Repetem-se apelos ao entendimento e pedem-se explicações sobre a Feira do Livro do Porto

Câmara do Porto manteve-se em silêncio, depois de emitir o comunicado em que anunciava que não estavam reunidas condições para assinar qualquer protocolo com a APEL.

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A Feira do Livro regressou nos últimos anos aos Aliados, mas este ano não se realizará por falta de verbas PAULO RICCA/ARQUIVO

O anúncio da Câmara do Porto de que, neste momento, não tinha condições para assinar qualquer protocolo com a APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros para a realização da Feira do Livro na cidade desencadeou reacções similares às do ano passado, quando um desentendimento entre as duas entidades levou a que, pela primeira vez, o evento não se realizasse. Há críticas à câmara e à APEL, apelos ao entendimento e também quem se disponibilize para levar os livros ao Porto, seja como for.

Em 2013, o editor portuense Cruz Santos, editor de Eugénio de Andrade e responsável pela Modo de Ler, foi das vozes mais críticas à actuação da APEL, acusando-a de se servir da má imagem junto dos sectores culturais do então presidente de câmara, Rui Rio, para o responsabilizar pela não realização da feira. Hoje, a câmara tem um novo presidente, Rui Moreira, mas Cruz Santos continua a ver “algum oportunismo” na actuação da APEL. “O que se está a passar faz-me impressão pelo que tem de anormal. Conheço a feira há pelo menos 50 anos, participei nela anos a fio, e até ao protocolo de quatro anos feito com Rui Rio nunca tive ideia que alguma câmara alguma vez tenha subsidiado a Feira do Livro”, diz. Apoio logístico – acrescenta – sim, mas subsídios, não.

“Eu não vou à Feira do Livro porque cobram dois mil euros de inscrição por cada pavilhão e, no meu caso, como estive alguns anos sem ir, seria considerado como um novo participante, pelo que teria de pagar o dobro, quatro mil euros”, diz o editor. Em 2013, fonte da APEL confirmou ao PÚBLICO que as inscrições na Feira do Livro do Porto rendiam à associação cerca de 200 mil euros, mas garantiu que essa verba era insuficiente para cobrir os custos inerentes à realização do certame, nomeadamente a montagem e desmontagem dos pavilhões, a manutenção das estruturas e o programa de animação. Cruz Santos tem dúvidas. “Eu também gostava de receber 75 mil euros, mas eles são necessários para que a feira se realize? São indispensáveis? O que é que a APEL tem de pagar? Aluguer do terreno? Luz? Água? Segurança? A APEL que nos venha explicar para que é preciso o dinheiro”, argumenta.

Explicações é o que pede também o vereador do PSD Amorim Pereira, ao mesmo tempo que critica a actuação de Rui Moreira. “Lamento os últimos desenvolvimentos, parece que é reincidente a má vontade da Câmara do Porto com os agentes culturais. Estamos perante uma repetição do que se passou com a Seiva Trupe”, disse o social-democrata, numa referência à saída da companhia portuense do Teatro do Campo Alegre.

Amorim Pereira diz que as informações sobre o processo da Feira do Livro apontam para que não esteja a ser feito “qualquer esforço para conciliar vontades” e defende que a “atitude arrogante” do presidente da câmara “começa a ser preocupante”. Ainda assim, afirma, quer ouvir o que Rui Moreira tem a dizer. “Dou o benefício da dúvida. A câmara dá a entender, no seu comunicado, que terá havido uma mudança de compromisso por parte da APEL. Este assunto terá de ser esclarecido e vamos pedir explicações na próxima reunião de câmara”.

A CDU, a outra força partidária na oposição camarária, emitiu ontem um comunicado, no qual defende que ainda há tempo para “inverter a situação” actual. Os comunistas sublinham “a necessidade de um entendimento entre a Câmara do Porto, a APEL e outros agentes culturais para a superação dos motivos que estão na origem do actual impasse que coloca em causa” a realização do evento.

A câmara manteve-se ontem em silêncio, depois de a APEL, numa reacção ao comunicado da autarquia, ter garantido ao PÚBLICO que estava disponível para avaliar uma proposta camarária que envolvesse a assinatura de um protocolo plurianual, que garantisse um apoio financeiro nos próximos anos. O município anunciara, durante a tarde, que não estavam “satisfeitas as condições de confiança necessárias para a assinatura de qualquer protocolo com a APEL”, depois de o presidente da associação, João Alvim, se ter mostrado surpreendido com as declarações ao PÚBLICO do vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva, a 8 de Fevereiro, de que a feira se iria realizar este ano, na Rotunda da Boavista, apenas com apoio logístico e sem qualquer comparticipação financeira da câmara.

No comunicado, a autarquia reiterava que as negociações com outros elementos da APEL – incluindo o secretário-geral da associação – tinham decorrido durante dois meses e estava já delineado “um acordo de princípio”, pelo que as declarações de João Alvim representavam “uma grave quebra de confiança”. Não necessariamente entre a câmara e a APEL, sublinhava o documento, mas “pelo menos entre os representantes mandatados pela APEL para as negociações e o presidente da mesma associação”.

No ano passado, quando se confirmou que a Feira do Livro do Porto não se realizaria, o município acabou por entregar à cooperativa cultural Cultureprint a organização do Letras na Avenida, um evento alternativo à feira. Ontem, a cooperativa publicou um texto na sua página do Facebook lembrando a iniciativa “de menor dimensão (…), que envolveu custos mais baixos, mas que garantiu a existência de livros de centenas de editoras com descontos para os leitores e que consistiu numa oportunidade de trazer de novo as livrarias da cidade ao centro do debate”.

Ao PÚBLICO, Isabel Rocha da Cultureprint explica que a cooperativa ajudou a desenvolver parte da programação da Feira do Livro do Porto de 2012 e que, este ano, já tinha sido “informalmente contactada” para participar, da mesma forma, pelo que ficou surpreendida com o impasse que se gerou em torno do evento. “Estamos a aguardar as novidades, como toda a gente ligada à cidade e às áreas dos livros, do pensamento”, diz.

No Facebook, a Cultureprint mostrou-se disponível para “em parceria com a APEL e com a Câmara do Porto ou apenas a partir das directivas do actual executivo, dar resposta a qualquer desafio”. Isabel Rocha não tem dúvidas que a cidade terá a sua feira de venda de livros a preços de saldo, só não sabe como. “Acontece sempre algo. O Porto é assim”, diz.

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