O centro histórico e o turismo

O turismo trouxe milhares de postos de trabalho directos e indirectos. Quer isto dizer que está tudo bem e que o turismo não representa ameaças? Quer isto dizer que a Câmara do Porto não está preocupada e que não está a fazer nada? Não.

Os turistas que em 2015 entraram em Portugal deixaram no país mais de 11 mil milhões de euros, fazendo com que o sector se tenha tornado no segundo em exportações de serviços. E o Porto passou a ser o segundo destino dos turistas que entram no país, depois de Lisboa.

Esta subida do Porto, que tem ocorrido à razão de dois dígitos por ano nos últimos cinco, é sustentada nos movimentos aeroportuários, com mais de 8 milhões de passageiros processados no Aeroporto no último ano e mais de três milhões de dormidas.

Estes números são ainda acompanhados pelo crescimento do valor médio gasto por turista e pelo aumento do número de camas na cidade, que regista a maior taxa de ocupação do país.

Se os turistas deixam em Portugal um valor acima dos 11 mil milhões de euros e se o Porto conquista uma boa fatia desse enorme valor, então o Porto tem no turismo uma fileira económica sem precedentes que seria absurdo não aproveitar.

Vale a pena explicar que a Associação de Turismo do Porto (ATP), entidade responsável pela promoção externa do destino, tem um orçamento abaixo dos cinco milhões de euros. Ou seja, o turismo representa, em externalidades, mais-valias difíceis de igualar, face ao investimento que é realizado.

Acresce que o turismo tem sido, também, um impulsionador da reabilitação urbana no Porto. Quanto mais não fosse, esse, só por si, já teria valido a pena. Quem não se lembra do centro do Porto há uma década, com edifícios fechados e em ruínas? Essa é uma verdade que tendemos a esquecer, atribuindo ao turismo a culpa pela “expulsão” dos habitantes do centro histórico. Na verdade, a população do Porto diminui pelo menos desde o início dos anos 80 e a do centro histórico há mais tempo. E quando chegou o turismo, há meia-dúzia de anos, já quase ninguém habitava a baixa.

Segundo os Censos, a população do Porto começou a estabilizar nos anos 60 e sofreu o seu declínio acentuado a partir de 1981, para, em 2011, se situar em níveis semelhantes aos de 1920. Ora, ninguém poderá culpar o turismo por um fenómeno que se iniciou três décadas antes de chegarem os turistas. Se atendermos às freguesias do centro histórico, veremos que a década anterior à explosão turística (2001 a 2011) registou uma perda de habitantes superior a 35%, o que corresponde a uma enorme catástrofe.

Entre Censos é difícil avaliar até que ponto o turismo está a contribuir para afastar habitantes do centro histórico ou se, pelo contrário, está a potenciar o seu regresso. Sabemos, contudo, que a aceleração da reabilitação urbana por via do turismo, faz crescer a apetência residencial e vemos hoje projectos em zonas onde há décadas não existia. E porque se tornaram atraentes e mais seguras com a proliferação do comércio, da restauração e de outros serviços.

O turismo trouxe milhares de postos de trabalho directos e indirectos. As empresas tecnológicas viram na baixa da cidade uma vibrante oportunidade para se instalarem e isso potencia a residência de novas famílias.

Quer isto dizer que está tudo bem e que o turismo não representa ameaças? Quer isto dizer que a Câmara do Porto não está preocupada e que não está a fazer nada? Não.

Pela primeira vez, a CMP está exercer direito de preferência sobre a transacção de prédios no centro histórico. Com isto, pretende evitar que a maioria dos edifícios transaccionados se destinem a projectos turísticos, reservando, sempre que os valores sejam aceitáveis, edifícios para reabilitar e colocar no mercado do arrendamento social.

Além desses, estão a ser reabilitados outros 130 fogos para entregar a famílias carenciadas que viveram no centro histórico e foram realojadas em habitação social na periferia. E as primeiras famílias regressam ainda este ano.

Brevemente teremos um primeiro regulamento que permitirá classificar as lojas históricas e evitar que sejam expulsas aproveitando uma alteração legislativa proposta pela Câmara do Porto e cuja aplicação tem sido articulada com Lisboa. Também a anarquia que se vive no sector do transporte turístico tem os dias contados, graças a um regulamento que temos discutido publicamente e que irá diminuir a pressão sobre zonas críticas da baixa.

Também está a ser avaliada a questão da fiscalidade sobre o sector do turismo, nomeadamente a aplicação de uma taxa turística hoteleira e anunciei que, a ser aplicada, a sua receita será usada para favorecer a vida dos residentes.

O grande desafio com que se confronta o Município é o de garantir que o turismo, regulado e disciplinado, contribui para o desenvolvimento económico, social e cultural da cidade, sem afectar a sua sustentabilidade e sem a desfigurar.

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