Roubo de peixe em Olhão põe em risco anos de trabalho em investigação

Dois linguados reprodutores sumiram-se de um tanque, vigiado por câmaras vídeo, numa estação piloto de piscicultura. O forasteiro, encapuzado, saiu com os peixes debaixo do braço, sem saber que os animais afinal poderiam estar impróprios para consumo.

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Raquel Costa/Stills

Quanto é que vale um linguado reprodutor? “Não tem preço”, diz o director da Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (EPPO), Pedro Pousão Ferreira, lamentando a perda de dois linguados e mais dois ou três que ficaram feridos, na sequência de um ataque à forquilha sofrido pelos animais. “Perderam-se dois a cinco anos de estudos científicos”, diz o biólogo, acrescentando que os exemplares foram seleccionados, durante anos, para garantir o apuramento e multiplicação da espécie. Os peixes, avisa, poderiam não estar capazes para consumo.

Embora a estação esteja protegida por video-vigilância, não há imagens que possam identificar o presumível autor do crime. O forasteiro, encapuzado, entrou nas instalações na noite do passado dia 12 de Outubro, sem deixar vestígios que levassem, por enquanto, ao apuramento de responsabilidades . De um dos tanques, situado no exterior do edifício, com a ajuda de uma forquilha de pesca à fisga, retirou os linguados e saiu com a pescaria debaixo do braço. O segurança respondeu ao toque do alarme, mas não chegou a tempo de evitar o furto.

Não é a primeira fez que sucede uma situação destas. “Um reprodutor não é um linguado qualquer”, lembra o investigador, sublinhando que a importância deste acto vai muito para além do valor do peixe no mercado “Causou uma grande perturbação em todo o trabalho subsequente”, enfatiza. Os animais, até chegar a altura de pôr ovos, chegam a levar três a cinco anos em cativeiro. Uma vez cumprida a função científica, os peixes entram na cadeia alimentar. Primeiro, passam por um jejum (como mandam as regras de segurança), a seguir acabam no prato. Esta semana foram oferecidas cerca de 1,5 toneladas de corvinas ao Banco Alimentar. “Somos financiados com dinheiro público, temos responsabilidade para com a comunidade”. O perigo de roubo está quase sempre presente. Há três dias, por exemplo, um dos tanques onde se encontravam as corvinas foi alvo de assalto. Porém, quando foi destruído o holofote que iluminava os peixes, disparou o alarme e o furto ficou-se pela tentativa.

Robalos com chip

Na passado mês de Fevereiro, mais um roubo foi participado às autoridades. Meia dúzia de robalos e linguados, embora marcados com um chip, desapareceram da estação experimental. Pedro Pousão Ferreira presume que os animais possam ter sido vendidos para um dos restaurantes da zona. “Mas os peixes podem não estar próprios para consumo”, sublinha o investigador, lembrando que muitas das vezes são submetidos a antibióticos ou desparasitantes, ficando vestígios do tratamento. Se não forem respeitados os intervalos de segurança, justifica, há o risco dos “restos de químicos” chegarem até ao consumidor.

Da lista dos furtos, geralmente de pequeno volume, o director da EPPO recorda uma situação ocorrida há cinco anos. Corvinas, com mais de 20 quilos, estavam a ser comercializados no mercado de Tavira, quando lá chegou a ASAE . Foi o“chip”, de vidro, colocado no dorso do animal, que permitiu a sua localização. “O senhor que as comprou tinha factura, passada por um armazenista de Olhão que, por sua vez, comprara a alguém que se terá apresentado como pescador”. Em tribunal, o Ministério Público, quase sempre, depara-se com falta de provas ou com alguém que diz: “roubei, só para comer”. Para ajudar os mais carenciados, Pedro Pousão Ferreira, adianta ter oferecido ao Banco Alimentar, no último ano e meio, mais de 10 tonelada de peixe.

A raridade da sardinha

A estação piloto, com 2300 metros quadrados de área coberta, beneficia do facto de estar localizada à beira da ria Formosa, no meio de uma comunidade piscatória com tradições e conhecimentos ancestrais. A investigação desenvolve-se a diferentes níveis: maternidade, engorda e ainda uma jaula oceânica ao largo da ilha da Armona. O campo experimental prolonga-se pela zona lagunar numa área de sete hectares. Aos ensaios com robalos, linguados, corvinas e sargos, junta-se agora a sardinha. “Comem que se farta”, desabafa Pedro Pousão Ferreira, quando alimenta os juvenis. O projecto de investigação sobre esta espécie, que já não chega para a procura, vai ser desenvolvido no próximo ano.

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