Os restos em Fátima vão para as galinhas e os porcos. Leve-os para a casa, diga que é para o cão

Ambientalistas da Zero acreditam que os números do desperdício nos restaurantes se relacionam com uma questão cultural: os portugueses “percepcionam de forma negativa” quando não há sobras num prato ou numa dose servida num restaurante.

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Miguel Manso

Nas vésperas das cerimónias do centenário das aparições e da visita do Papa Francisco a Fátima, a restauração da cidade prepara-se para uma enchente. Um aumento do número de pratos para servir o que, habitualmente, é proporcional ao aumento dos restos e alimentos deitados fora. Em Fátima, as sobras são frequentes, mas são poucos os clientes que as levam para casa, concluiu um inquérito à restauração local feito pela associação ambientalista Zero.

Em 12 dos 13 restaurantes inquiridos, cerca de 10% das doses servidas costumam ficar no prato. Em quase metade dos estabelecimentos (seis), raramente é pedido para embalar o que sobra. Noutros seis acontece “com alguma frequência”. Apenas num, os clientes pedem recipientes “com muita frequência”.

No entanto, a associação aponta que o desperdício real “muito provavelmente” vai além destes números. Os ambientalistas da Zero acreditam que este problema  se relaciona com uma questão cultural: os portugueses não gostam (“percepcionam de forma negativa”, diz o estudo) que não haja sobras num prato ou numa dose servida num restaurante. Nos EUA, é muito comum esta prática. Chama-lhe o "doggy bag" (saco para o cão), mesmo que não haja ninguém com quatro patas lá por casa.

Todos os restaurantes revelaram que têm recipientes para a eventualidade dos clientes quererem levar as sobras consigo, e não cobram mais por isso. No entanto, não têm por hábito sugeri-lo. Apenas dois dos 13 inquiridos responderam que o fazia por iniciativa própria.

Que fim é então dado aos alimentos que ficam no prato? Na maioria dos restaurantes (sete) as sobras são dadas aos animais, principalmente galinhas e porcos. “Boas notícias”, diz a associação. Motivo para sorrir é também a disponibilidade demonstrada pelos proprietários dos restaurantes para colaborar na redução do desperdício alimentar: nove gerentes mostraram-se dispostos a participar num projecto de redução de sobras e apenas um diz não ter preocupação com o desperdício alimentar no seu restaurante.

No entanto, a Zero considera que os resultados mostram que os proprietários dos restaurantes “não estão ainda suficientemente sensibilizados” para o problema. A mensagem é clara, diz a associação, mas muito poucos “têm a 'ousadia' de propor aos clientes que levem as sobras” dos próprios pratos para reutilizar noutras refeições.

Fora do inquérito ficaram questões relacionadas com as sobras de alimentos cozinhados que não chegaram à mesa do cliente. Um desperdício comum que, destaca a associação, “pode ser alvo de soluções que façam chegar estes alimentos em bom estado a quem precisa”.

Tendo em conta que cerca de 800 milhões de pessoas passam fome, mas um terço dos alimentos produzidos a nível mundial nunca chega a ser consumido, o desperdício alimentar é um tema caro à escala nacional e planetária. Nos países da União Europeia, são desperdiçados 89 milhões de toneladas de alimentos todos os anos, 42% dos quais em casa e 14% na restauração. Na véspera do Dia da Terra, a assinalar este sábado, a Zero apela à disponibilidade e colaboração dos gerentes para que o desperdício alimentar deixe de ser um problema na restauração.

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