Envelhecimento e rendas altas roubam jovens adultos a Lisboa

A capital foi o concelho onde o número de jovens adultos mais diminuiu. Dificuldades em encontrar casa contribuíram para a quebra. Mas o envelhecimento da população é a raiz do problema.

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Enric Vives-Rubio

Sair de Lisboa era a única forma que João Vargas tinha de morar sozinho. Aos 25 anos, era impossível suportar uma renda na capital sem partilhar casa – algo que fazia desde que, aos 18, começou a residir em Lisboa. Então, iniciou a sua busca. Procurou primeiro em Loures, Oeiras e Odivelas, mas “as casas não eram tão boas e continuavam a ser caras”. Então, decidiu-se por Almada, na margem sul do Tejo.

Hoje, passado ano e meio, vive sozinho num T2 novo, em Almada, por 550 euros por mês e trabalha em Lisboa, onde é gestor de operações numa empresa multinacional.

Voltar a habitar na capital não estará para breve nos planos de João que, ao avaliar os prós e contras, diz que Almada ganha a Lisboa. A qualidade de vida na cidade do lado de lá do Tejo “é bastante boa e em termos de serviços tem tudo o que Lisboa tem, mas com menos confusão”. Depois, se por um lado Lisboa é melhor para sair à noite, em Almada está mais perto da praia. “Nunca pensei gostar da Margem Sul. Aliás, eu era daqueles que gozava com a malta de lá. E agora gosto mesmo de morar em Almada”, conta.

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Contudo, por vezes a curiosidade surge e procura casas em Lisboa, semelhantes àquela onde agora vive. Estaria disposto a pagar 650 euros – valor extra que representa as despesas que tem com combustível – e “simplesmente não existe”.

É difícil saber quais os valores das rendas reais que são praticados actualmente, uma vez que os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) são de 2011 e as estimativas mais actualizadas, mas ainda assim incompletas, são apresentadas por consultoras imobiliárias.

No início desta década, em plena crise, as rendas no concelho de Lisboa rondavam os 268 euros, segundo o INE. Em 2016, a consultora imobiliária CBRE dizia que a média eram 830 euros e apontava para o Parque das Nações (1080 euros) e para as Avenidas Novas (998 euros) como as zonas mais caras da cidade.

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Apesar do efeito das rendas elevadas na saída dos jovens adultos de Lisboa, os investigadores que estudam a demografia da cidade ressalvam que o envelhecimento e a quebra da natalidade entre as décadas de 1980 e 1990 foram os grandes responsáveis pela diminuição do número de habitantes entre os 20 e os 34 anos. 

Mas não faltam exemplos de jovens sobrecarregados com as rendas. Tiago Silva estudou e viveu em Lisboa, onde trabalhou depois de se licenciar e ainda morou na Dinamarca durante um ano. Quando regressou, voltar a viver na cidade estava fora de questão, por isso, foi morar com os pais, no concelho de Mafra.

Aos 27 anos, vive com a namorada num T1 em Mafra (a 40 quilómetros da capital) pelo qual pagam 250 euros de renda. “De vez em quando, procuro casas [em Lisboa], mas é difícil”, desabafa. Além de as rendas serem mais elevadas, agora trabalha a tempo inteiro em Mafra, num restaurante de uma cadeia de fast-food, o que torna a mudança ainda mais improvável. Ainda assim, a tomar a decisão de sair deste concelho, diz que optaria por zonas “mais baratas, como Sintra ou Mem Martins”.

João e Tiago não são os únicos. Nos fóruns online, há longas conversas sobre a experiência de quem saiu da capital para zonas mais periféricas e pedidos de conselhos de quem quer fazer o mesmo. Um utilizador diz no Reddit que está a ponderar ir viver para Fernão Ferro, no Seixal (a 20 quilómetros de Lisboa), com a namorada, porque não tem orçamento para arrendar casa em Lisboa. Outro diz que se mudou para a Margem Sul e que esta foi “a melhor decisão” que tomou. Também há quem defenda a permanência na cidade, mas muitos são apologistas de assentar arraiais fora.

Menos 29% de jovens adultos

As estimativas provisórias da população, avançadas pelo INE, indicam que o número de jovens entre os 20 e os 34 anos que habitam em Lisboa passou de 95.830, em 2011, para 67.916, em 2016, o que corresponde a uma redução de 29% durante este período. De todos os municípios do país, foi na capital que o número de residentes nesta faixa etária mais diminuiu. O fenómeno de redução do número de jovens adultos repete-se em toda a Área Metropolitana de Lisboa, mas é na capital que é mais intenso.

O INE explica que estes números “são calculados com base nos valores observados de nados-vivos e de óbitos e valores estimados dos fluxos migratórios”. Estas estimativas intercensitárias são provisórias e revistas após a realização dos censos à população, detalha o instituto.

Em algumas capitais europeias a tendência é semelhante. Dados do Eurostat e dos institutos de estatística nacionais, indicam que Riga, Madrid, Paris, Dublin e Londres também perderam jovens adultos nos últimos anos. Já em Oslo, Copenhaga, Roma, Helsínquia, Estocolmo e Berlim, o número de pessoas entre os 20 e os 34 anos aumentou.

Mas é preciso alguma cautela ao olhar para os números referentes a Portugal, ressalvam dois investigadores do Centro de Estudos Geográficos, da Universidade de Lisboa. Há o risco de estas estimativas reflectirem tendências que não coincidem com a realidade actual do concelho. Contudo, ambos reconhecem que há um decréscimo da população que vive em Lisboa e se insere nesta faixa etária. O envelhecimento da população e a diminuição da natalidade serão as principais causas.

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De facto, em 1991, Lisboa tinha 138 idosos para cada 100 jovens (dos os 0 aos 14 anos). Em 2016, o indíce de envelhecimento subiu para 182. É o concelho mais envelhecido da sua área metropolitana.

Eduarda Marques da Costa, do Centro de Estudos Geográficos, explica que à medida que a população envelhece e o número de residentes diminui naturalmente, a estrutura demográfica da cidade altera-se e “o peso dos jovens vai diminuindo progressivamente”. Apesar disso, “na última década, já foram dados sinais de retoma da atracção de jovens activos com qualificações e salários médios altos para residirem em Lisboa”. Em freguesias como Benfica, Carnide ou Lumiar até “houve gente jovem que comprou casa em segunda ou terceira mão e ficou pela cidade”. Contudo, “este último fenómeno não compensa a tendência pesada de envelhecimento e perda natural”.

Jorge Malheiros, do Centro de Estudos Geográficos, é céptico quanto aos valores para que apontam as estimativas. Apesar de tudo, reconhece que “ainda há uma pequena percentagem de saídas [de jovens] que não podem viver na cidade porque não conseguem pagar”.

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