Há 20 anos a procurar “maneiras diferentes de contar as mesmas histórias”

Uma peça para os mais pequenos sobre os medos e a sinceridade que precisamos para os enfrentar. No Teatro Vilarinha, enquanto houver vontade, ninguém atira a cortina ao chão.

Fotogaleria
Em cena já estiveram muitos textos inéditos que hoje “fazem parte do Plano Nacional de Leitura” MANUEL ROBERTO
Fotogaleria
MANUEL ROBERTO
Fotogaleria
PAULO RICCA
Fotogaleria
Nelson Garrido
Fotogaleria
Nelson Garrido

A cortina abre mais uma vez no Teatro da Vilarinha. No palco há um bosque. É o bosque dos medos, da incerteza, do desconhecido. “Não tens medo dos lobos?”, pergunta uma das personagens. “Não”, responde a outra. Juvenal não tem medo de nada, é ele que assusta os lobos com murros, socos e pontapés. Até que chega a noite e o bosque transforma-se numa floresta assustadora. Agora, já se ouvem os lobos. E o medo começa a chegar.

Nos últimos 20 anos, as cortinas do Teatro Vilarinha, no Porto, não se abriram tantas vezes como se gostaria. "Com os subsídios que recebemos, dá para fazer pouco mais que uma produção por ano, e nós fazemos três”, conta o encenador Rui Spranger. “É uma travessia cada vez mais difícil”, continua, “cada vez mais se aproxima de um acto de resiliência”. Fala do teatro em geral mas do Vilarinha em particular. De todos os teatros que já pisou e já ensinou a pisar, este, em Aldoar, é “sempre como voltar a casa”. Fala da distância quase nula entre actores e público, da acústica e das tantas histórias que ali foram contadas e ouvidas pela primeira vez. Aqui, apesar das incertezas, não se joga pelo seguro: aposta-se na criação, procuram-se “novas dramaturgias”, “novos autores”. Em cima deste palco, já estiveram muitos textos inéditos que hoje “fazem parte do Plano Nacional de Leitura”.

Em Março de 1996 escrevia-se, no desaparecido Independente, que faltavam 20 mil contos para a Companhia Pé de Vento “transformar um antigo posto alfandegário” numa sala de espectáculos. Já existiam há quase 20 anos quando começaram a procurar instalações próprias para retomar a actividade regular que entretanto fora interrompida durante anos devido à falta de apoios. Quando surgiram, em 78, “a sociedade estava a reconstruir-se” e era urgente haver “novas dramaturgias para um novo tempo”, diz João Luiz, um dos fundadores da companhia. Hoje, 20 anos depois, o teatro envelhece, mas as 106 cadeiras ainda se enchem de crianças.

“Os mais novos ficaram até hoje como matriz”, conta, mas “como os medos vão desde os seis aos 90”, as portas não têm limites de altura. É o que vai acontecer durante O Lobo Sou Eu, uma estreia em teatro do poeta Eduardo Leal, que é tanto para crianças como para os pais que as levam até lá. A peça que marca as duas décadas estreia no domingo e está em cena até 2 de Abril.

Ao longo dos anos, o edifício já sofreu várias modificações. A mais significante vê-se quando se olha para cima. O travejamento de madeira que revestia o tecto está agora tapado por uma teia que facilita os trabalhos de luzes. O edifício, com corredores apertados, escadas em caracol que vão dar a pequenas oficinas, camarins ou salas de arquivo, parece já ter nascido para ser um teatro. A madeira ainda não range sob os passos de quem por lá passa, mas as paredes e estantes cobrem-se de memórias. Há cigarros e chocolates falsos, figurinos de produções passadas e realejos que ainda dão música quando se dá à manivela. João Luiz toca-a até ao fim. No teatro, é preciso dar tempo ao tempo. No Vilarinha, 20 anos depois, “a obra ainda não está acabada” e por isso, não está pronto para sair de cena.

Texto editado por Ana Fernandes

 

Sugerir correcção
Comentar