Têm 17 anos e já estão no laboratório para desmistificar o cancro

Ainda não estão na faculdade, mas já se interessam pela investigação. Alunos da Universidade Júnior vestiram a bata e foram para a Liga Portuguesa Contra o Cancro aprender mais sobre a doença.

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Manuel Roberto
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Quinze alunas ouvem atentamente as instruções da experiência ditadas pela investigadora Mónica Gomes. Estão todas de cabelos amarrados e com batas, como cientistas em miniatura. E a matéria que estudam não é brincadeira. No Laboratório de Investigação Pedagógica (LIP), sediado na Liga Portuguesa Contra o Cancro no Porto, estão a aprender como se faz o teste de papanicolau, usado para detectar células tumorais do colo do útero. Neste caso, as células vêm das suas bocas, do epitélio bucal.

“Isto serve para eles perceberem como é que se passa de uma célula normal para uma célula tumoral. Claro que não vai ser nas células deles que vamos ver essa diferença, mas já temos preparações em que eles conseguem ver o que é tecido normal e tecido tumoral”, explica a coordenadora do projecto, Mónica Gomes.

Esta é uma das experiências de um curso da Universidade Júnior, que nasce de uma parceria entre a Universidade do Porto e a Liga Portuguesa Contra o Cancro e que é destinado a alunos do secundário. Numa semana intensiva, com horário entre as 9h e as 18h, o projecto que existe desde 2014 desafia os jovens a desmistificar os meandros da doença de que toda a gente fala, mas que poucos sabem bem o que é.

Têm 17 anos e são diversos os motivos que os levaram a escolher esta área. Porque querem seguir medicina, porque se interessam pela área da investigação genética ou porque já deram de caras com a doença através de familiares. “No ano passado, tivemos aqui uma menina que tinha cancro porque queria perceber realmente o que tinha”, conta Mónica.

E para assuntos difíceis é preciso começar pelo início, acrescenta: “Quando cá chegam, pergunto-lhes o que é o cancro. E eles não sabem, não têm a noção do que é. Ouvem que a mãe chora, o pai chora, o cabelo cai, mas o que é?” É preciso partir pedra, desconstruir, para que a curiosidade nasça e o conhecimento cresça. Certo é que, independentemente dos motivos que os levaram até lá, a experiência marca: “O resultado final depende muito da motivação deles. Mas eles saem daqui diferentes. Porque passam uma semana connosco, a falar de uma doença emotiva, muito humana. Vêem o outro lado.”

Bárbara ainda não sabe bem o que quer para o futuro, mas planeia “seguir algo em saúde”. Veio propositadamente passar uns dias ao Porto para poder frequentar o curso. No LIP, sente que estão a “quebrar todos os mitos em volta da doença” e que a matéria que dá nas aulas se interliga mais com a vida real: “São condições completamente diferentes das que temos nas nossas escolas. Tudo é diferente, tudo é novo.”

Falar a mesma língua 

No primeiro dia, faz-se uma abordagem teórica à matéria do ADN e das células porque, antes de mais, “é preciso que falemos na mesma língua”, explica a coordenadora. Depois, fazem a primeira experiência: uma extracção de DNA e amplificação de um gene para verem características genéticas e perceberem “o porquê de sermos todos diferentes”.

Após sobrevoarem a variabilidade genética, entram no capítulo “Da célula normal à célula tumoral” — e é aí que saltam para a clínica. Beatriz, que veio de Almada, gostava de estar ligada à área da oncologia e conta que, no laboratório, aprender é mais fácil: “Quando vimos para o laboratório é muito melhor, porque aprendemos com a prática. É muito melhor ver as coisas a acontecer do que só falar acerca delas.”

Mas antes de cada experiência, há uma coisa que não muda: uma contextualização teórica e adaptada à realidade dos jovens. Ao longo do curso, falam do cancro do colo do útero e da infecção pelo vírus HPV, do cancro do pulmão e da mama. Sem esquecer os factores de risco e a prevenção de cada uma das patologias.

Maria Inês quer seguir medicina e já levou os conhecimentos para fora do laboratório. Já teve vários casos de cancro na família e agora sente-se mais preparada para falar sobre o assunto: “Já estive a explicar à minha mãe a origem do cancro, os tipos de prevenção.” E como quer repetir o exame de Biologia do 11.º ano, aproveitou a experiência para “aprofundar a matéria e perceber aquilo que ainda não tinha esmiuçado.”

Meter as mãos na massa

Ao longo do mês de Julho, são os 60 jovens da Universidade Júnior que vão passar pelo LIP, orientados pelas investigadoras Ana Teixeira, Francisca Dias e Mónica Gomes. A cada semana, as aprendizagens são as mesmas. Mas o curso não se fecha dentro do laboratório.

Os pequenos investigadores são desafiados num peddy paper na Liga Portuguesa Contra o Cancro, em que têm de andar pelos serviços, falar com os funcionários e responder a questões. Beatriz gostou da ideia: “Fala-se da Liga mas uma pessoa não tem muito bem a noção do que está por trás disto tudo.” Também já visitaram o edifício do rastreio para ver como todo o circuito funciona, revela a investigadora Ana Teixeira: “Até experimentaram como é feita a mamografia, fizeram-na num braço. E, agora, já conseguem até ter uma melhor noção dos números, como quantas mulheres são rastreadas na zona norte.”

Mas o LIP transcende as quatro semanas da Universidade Júnior. Contacta ou é contactado por escolas e recebe visitas de turmas das mais variadas idades, conta Mónica: “São projectos um pouco mais esporádicos, porque as escolas não têm tanta disponibilidade. Mas passam uma tarde connosco e nós fazemos actividades adequadas à faixa etária.”

Mas há mais. Os Sábados Científicos desafiam os jovens a levantarem-se cedo no fim-de-semana para meterem as mãos na massa no laboratório, explica: “Passam connosco três sábados e são estimulados a fazer uma apresentação pública, para não ser só pipetar por pipetar. Eles têm de perceber os conceitos porque depois apresentam à família, aos nossos convidados e aos directores da Liga.”

Texto editado por Ana Fernandes     

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