Rússia é um "Estado mafioso" no regime de Vladimir Putin

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Vladimir Putin, o "líder da matilha" Stoyan Nenov / Reuters

O retrato da Rússia feito por diplomatas é de um regime de corrupção e subornos, numa pirâmide de lealdades com o primeiro-ministro à cabeça

A Rússia é descrita como um "Estado mafioso", uma "cleptocracia" e uma "autocracia corrupta" em alguns dos documentos confidenciais trocados entre embaixadas e o Departamento de Estado norte-americano, que foram divulgados pelo website WikiLeaks, provocando uma crise diplomática mundial.

Muitos daqueles documentos confidenciais - que estão a ser publicados pelos jornais, El País, Guardian, Le Monde,New York Times e também a revista alemã Der Spiegel - relatam que a corrupção está espalhada por todos os níveis de governação do país, girando em torno de um eixo de fidelidades prestadas à liderança do primeiro-ministro, Vladimir Putin, que ocupa na percepção dos russos a chefia do país.

Este retrato surge especialmente numa série de comunicações, dirigidas a Washington, assinadas pelo juiz-procurador espanhol José Grinda González, investigador especializado no crime organizado. O jurista - que desenvolveu uma intensa investigação às actividades criminosas russas em Espanha (conduzindo a mais de 60 detenções, incluindo quatro dos chefes da máfia russa fora da Rússia) - fala de práticas generalizadas de subornos, a funcionarem como sistemas pessoais de taxação dos mais baixos até aos mais altos níveis do poder.

O valor desta economia paralela de subornos ascende a uns estimados 300 mil milhões de dólares por ano, calcula o britânico Guardian, que teve acesso integral a todas as 251,287 mensagens coligidas pela WikiLeaks.

González descreve ainda que o sistema oferece protecção a grupos criminosos, na defesa dos seus próprios interesses, em toda a Administração russa - deixando "muito poucas diferenças entre o Governo e o crime organizado". É sugerido mesmo que a máfia faz "trabalho sujo" para espiões e até sob a supervisão dos Serviços Federais de Segurança (FSB, agência sucessora do KGB), dos quais beneficia, em última instância, o próprio Kremlin.

Putin, numa entrevista transmitida quinta-feira no programa de Larry King, na CNN (mas gravada ainda antes de serem publicados estes telegramas respeitantes à Rússia), disse achar que há "objectivos políticos" na divulgação dos documentos secretos, mas desvalorizou em parte o seu impacto, considerando que "não se trata de uma catástrofe".

"Alguns peritos crêem que alguém está a enganar o WikiLeaks para minar a reputação [do website, que se tornou popular a divulgar informações secretas sobre a guerra no Afeganistão e Iraque]. Que está a ser usado por alguém para os seus fins políticos no futuro. Essa é uma das possibilidades", sustentou o primeiro-ministro russo.

Descrito em alguns dos documentos secretos como "líder da matilha", ou comparado a Batman, sendo Robin o Presidente, Dmitri Medvedev, Putin pareceu não ter gostado das analogias feitas por alguns diplomatas norte-americanos. "Para ser sincero, nunca pensámos que uma coisa destas pudesse ser feita com tal arrogância e com tanta falta de ética", observou.

Num dos telegramas confidenciais a embaixada norte-americana em Madrid menciona uma série de "questões ainda sem resposta" sobre a alegada extensão do envolvimento do primeiro-ministro russo nas redes das máfias e sobre o controlo que Putin terá sobre as suas actividades.

FSB protege criminosos

Estas mensagens relativas à Rússia mostram também que Washington acredita ser muito provável que Putin tenha tido conhecimento da operação em que foi morto o antigo ex-espião do KGB Alexander Litvinenko, envenenado em Londres, em 2006, com uma raríssima substância radioactiva. O Kremlin tem negado insistentemente qualquer envolvimento no caso, que minou as já difíceis relações entre a Rússia e o Reino Unido.

A questão da corrupção na Rússia é abordada também num documento assinado pelo embaixador norte-americano em Moscovo, John Beyrle. "Há elementos criminosos que gozam de uma rede de protecção que se estende através da polícia, dos Serviços Federais de Segurança, do Ministério do Interior e até da procuradoria-geral, assim como nas estruturas do governo local de Moscovo", afirma o diplomata.

Este retrato de uma Rússia profundamente corrupta não é novo e foi mesmo um dos temas centrais do discurso à nação feito terça-feira pelo Presidente russo. Ali, perante a totalidade dos membros das duas câmaras parlamentares, Medvedev acusou claramente as forças policiais do país de terem ligações ao crime organizado e falou na necessidade de reformas para combater a corrupção no Estado.

As críticas às falhas de governação na Rússia vêm mesmo do mais alto nível, com um telegrama do secretário da Defesa norte-americano, Robert Gates, datado de Fevereiro deste ano, avaliando que "a democracia russa desapareceu". Sobre este comentário em específico, Putin, na entrevista à CNN, respondeu que Gates está "redondamente enganado".

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