Passeio mostra os “buracos negros” de Faro, uma cidade pouco amiga dos deficientes

Quem anda pelas ruas, em cadeira de rodas ou é invisual, corre sérios perigos. O grupo cívico “Faro à conversa” organizou uma visita às barreiras.

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ADRIANO MIRANDA

As obstruções à mobilidade estão no topo da lista dos problemas que a cidade de Faro enfrenta. Quem anda distraído pode não se dar conta das falhas e bloqueios, mas bastou um passeio dominical para revelar as dificuldades de quem se desloca em cadeira de rodas, empurra um carrinho de bebé, é invisual ou idoso. “Ainda tenho o sobrolho inchado da última pancada que dei”, queixa-se Ana Tilia Jara, uma cega que não desiste de andar na rua, apesar dos perigos que enfrenta.

A ideia de fazer uma radiografia do estado das ruas e passeios da capital da região partiu do “Faro à conversa” — um grupo de intervenção cívica composto por pessoas de diferentes áreas profissionais. Assim, no Domingo à tarde, cerca de meia centena de elementos partiram à descoberta de uma cidade pouco amiga de quem tem dificuldades de mobilidade. O que encontraram ficou registado em imagens, a enviar à câmara municipal com sugestões para que sejam corrigidos os erros. Nas situações mais flagrantes deixaram autocolantes, a assinalar os “pontos negros” do estado em que se encontra o espaço público desta cidade.

Ao final da tarde, depois de um passeio com sete percursos distintos, revelaram-se as experiências individuais e mostraram as fotos denunciando as barreiras que se encontram em quase todas as ruas — sem que esquecer os casos abusivos de ocupação dos passeios com carros. “Fiquei surpreendida, encontrei situações que não conhecia”, afirmou Ana Jara, acrescentando que anda muito pelas ruas, mesmo correndo riscos. “Por vezes sinto-me perdida, choro, quase desespero, mas não desisto”, afirmou. Depois de sofrer as consequências de um espaço público que ignora as dificuldades das pessoas portadoras de algum tipo de deficiência, decidiu ir falar com o presidente da Câmara, Rogério Bacalhau, PSD. O encontro, disse, saldou-se por algumas melhorias nas acessibilidades: “Foram retirados blocos de cimento que se encontravam [e ainda existem] nos passeios para evitar o parqueamento e construídas rampas, mas ainda falta muita coisa”.

O grupo “Faro à conversa” surgiu há cerca de um ano. O propósito, revela Manuel Dias, um dos membros, seria debater e discutir uma “geringonça” tendo em vista as eleições autárquicas. Os representantes dos partidos apareceram, deram opiniões, mas depois os “aparelhos partidários ditaram as suas regras”. Porém, os activistas não desistiram. Todas as semanas à segunda-feira reúnem para discutirem propostas para melhorar a gestão autárquica. Em tempo de pré-campanha eleitoral, as sugestões são aparentemente bem acolhidas. Na prática, diz Filipe Nascimento, que se desloca em cadeira de rodas, “só fingem que dão ouvidos”. Exemplificando: quando foi inaugurado o novo edifício do mercado municipal, há cerca de dez anos, foi pedido “para que fosse criado um acesso directo do parque de estacionamento, na cave, aos pisos superiores”. O presidente da Câmara, na altura José Apolinário, socialista, “prometeu mandar corrigir”. Porém, os anos passaram e os problemas continuam. Cá fora, nas ruas adjacentes, foram criados estacionamentos para deficientes mas faltam as rampas de acesso.

Claudio Marimgelli — estudante italiano a fazer um doutoramento em literatura na Universidade do Algarve — quis experimentar as dificuldades que sentiria se tivesse de andar em cadeira de rodas na cidade onde vive há dois anos. Conseguiu ultrapassar algumas barreiras, mas na rua Aboim Ascensão, ao procurar galgar um passeio, caiu de costas mas não se aleijou. Como foi a experiência? “Muito mais difícil do que esperava, esta cidade é terrível”, comentou.

Raquel Ponte, transportando a filha num carrinho, conseguiu vencer alguns obstáculos porque estava prevenida. “Uma amiga avisou-me: compra um carrinho todo-o-terreno para andares nas ruas de Faro”. Assim, conseguiu galgar lancis mas, a certa altura, viu-se confrontada com lugares em que o passeio se afunilava, não permitindo a passagem. “Tem de se circular na estrada”, aconselhou Filipe Nascimento, que há 18 anos faz ziguezagues nas artérias da cidade. André Botelheiro foi outro dos que se aventurou a sentar-se na cadeira de rodas sentindo, na coluna, o estremecer do irregular empedrado das pedras da calçada dos passeios. “Dramático”, desabafou. Quanto aos locai estreitos onde não pôde passar, disse: “Perdi a conta”. O mesmo sucedeu à falta de rampas.     

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