Cohn-Bendit anula comícios depois da polémica

Daniel Cohn-Bendit fechou-se ontem na sua casa de Frankfurt e não falará com ninguém durante uma semana. Todos os comícios e todas as entrevistas do deputado europeu dos Verdes franceses foram anulados. Daniel Cohn-Bendit diz-se desnorteado com as acusações de pedofilia de que é alvo, exumadas num livro de 1975 escrito por este antigo líder emblemático da revolta de Maio de 68 em França. Só um amigo foi autorizado a fazer ontem declarações ao jornal francês "Libération", onde "Danny le Rouge" anulou um "chat" em directo na Internet: "Depois do linchamento de que foi vítima, Danny precisa de descanso. Ele está muito afectado, porque sabe que não o deixarão em paz com estas pretensas histórias de pedofilia, mesmo nos comícios dos Verdes. Daniel também sabe que não há solução para isto. É por isso que ele pára tudo durante uma semana."Num curto texto, o "Libération" lamenta que Daniel Cohn-Bendit recue no momento em que a polémica cede terreno a um "debate rico e fecundo, com uma discussão política como não se via há muito neste país". O caso rebentou em França há duas semanas, no dia seguinte a um discurso de Daniel Cohn-Bendit num comício dos Verdes para as autárquicas de Março. Era a 8 de Fevereiro, e o deputado europeu dos Verdes tomava de nova a palavra num anfiteatro da Sorbonne, a universidade do Quartier Latin onde "Danny" muito arengara 33 anos antes, em Maio de 68."Esta semana, a minha geração viveu um dos períodos mais duros da sua vida política", começou Daniel Cohn-Bendit. O tema da noite era o "empenho político", e o franco-alemão, cujo nariz arrebitado e cabelos ruivos deram um rosto a Maio de 68, aproveitou a ocasião para evocar os ataques de que tinha sido alvo o seu amigo Joschka Fischer, ministro dos Negócios Estrangeiros na Alemanha. O ecologista alemão fora posto em causa pelo seu passado de extrema-esquerda e Cohn-Bendit passara a semana a socorrê-lo: "O Joschka nunca tinha sido posto em causa desta maneira no debate público, acicatado por uma imprensa de uma agressividade incrível", diria, nessa noite, um Daniel Cohn-Bendit muito abalado."Exumaram todos os nossos textos, toda a nossa história de revolucionários. Ora, essa história não é toda ela bela, há nela páginas negras e outras páginas de que podemos, e devemos, ter vergonha."Ora, no dia seguinte rebenta em França a polémica sobre algumas linhas de um livro que Daniel Cohn-Bendit escrevera em 1975, "Le Grand Bazar", e que levam hoje a acusações de pedofilia contra o seu autor, então a trabalhar num infantário alternativo em Frankfurt: "Aconteceu-me várias vezes que alguns miúdos me abrissem a braguilha e começassem a acariciar-me. Eu reagia de maneira diferente segundo as circunstâncias, mas o desejo das crianças era um problema. Perguntava-lhes: 'Por que razão não jogam entre vocês, por que razão me escolheram, a mim, e não aos outros miúdos?' Mas se eles insistiam, então eu acariciava-os."Cohn-Bendit negará, depois, ter pensado neste livro quando discursava na Sorbonne. Mas o certo é que a imprensa inglesa já tinha publicado este excerto do "Grand Bazar" a 31 de Janeiro, e os "media" alemães tinham citado um outro, durante a campanha contra Joschka Fischer: "O meu 'flirt' permanente com todos esses miúdos assumia depressa formas de erotismo", escrevera ainda "Danny".Contudo, as acusações contra Daniel Cohn-Bendit foram primeiro ignoradas em França. As primeiras notícias surgem só quando um rumor aventa que o semanário "L'Express" estaria a preparar a publicação das páginas incriminadas para daí a uma ou duas semanas. O antigo líder de Maio de 68 faz então uma autocrítica: "Contei tudo isso por pura provocação, para escandalizar os burgueses", defende-se Cohn-Bendit, que acrescenta os seus "remorsos por ter dito tantas asneiras, sabendo hoje os abusos sexuais que têm existido contra crianças". De entrevista em entrevista, de comício em comício, Cohn-Bendit explica que é preciso colocar essa palavras no contexto dos anos 70, "quando, influenciadas pelas leituras de Freud ou de Reich, as pessoas se interrogam sobre a sexualidade das crianças". E conclui, reconhecendo que "é hoje inadmissível ter escrito então aquelas linhas". O deputado dos Verdes franceses publicou cartas dos pais das crianças do infantário, e das próprias crianças, que têm hoje entre 20 e 35 anos, afirmando que "nunca houve qualquer tentativa de abuso sexual" por parte do antigo empregado do infantário. De resto, o debate incide, em França, numa espécie de processo de Maio de 68 e na influência da geração da revolta estudantil na sociedade actual.

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