Escola plantou hortas em todas as salas para erradicar a fome

A ideia teve início num concurso. Os alunos não o ganharam, mas tiraram o projecto do papel e, nesta quarta-feira, duas turmas do 6.º ano do Colégio Efanor doaram o primeiro cabaz de alimentos à Cruz Vermelha.

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Todas as salas do Colégio Efanor têm um cantinho reservado às hortas de cultivo interior Nelson Garrido
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São os alunos que cuidam das plantas Nelson Garrido
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Nas salas, vêm-se vegetais nas mais diversas fases de crescimento Nelson Garrido
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Todos os materiais utilizados para a construção das pequenas hortas são reciclados Nelson Garrido
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O próximo passo é construir uma horta exterior, com árvores de fruto Nelson Garrido
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As plantas foram escolhidas tendo em conta o seu tamanho e duração de crescimento Nelson Garrido
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O projecto pode ser seguido via Facebook (Bioefanor Plant) e Instagram (@zero_hunger_help) Nelson Garrido

Têm doze anos e querem mudar o mundo, a começar por Matosinhos. No Colégio Efanor, duas turmas do 6º ano entregaram, nesta quarta-feira, a primeira doação de vegetais biológicos à Cruz Vermelha de Matosinhos. Os alimentos vieram das plantações das famílias, da comunidade académica e de todas as hortas interiores das salas de aula do colégio, criadas pelos alunos.

A ideia surgiu com a participação num concurso, o Make !t Possible, da AIESEC, que pretende dar a conhecer os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e incentiva à criação de um projecto para ajudar a comunidade local. Erradicar a fome foi a meta escolhida. Por isso, os alunos do 6.º ano construíram hortas de cultivo interno, onde plantaram alface, feijão-verde, tomate-cherry, pimento, rabanete, ervas aromáticas, entre outros, para doar à Cruz Vermelha. Não venceram o concurso, mas não largaram o objectivo.

Os primeiros vegetais cresceram tanto que tiveram de ser transplantados para a horta da família de uma das alunas, em Penafiel. E as pequenas hortas, inicialmente montadas em duas salas de aulas, expandiram-se para todas as salas do colégio, desde o pré-escolar ao terceiro ciclo.

“Por iniciativa própria, os alunos organizaram-se, falaram com as educadoras e foram ao pré-escolar ensinar como se faziam as hortas interiores”. Mas foram mais além e fizeram “um vídeo de Do It Yourself”, que foi enviado para todos os alunos, famílias e restante comunidade académica, conta Ana Barbosa, psicóloga no colégio. No vídeo, dois alunos demonstram como se faz uma horta de cultivo interno a partir de uma garrafa de água e outros materiais reciclados. Tudo em inglês, a língua oficial do projecto.

Mudar o mundo a partir das salas de aula

“A realidade das famílias que têm dificuldades em aceder a alimentos está muito longe da realidade destas crianças”, conta Adriana Araújo, a professora de inglês que está a acompanhar o projecto. “Elas não tinham noção de que em Portugal, 1/14 tem dificuldades em ter acesso a alimentos”, revela. Só em Matosinhos, nove mil pessoas vivem em condições de pobreza extrema. E é isso que os alunos querem mudar.

As ambições do 6.º A não cabem na sala. “Até 2030, queremos erradicar a fome cá em Matosinhos”, diz Pedro. Mas como? Inês, do 6.º B, explica o processo: “Queríamos produzir a comida para dar. Pensámos que poderíamos fazê-lo dentro das nossas salas, depois dentro de todas as salas do colégio e, depois, em várias escolas do país”. Maria acrescenta: “Se toda a gente que mudar de escola der essa ideia às escolas para onde vão, pode ser muito bom. Espalham a ideia.” Luísa, da mesma turma, não tem dúvidas de que é possível mudar o mundo com pequenos passos: “Se conseguíssemos ter todas as escolas de Matosinhos e do país a produzir, íamos conseguir fazer a diferença.”

Esta quarta-feira foi o último dia de aulas dos alunos, mas o trabalho ainda vai continuar no Verão, explica Inês: “Nós estamos a organizarmo-nos agora, porque durante o Verão temos de vir cá para ir recolhendo os alimentos e doando”.

E o projecto não vai ficar por aqui. Para o ano, as turmas querem dar mais um passo em frente. “A escola vai expandir-se. Já falamos com o director e já temos garantido um espaço reservado para plantarmos árvores de fruto”, conta Luísa.

Todas as plantações estão ao cuidado dos alunos de 12 anos que, dentro das salas de aulas, já tiveram de lidar com uma “praga de bichinhos”, conta Luísa: “Nós não usamos nada com químicos e assim, é tudo reciclado e biológico. Há pouco tempo, tivemos uma praga e fizemos uma receita caseira de óleo, vinagre e sabão. E resultou!”

A vontade dos (ainda) mais pequenos

Após o sucesso da iniciativa dos estudantes do 6.º ano, o colégio desafiou todos os outros a explorar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e lançou um concurso em que cada turma do 1.º e 2.º ciclo teria de fazer o máximo de pequenas acções para atingir cada uma das 17 metas. “A turma que fizesse mais acções para mudar o mundo, ganhava. Mas uma turma do 4.º ano decidiu fazer uma coisa maior e mais organizada”, conta Ana Barbosa. O 4.º B organizou-se por turnos e fez uma venda de lanches para doar o dinheiro angariado à Cruz Vermelha. Mas, também eles, quiseram ir mais além, explica a psicóloga: “Tradicionalmente, com a maior parte das crianças, quando acaba o concurso, as coisas morrem por aí. Esta turma ganhou. Mas não quiseram parar. Encontravam-nos nos corredores e perguntavam o que podiam fazer mais.”

Num cantinho da sala do 4.º B acumularam-se, durante semanas, caixas de brinquedos e livros usados, mas em bom estado. Todos eles angariados pelas crianças. Com alguma timidez, Hugo admite que “alguns brinquedos foram difíceis de doar”. “Mas valeu a pena”, diz, sorrindo. E o mérito é todo das crianças, segundo Ana Barbosa: “São elas que se organizam, sozinhas. A professora dá-lhes orientação sempre que têm dúvidas, mas a iniciativa é toda delas”.

Na semana passada, a turma deu mais um passo em frente, conta Martim: “Depois de angariarmos o dinheiro, a Ana foi falar com a Cruz Vermelha e eles disseram que precisavam de leite de validade a partir de Julho. Então, nós tivemos a ideia de desenhar papéis a pedir que toda a gente trouxesse leite, para ajudarmos as famílias que mais precisam”.

Esta quarta-feira foi um dia especial para as crianças. Para além dos alimentos biológicos frescos, os alunos do Colégio Efanor doaram diversos brinquedos, livros e mais de 120 litros de leite à Cruz Vermelha de Matosinhos.

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