A Viagem Medieval é uma “escola” onde se aprende “o valor da memória”

Recriação histórica de Santa Maria da Feira continua a arrastar multidões. O bispo do Porto passou por lá.

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A porta maior do castelo também está aberta, os soldados dão as boas-vindas, entra-se, sobe-se e é o passado que vemos Paulo Pimenta

A Viagem Medieval em Terra de Santa Maria continua a receber milhares de visitantes todos os dias. As estradas entopem, os acessos complicam-se, e o centro de Santa Maria da Feira torna-se pequeno para tanta gente que quer perceber como era o reinado de D. Afonso III, Rei de Portugal e do Algarve, num recinto que se transfigura dos pés à cabeça. No meio de tamanha agitação, há, no entanto, locais sossegados que permitem recuar tranquilamente ao passado a poucos metros de cavaleiros, príncipes e princesas, homens do clero, nobreza, do povo.

A Quinta do Castelo e suas grutas artificiais voltam a relembrar os banhos públicos pela mão e bom gosto das Termas São Jorge, de Caldas de S. Jorge. Ali, com um lago aos pés, relaxa-se corpo e espírito ao som da harpa. Há banhos pulverizados nas pernas, chás de menta e frutos vermelhos, frios ou quentes, massagens às pernas, às costas, ao rosto, massagens para enamorados. Cenário idílico que retrata práticas ancestrais do termalismo. O corpo relaxa, o espírito acalma. O bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, visita pela primeira vez a Viagem Medieval. Entra nos banhos públicos, bebe chá, conversa com algumas pessoas. Tirou a tarde para conhecer no terreno essa viagem ao passado de que tanto ouviu falar e para mostrar que a Igreja não quer viver afastada das multidões. 

“Tudo quanto valoriza as nossas terras e tudo quanto põe em destaque os valores da comunidade devem tocar o coração do bispo”, refere ao PÚBLICO. O bispo ainda irá ao castelo, assistirá aos espectáculos da noite, andará pelo recinto que ao final da tarde começa a encher-se de visitantes. A recriação histórica, com 19 anos, merece-lhe elogios. “É um regresso ao passado que abre caminhos de futuro”. Como assim? “Envolve o gosto e a alegria da população local de ver a sua sede de concelho com centralidade e atractividade maiores e dá às colectividades motivos para se organizarem ao longo do ano”, diz. A D. António Francisco dos Santos também não passam despercebidos uma natureza que se presta a esse regresso ao passado, um bonito castelo, a criatividade que promove a cultura. O resumo da Viagem Medieval é feito numa frase. “É uma escola onde aprendemos o valor da memória do nosso passado”, refere. E a sua presença não deve surpreender. “O que à comunidade diz respeito também diz respeito ao bispo”.

Alguns metros acima, na capela do castelo, com três altares e tecto bem alto, é possível escutar a música oficial daqueles tempos medievais de olhos fechados. Às quatro da tarde, dois homens e duas mulheres cantam e tocam cantigas do século XIII. A uma, a duas, a três, a quatro vozes, respira-se paz naquela pequena capela. O idioma pouco importa, explicam que é um português-galaico, as sensações é que são importantes. A porta maior do castelo também está aberta, os soldados dão as boas-vindas, entra-se, sobe-se e é o passado que vemos. Cavaleiros que lutam, homens e mulheres que fazem roupas, sapatos, armas à mão. Lá dentro contam-se histórias reais das armas dos homens de outros tempos. Mostram-se chicotes de armas, o machado com lâmina de um lado e picareta do outro, o arco, a besta.

“Sempre a inovar”
A Viagem Medieval aproxima-se do fim. Termina domingo com mais um cortejo que parte do tribunal em direcção ao Castelo, pelas 16h30, para recordar os últimos dias de D. Afonso III que confia a governação ao seu filho D. Dinis. Lídia Gomez veio de Barcelona, ao abrigo de um intercâmbio, vestiu-se de princesa para passear pelas ruas do centro histórico da Feira e está encantada. “É uma perfeita recriação do passado que contém todos os ingredientes para contar a História”, refere, comentando com um sorriso que os torneios medievais a que assistiu a transportaram para a tão actual série televisiva norte-americana Game of Thrones.

Eduardo Silva veio de Gondomar pela sexta ou sétima vez, não sabe muito bem, à Viagem Medieval. É a primeira vez que vem a um dia da semana e acha que está bastante gente. Entrou nos banhos públicos e aproveita para relaxar antes de se fazer ao caminho. E o som da harpa continua como banda sonora. É jovem e gosta desse regresso ao passado. “Os temas vão mudando, tentam sempre inovar e têm conseguido”. Alex Costa de Rio Tinto está pela primeira vez na Viagem Medieval da Feira. Apreciou a batalha entre D. Afonso III e D. Sancho e o ambiente que envolve os visitantes. As barraquinhas de artesanato, as tabernas, as áreas temáticas que ajudam a compor o cenário do século XIII. “É tudo muito bom, a forma como fazem as coisas, fazem-nas com alegria, sabem contar a História e puxam pelo público”.

No ar, há melodias medievais e nos claustros do Convento dos Lóios há sons que anunciam ofícios divinos, rituais religiosos que diariamente se escutavam por aquele espaço e que ajudavam à meditação espiritual e à conciliação do divino. No recinto medieval feirense há também uma tenda à sombra de várias árvores com chás e bolos marroquinos, bem perto dos jogos medievais. E na Igreja Matriz há visitas guiadas a partir das cinco da tarde em quatro línguas, com personagens criadas para o momento. Por ali aparecem D. Gonçalo Pereira, Luísa de Gusmão, o bispo D. Rodrigo da Madre de Deus. Um percurso para mostrar mais histórias feirenses no âmbito do projecto Rotas do Património Religioso e que incluiu a coreografia de duas quintilhas dedicadas aos Pereiras de João Rodrigues de Sá, um dos poetas incluídos no Cancioneiro Geral por Garcia de Resende.

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