Nos negócios, como na vida, também há noites para brindar aos Fuckups

Desmistificar o fracasso, encorajar quem se vai aventurar no empreendedorismo e, acima de tudo, perceber que o importante dos erros é o que se aprende. O evento Fuckup Nights já correu 200 cidades e chegou ao Porto na quinta-feira à noite, sem vergonha.

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PAULO RICCA

Numa altura em que o “ecossistema empreendedor da cidade” se revigora com cada vez mais histórias de êxito para contar, o Clube de Empreendedorismo da Universidade do Porto (CedUP) decidiu levantar a cortina de fumo que é o sucesso. O que encontrou do outro lado, sem surpresa pintava uma cena mais negra. “Só uma em cada dez start-ups é bem-sucedida”, contabiliza Bernardo Pequito, presidente do CedUP.

Mas se as histórias com finais infelizes tropeçam umas nas outras, porquê que é tão difícil encontrar quem se levante, recomponha, e se chegue à frente para as contar? Por que nos negócios, como na vida, por vergonha ou por medo de mostrar vulnerabilidade, “é raro ouvir-se falar dos fracassos dos outros e houve dificuldade em encontrar as pessoas com o perfil certo” para o vir fazer, confessa Bernardo. “Há algumas reticências em mostrar parte fraca”, continua, e talvez por isso alguns dos empreendedores que inicialmente contactaram para serem oradores no evento não tenham aceitado o convite. Mas se na quinta-feira à noite, no 3º piso do Hard Rock, se ouviram muitas gargalhadas, o objectivo nunca foi rir de vergonha alheia.

Segundo o que o CedUP apurou das inscrições recebidas, o perfil das mais de cem pessoas que formavam a plateia, maioritariamente jovens ainda na universidade, cruza-se em muitos pontos. “Todos têm vontade de começar um projecto por diversas razões” e ao mesmo tempo todos têm receio de o fazer. E se é “desconfortável” pegar no microfone e discorrer sobre o que correu mal, quem está sentado a ouvir veio precisamente “em busca deste conforto”, diz o presidente do clube.

O networking é outro dos objectivos do Fuckup Nights que já esteve em 200 cidades do mundo, incluindo três noites em Lisboa. Começam por cumprimentar a pessoa do lado (o aperto de mão formal é dispensável) e, a pedido dos anfitriões, apresentam-se: quem são, de onde vêm, para onde querem ir. “Vim por que ando aqui com umas ideias…”, diz com um ar sonhador quem está ao nosso lado, de cerveja na mão.

O ambiente descontraído dá asas a uma conversa num tom mais confessional. As feridas dos quatro oradores já sararam e por isso, quando dão o passo à frente para admitirem mea culpa, o que antes foi uma tragédia, agora é só a comédia da vida com um conjunto de bons sermões para quem ainda quer aprender.

O facto de estarem um passo à frente da inovação foi uma das principais dificuldades apontadas pelos empreendedores. Isso e uma legislação ultrapassada, pessoas habituadas ao serviço convencional pouco abertas a soluções novas e um investimento a nível pessoal quase cego, continua o segundo orador, André Bianchi Figueiredo, da área da robótica.

“Entramos de cabeça, casamos com o negócio”, mas muitas vezes este amor acabou em zangas sérias e neste caso num divórcio feio quando André renunciou do cargo e a empresa acabou. Aponta como principal erro (ou o maior fuckup), quererem um crescimento muito rápido que não conseguiu ser suficientemente veloz para acompanhar um investimento inicial “elevadíssimo”.

O tempo é tudo. Miguel Neiva criou o ColorADD, um sistema de identificação de cores para daltónicos que hoje não é um fracasso, mas que passou por muitas “frustrações positivas”, como lhes chama. Em sete minutos e com dez imagens, como ditam as regras do jogo internacional, explicou como chegou à ideia e como percebeu que o tempo, que começou por ser o seu pior inimigo, se foi transformando num aliado inegável. “Os jovens estão sempre a pensar que tem de ser agora”, diz, mas quase sempre “uma boa ideia fora do tempo é pior que uma má ideia”, sentencia.

Já ia a conversa quase no fim quando entre o público se empertiga um braço que corta o terceiro orador como uma flecha: “mas ao fim de dez anos como empreendedor, ganhou dinheiro? Quero dizer, ganhou dinheiro a sério?”. Pousam-se os copos de cerveja, cala-se a sala. São precisos muitos fuckups para se fazer dinheiro, ainda mais para se fazer ao dinheiro a sério, tranquiliza. Afinal, feche este artigo quem nunca errou.

Texto editado por Ana Fernandes

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