Restrições a carros antigos em Lisboa são “mais ficção que realidade”, diz pai da medida

Antigo vereador fala da falta de fiscalização nestes últimos anos, crítica a que se juntam os presidentes do ACP e da Associação de Auto-Mobilizados. Ambientalistas estão preocupados.

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A Câmara de Lisboa decidiu impôr restrições ao trânsito, que agravou em 2015, devido aos altos níveis de poluição que punham em risco o cumprimento de metas ambientais europeias RUI GAUDÊNCIO

O ex-vereador da Mobilidade em Lisboa Nunes da Silva, mentor das Zonas de Emissões Reduzidas (ZER), considera que a falta de fiscalização à medida, que proíbe carros antigos no centro da cidade, a torna "mais ficção do que realidade". "O problema da fiscalização mantém-se e, tanto quanto sei, não foi dado nenhum passo nesse sentido [...]. Penso que as ZER, neste momento, são mais uma ficção do que uma realidade", disse Fernando Nunes da Silva citado pela Lusa.

As ZER foram criadas em 2011 para diminuir as emissões poluentes em Lisboa, que ultrapassavam as normas europeias e ameaçavam a aplicação de multas ao país. Desde 15 de Janeiro de 2015 que os carros com matrículas anteriores a 2000 passaram a estar proibidos de circular, entre as 07h e as 21h dos dias úteis, no eixo da Avenida da Liberdade à Baixa (a chamada zona 1).

Já os carros com matrículas anteriores a 1996 ficaram impedidos de circular na zona 2 (definida pelos limites da Avenida de Ceuta, Eixo Norte-Sul, Avenidas das Forças Armadas, dos Estados Unidos, Marechal António Spínola, do Santo Condestável e Infante D. Henrique).

Segundo Fernando Nunes da Silva, a falta de fiscalização "é mais um sinal do tipo de política da Câmara", que contrasta com "o esforço que o Governo está a fazer no sentido de reduzir a pegada ecológica e os impactos ambientais associados aos transportes". O também professor catedrático lamentou, por isso, que o município, "que foi pioneiro neste tipo de medidas de controlo, deixe as coisas desmerecerem [...] até à próxima ameaça de multa da Comissão Europeia".

Ainda assim, o responsável classificou como "um passo extremamente importante" a passagem de elementos da divisão de trânsito da Polícia de Segurança Pública (PSP) para a Polícia Municipal, o que poderá melhorar a fiscalização às ZER. Nunes da Silva criticou ainda a falta de dados sobre a eficácia destas zonas: "Ao contrário do que era prática no meu tempo de vereação, a Câmara de Lisboa deixou de produzir resultados líquidos sobre a matéria".

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O presidente do Automóvel Club de Portugal (ACP), Carlos Barbosa, também considera que esta proibição "não resolveu praticamente nada". "Primeiro, porque o parque automóvel da cidade é extremamente velho e as pessoas não têm alternativa para se deslocar e para irem aos sítios onde têm de ir e, depois, não há policiamento", sustentou.

Carlos Barbosa assinalou que a fiscalização da Polícia Municipal "não existe" e que a proposta feita na altura, de ter “aparelhos que mediam a poluição e que disparavam os semáforos mais ou menos tarde consoante o grau de poluição, também não foi implementada". "Acho que foi um fiasco total até agora o que se fez em relação às emissões reduzidas", criticou, vincando a necessidade de se renovar a frota dos transportes públicos, de aumentar a fluidez do trânsito e de se construírem parques dissuasores nas entradas da cidade.

Para o presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), as ZER são "uma medida absolutamente acessória e avulsa, que não resolve problema nenhum". Uma vez que "não há fiscalização nem campanhas de alerta", esta "não é uma consideração habitual dos condutores", reforçou Manuel João Ramos.

Para este dirigente, o problema não são os veículos anteriores a 2000, mas os veículos a gasóleo. "Quando um país tem 80% dos veículos a gasóleo, este é um problema de saúde gravíssimo", precisou, aludindo à propagação de doenças respiratórias. Tanto o ACP como a ACA-M admitiram desconhecer casos de condutores que tenham sido multados por circularem com carros anteriores a 2000 e a 1996 nas zonas 1 e 2 das ZER, respectivamente, mas a Lusa tentou, sem sucesso, obter informações da PSP.

Já a Câmara de Lisboa sublinhou que "a implementação da ZER está a contribuir para a melhoria do ambiente", mas escusou-se a responder às questões sobre a fiscalização.

Ambientalistas preocupados

A vice-presidente da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável, Carla Graça, desconhece a realização de acções de sensibilização e de fiscalização: "Continuam a ver-se veículos antigos a circular que podem [...] não estar abrangidos pelas excepções previstas, nomeadamente veículos de residentes.” 

Com as inundações de 2015 e o aumento do tráfego rodoviário pós-crise registou-se um aumento da “concentração de partículas inaláveis e dióxido de azoto na Avenida da Liberdade", acrescentou. De acordo com os dados mais recentes da base de dados online sobre a qualidade do ar da Agência Portuguesa do Ambiente, as partículas inaláveis registadas na estação da Avenida da Liberdade excederam os limites permitidos em 66 dias no ano de 2015 (o máximo são 35 excedências). Quanto ao dióxido de azoto, os registos dão conta de 20 horas em excedente (o máximo são 18 horas).

A Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa, que tem um contrato com o município para acompanhar as ZER, contabilizou um aumento do tráfego médio diário de carros que entram na cidade a partir de 2014, subindo "em flecha" nos anos de 2015 e de 2016 – 32% dentro das zonas, 36% fora delas; enquanto de 2011 a 2013 caíra 8 e14% respectivamente.

"As restrições, admitindo que estão a ser cumpridas, não são suficientes para dar uma resposta robusta à prova de circunstâncias desfavoráveis como a meteorologia e o aumento de tráfego", adiantou Francisco Ferreira, da FCT.

Para o especialista em poluição atmosférica Paulo do Carmo, da Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza, não basta "a colocação de sinalização alusiva às restrições implementadas nas diferentes zonas da cidade", devendo existir campanhas de sensibilização, destinadas à população de Lisboa mas também da região vizinha que se desloca para a cidade, e de promoção dos transportes públicos. Mas entende que "o horizonte temporal é relativamente curto para uma avaliação da medida".

Câmara queixa-se do aumento do tráfego

A Câmara de Lisboa argumenta que o volume de tráfego automóvel aumentou na cidade: em 2016 entraram diariamente 370 mil carros na cidade, mais 15 mil do que em 2014. "No entanto, os resultados da avaliação da qualidade do ar ambiente para as partículas em suspensão atmosférica e dióxido de azoto não acompanham a mesma tendência crescente", reflectindo antes "uma mudança que tem ocorrido, com a renovação do parque automóvel e das frotas, de públicos e privados, que operam na cidade", observa a autarquia.

O município vinca que "a implementação das ZER está a contribuir para a melhoria do ambiente" e garante que continua a "melhorar as condições" com a "promoção dos modos de mobilidade mais suaves (como a bicicleta, através do alargamento da rede de ciclovias e implementação do sistema partilhado de bicicletas), o sistema de transportes públicos e a criação de parques de estacionamento dissuasores, visando a redução do número de viaturas no centro da cidade".

 

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