O Parque de Campismo de Esmoriz é uma cidade dentro de outra

Cerca de três mil pessoas têm uma “segunda casa” no parque de campismo gerido pelo Clube de Campismo do Porto, que celebrou esta semana 70 anos de história.

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“Se vieres a minha casa com Deus no coração, entra, senta-te à mesa e come do meu pão”, é a frase escrita no azulejo pendurado na entrada do avançado da caravana de Manuel Resende, que ocupa um dos 650 alvéolos do Parque de Campismo de Esmoriz, aberto há quase 50 anos, obra da materialização de um sonho do Clube de Campismo do Porto (CCP) que na última semana celebrou 70 anos.

É um convite a quem “vem por bem” e uma mensagem que resume aquilo que é ser campista, diz o proprietário da caravana, a sua “segunda casa”, com porta aberta para entrarmos. Soma setenta anos de vida, 25 passados com regularidade no parque. Em tronco nu, queimado do sol, com o cabelo comprido apanhado, estende-nos o braço para nos cumprimentar com o punho. Tem as mãos sujas. Esteve a trabalhar até perto das 11h, para ajudar uma “vizinha” que na noite anterior rasgou o pano do avançado. Resolvido o problema, quer mostrar-nos com orgulho o “cantinho” que foi e continua a ser melhorado pelo próprio para garantir o melhor conforto possível.

É este o espírito que se vive em Esmoriz, confirma o vice-presidente do CCP, Armando Pinto, que também lá acampa há 35 anos. Nada de muito diferente do que acontece noutros parques onde o sentido de comunidade dos campistas continua a ser um dos “motivos principais” para se optar por este “estilo de vida”. “É uma cidade dentro de outra cidade”. Dos cerca de dez mil sócios do clube, cerca de três mil acampam nesta cidade do concelho de Ovar. “Em alturas de maior afluência chegamos a ter sete mil”, afirma.

 Aproximadamente 95% dos lugares estão preenchidos, maioritariamente por caravanas. Há um espaço de menor dimensão reservado para tendas, “cada vez menos habituais”, 16 bungalows e os sucessores destes e “o futuro” dos parques de campismo, oito mobile-homes, que se diferenciam dos anteriores, construídos em madeira, por serem “mais cómodos” e feitos em metal.

Quando o parque abriu, estas eram comodidades que não existiam. Antes acampava-se em tendas, recorda Manuel Resende, que antes de se instalar em Esmoriz fazia campismo selvagem. “Costumava ir para o Gerês de mochila às costas e para Vilar de Mouros para ver o rock”. Ainda que recorde com alguma nostalgia esses tempos, hoje não trocava “o conforto” de um parque de campismo: “A partir de uma certa idade há certas coisas das quais não podemos prescindir”. “Coisas” como poder dormir numa cama, cozinhar num fogão e outras “distracções”.

Dentro do avançado de Manuel, revestido por uma lona que atenua o calor, há um plasma pendurado numa das “paredes” e um portátil pousado na mesa. Mais ao lado, numa secção reservada para a cozinha há um fogão e uma banca para lavar a louça. “Dantes nem sequer havia electricidade”, diz. Hoje, ainda que raramente “perca tempo” a ver televisão ou no computador não prescinde de os ter. Cozinhar prefere fazê-lo na parte de fora para não se “acumular cheiros” dentro da caravana.

Para isso não falta nada. Numa espécie de alpendre com piso em pedra usada para pavimento de rua e com um tapete verde a simular relva está o fogareiro usado para os grelhados. Há lá um armário com um compartimento para guardar o carvão e outro para as pinhas que apanha no pinhal que fica encostado ao parque. “Dantes apanhava as pinhas dentro do parque, mas por questões de segurança os pinheiros que existiam foram todos abatidos”, conta. É intenção da direcção do clube que gere o parque reflorestar “aos poucos” toda a área. Nalgumas zonas já foram plantadas algumas árvores que ainda estão em fase de crescimento.    

Manuel Resende faz campismo durante todo o ano. “Um campista não o é só de Verão”. Faça chuva ou faça sol deixa Custóias, em Matosinhos, todos os fins-de-semana que pode para seguir para Esmoriz. Agora reformado tem mais tempo livre. No Verão fica lá mais dias seguidos. Vai com a esposa e tem a companhia do filho e dos netos que também têm lá caravana. Apesar do bronzeado não é homem de ir à praia. “De tarde prefiro dormir uma sesta”, diz, embora assegure que só o faz por força do hábito de 25 anos a trabalhar no turno da noite. O resto do tempo passa-o com os amigos que foi conhecendo no parque, onde se estabelecem relações que “ficam para a vida”.

Quatro gerações de campistas

Foi no parque de Esmoriz que Fernando Leite, com 53 anos, e Lúcia Santos, com a mesma idade, se conheceram quando ainda eram adolescentes. Hoje são casados. Foi em Esmoriz, a cerca de 30 quilómetros do Porto, de onde são, que começaram a namorar “mais ou menos às escondidas”. Fernando, acampou lá pela primeira vez há 46 anos com os tios, pouco tempo depois de o parque abrir. Só mais tarde é que os pais trocaram as férias habituais nas termas pelos campismo. Lúcia, conheceu o parque com os pais. Tinha dez anos. O gosto pelo campismo passou de geração em geração. Os filhos também cresceram a passar os fins-de-semana e as férias de Verão no parque e agora são os netos que o fazem.

Como quase todos os outros campistas que lá estão, trocaram a tenda por uma caravana. Decoraram-na de acordo com a estética que mais lhes apraz e apetrecharam-na com o que consideram essencial para aguentarem o ano inteiro. “Só no Natal é que nunca viemos cá, mas por três vezes já cá passamos o ano com outros amigos do parque”, conta Fernando.

Na lateral da caravana há uma pequena horta que Lúcia mostra com vaidade. Plantou lá alface, tomate, morangos e maracujás. “Há sempre alguma coisa para fazer. Se não há inventa-se”, diz. Em frente ao avançado, debaixo de um toldo montado estrategicamente para não deixar passar o sol, há uma mesa. Está lá o genro do casal, André Duarte, 30 anos, que também conheceu a esposa, filha de Lúcia e Fernando, no parque. Com o som da TV em fundo, está frente ao computador, a trabalhar. “Se não tivesse que acabar um trabalho não estaria aqui”, garante. Acampa lá desde que nasceu. “O meu sogro andou comigo ao colo”, explica-nos, acrescentando que era amigo do pai.

Na infância e na adolescência só parava na tenda para almoçar, jantar e dormir. O dia passava-o a jogar à bola num dos campos que lá existem. Se naquela altura havia equipas em número suficiente para fazer um campeonato, actualmente “não há miúdos que chegue para fazer duas equipas”. Diz que preferem ficar na caravana a jogar videojogos. Enquanto recorda esses tempos, Lúcia aproxima-se com o neto ao colo. A quarta geração quer dizer-nos que gosta muito de campismo. Diz-nos a avó porque o neto entretanto ficou tímido.  

Dos caminhos de alcatrão que existem por todo o parque vêem-se centenas de caravanas. Há jardins decorados com gnomos e conchas do mar e antenas parabólicas enterradas no chão. Perto da hora de almoço há grupos que passam em direcção à porta para seguirem para a praia que fica a poucos metros de distância. Quase todos se conhecem e não há quem não cumprimente quem passe.

Perto de um dos lava-louças está Carmen Luísa, de Ermesinde. Acabou de lavar a louça do jantar da noite anterior e prepara as sardinhas que vai fritar para o almoço. “Aqui não há horários para nada. O tempo passa devagar. Temos que aproveitar essa vantagem”, diz-nos, sabendo que no mesmo dia volta para casa. Não está muito chateada com isso porque poucos dias depois regressa para passar o fim-de-semana.

A nostalgia do passado

Por todo o parque sente-se o cheiro a grelhados. À volta de um fogareiro estão Maria José e António José. É o marido que toma conta do entrecosto que já começa a ganhar uma cor dourada. “Em casa nem se aproxima do fogão, aqui é quem trata do fogareiro”, ironiza a esposa. Chegaram há 40 anos pela primeira vez a Esmoriz, onde ainda têm o atrelado-tenda montado durante todo o ano. Quando para lá foram eram poucas as casas que existiam em torno do parque. Não existiam também grande parte das comodidades que existem hoje.

Os alvéolos eram em areia e estavam suportados por tábuas aplicadas pelos campistas para não cederem. Se agora o piso é de pedra, na altura lembra-se de comprar dois escudos e 50 centavos de caruma todos os anos para espalhar na entrada da tenda. Não consegue esconder a saudade que tem dos primeiros anos que ali passou: “Hoje isto não é campismo, é parquismo”, diz.

Mais saudade sente do pão a lenha que o marido ia comprar a Cortegaça à meia-noite, enquanto preparava a cevada para ficar até às tantas a conversar com os amigos. E apesar de achar que já se sentiu mais o espírito de comunidade, não troca os dias que ali passa por nada: “Enquanto puder vou continuar a fazer campismo”.

O preço não é o motivo principal para se fazer campismo

De acordo com o vice-presidente do CCP em Portugal há cerca de 200 mil campistas. Número que nos últimos anos diz parecer estar a aumentar. Há cerca de uma década terá havido uma quebra “resultado da crise”. Ao contrário da “ideia feita” que existe, o campismo não se faz só porque é mais barato. “Antes de tudo é fundamental gostar muito de o fazer”, diz. Até porque entende que, feitas as contas, para um campista regular, com caravana fixa num parque, o valor que se gasta não é assim tão diferente do que é gasto por alguém que prefere ir para um destino de férias uma vez por ano.

Em Esmoriz o valor mensal para ocupar um espaço de um alvéolo é de 80 euros na época alta e 40 na época baixa. A este valor acresce o da estadia por pessoa e da electricidade. Por ano, em Esmoriz, Armando Pinto paga cerca de 1200 euros. “É o valor que muita gente gasta para ir de férias no Verão para outro destino”, afirma, sublinhando que actualmente os hotéis já concorrem com os parques de campismo, com as promoções “acessíveis” que têm. Da mesma forma, as viagens de avião estão também mais baratas.

Actualmente, além de Esmoriz, o clube gere o Parque do Penedo da Rainha, em Amarante. Na década de 1990 geria também o de Mondim de Basto. O CCP faz parte da lista dos cinco clubes de campismo com mais sócios, encabeçada pelo Clube de Campismo de Lisboa, com cerca de 70 mil. Fundado a 14 de Agosto de 1947 na Rua do Paraíso, o CCP nasce das cinzas da Associação de Campismo do Porto. Actualmente a sede é na Rua D. Manuel II.

Acampar num dos parques gerido pelo CCP só é possível tornando-se sócio do clube. O valor mensal da quota é de um euro. Um dos próximos objectivos é construir uma piscina em Esmoriz, que poderá ser também usada por toda a população. Não foi feita antes por não se ter garantido o valor necessário para executar a obra. O valor “simbólico” das quotas não permite ao clube ter um orçamento folgado.

Alterar o valor não é uma opção para não pôr em causa a continuidade de alguns campistas para quem o aumento possa representar um problema. Para que isso não aconteça está a ser negociada uma solução com a câmara de Ovar. Armando Pinto considera que gerir um parque não está muito longe daquilo que é gerir uma autarquia: “O número de pessoas que existe no parque de Esmoriz não é muito diferente do de algumas cidades”.

Parque da Prelada vai ter área para autocaravanas

A cidade do Porto ficou sem espaço para campismo, com o encerramento do Parque da Prelada, mas o provedor da Santa casa da Misericórdia do Porto, António Tavares, explicou ao PÚBLICO que o projecto previsto para a quinta contempla, entre outras valências, uma área para autocaravanas.

O sítio onde em 1961 foi fundado o único parque de campismo dentro da cidade do Porto com a orientação do CCP, encerrado há dez anos, não vai reabrir nos mesmos moldes. O espaço, propriedade da Santa Casa, será devolvido à cidade numa versão mais orientada para “a cultura e para o lazer”. O projecto desenhado por Pedro Guimarães prevê a ligação do parque à parte da quinta onde está a Casa da Prelada, do outro lado da VCI. Será, nota, uma “alternativa” ao Parque da Cidade e o “pulmão” daquela zona da cidade. No mesmo local está prevista a construção de um centro hípico.

Face à lacuna deixada após o encerramento do parque haverá uma zona para autocaravanas, para dar resposta às necessidades dos visitantes que chegam à cidade deslocando-se em veículos do género. A presidente do CCP, Laura Castro, considera que a existência de um parque  aberto a outras formas de campismo seria o mais indicado, tendo em conta a procura que existe de campistas que estão de “passagem” pela cidade. 

No ano passado foi adiantado pelo Provedor que a obra estaria concluída este ano. Agora prefere não arriscar numa data. A obra, que custará cerca de 3 milhões de euros, depende de fundos europeus e, nesse sentido, António Tavares adianta que só depois das eleições autárquicas poderá dar conta de mais pormenores sobre o projecto.

       

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