popular fora da prisão domiciliária poderá significar, para a junta, algum reconhecimento internacional. E Suu Kyi já não seria uma ameaça eleitoral. Amanhã fará uma semana sobre as primeiras legislativas do país em 20 anos. O escrutínio - ganho pelo Partido da Solidariedade e Desenvolvimento da União, pró-junta - foi amplamente considerado uma farsa, ainda que vários analistas tenham referido que esta será uma oportunidade para um certo realinhamento político.

"As eleições não responderam às normas internacionais e os media foram impedidos de as cobrir", denunciaram ainda os especialistas da ONU, que exigiram também a libertação de 2200 presos políticos, "mantidos na prisão para que o processo eleitoral fosse inconclusivo".

A Liga de Suu Kyi venceu esmagadoramente as legislativas de 1990, mas a junta nunca permitiu que acedesse ao poder e desta vez optou pelo boicote (que teve como consequência o desmantelamento do partido, de acordo com a lei). Trata-se agora de uma suposta transição para um regime civil, mas um quarto dos assentos parlamentares ficam nas mãos dos militares. Qualquer alteração à Constituição vai exigir uma maioria de 75 por cento, o que significa que o Exército continuará a poder determinar o rumo do país, adianta a BBC.

Alguns observadores questionam o papel que a líder da oposição vai realmente poder desempenhar. Win Tin, um dos fundadores da LND, não tem dúvidas: quando Aung San Suu Kyi estiver em liberdade, "será como uma enorme chuva. E quando a monção chegar à Birmânia, acordará todo o país para a vida".

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