Nas aldeias de Montemor ainda há paredes nuas mas o Rebuliço está a tratar disso

Festival que junta arte urbana e música passa por quatro aldeias de uma freguesia de Montemor-o-Velho entre esta sexta-feira e domingo.

Fotogaleria
Fotogaleria
Fotogaleria
Fotogaleria
Fotogaleria

Rosalina Iglésias tem uma mercearia em Reveles, uma aldeia no concelho de Montemor-o-Velho, desde 2001. O movimento por ali é escasso, mas aumenta nestes dias, por conta do Rebuliço, um festival organizado pela União de Freguesias da Abrunheira, Verride e Vila da Barca.

O negócio não vai de feição e o festival também não contribui por aí além para o impulsionar, conta Rosalina, atrás da caixa do estabelecimento. Pelo menos foi assim no ano passado, na primeira edição do Rebuliço, festival que leva arte urbana e música a várias aldeias da freguesia. Se o evento traz mais proveitos aos bares e colectividades onde acontecem os concertos — o que é natural, concede a comerciante —, pelo menos “traz vida à aldeia”.

Ao lado, a fazer-lhe companhia, está Guida Cardoso que diz que o evento “traz movimento. As pessoas aqui estão velhas e assim [a vinda de gente de fora] alegra”, acrescenta. O Rebuliço começou na sexta-feira e percorre até domingo quatro aldeias de Montemor-o-Velho com música, arte urbana, entre outra iniciativas.

Ao PÚBLICO, Daniel Nunes, da organização do festival, fala em quatro pilares, sendo que os dois mais visíveis serão a música e a arte urbana. Apesar de a programação musical não ser muito densa, o membro da organização diz que procura nomes de todo o país e de vários géneros, do cante alentejano à música de intervenção. O nome mais sonante a passar pelas aldeias de Montemor é Francisco Fanhais. Low Miller and the Smokers (banda e Coimbra), o percussionista Tiago Sami Pereira e o projecto Moçoilas (que vem do sul do país) completam o cartaz que é encerrado pelo guitarrista Grutera.

Os outros dois pilares, explica, são a ligação à comunidade e o património. A iniciativa tem nos moradores a “pedro basilar” do público-alvo, sendo que a organização é assegurada por voluntários, a maioria dos quais residente. Há também visitas guiadas para mostrar o património da zona. “Tentamos que as pessoas circulem por aqui”, diz. Uma das visitas guiadas é ao castelo de Montemor, em parceria com o Círculo de Iniciação Teatral Esther de Carvalho (CITEC), que explora as lendas regionais.

Outra visita é ao circuito de arte urbana que nasceu no ano passado e se espalha pelas aldeias da União de Freguesias da Abrunheira, Verride e Vila da Barca. Este ano a lista cresceu. As peças foram todas executadas a pensar nos locais, refere o membro da organização, pelo que uma informação que auxilie os olhos pode ajudar à interpretação. Por exemplo, o mural com a inscrição “por amor à terra” faz referência a uma lenda local das sete irmãs.

Se em Portugal se assistiu ao florescimento dos festivais de Verão, Daniel Nunes acena com o “único roteiro de arte urbana em contexto rural” para fundamentar a singularidade do Rebuliço. Ao todo, são 7 murais e mais de 15 peças distribuídas pelas quatro aldeias da freguesia.

Gonçalo MAR é o autor do mais recente mural. No centro de Verride, a gravura colorida de cerca de quatro metros por três representa uma mulher com uma lira, objecto símbolo da Filarmónica Verridense, uma das mais antigas do país. A obra demorou-lhe cerca de dois dias a executar e o artista explica que o objectivo passava por incluir “valores da aldeia com que as pessoas se pudessem identificar”.

Outro dos mais recentes é da autoria de Godmess, que veio do Porto para pintar um mural em Reveles, ao lado da mercearia de Rosalina. A comerciante aproveitou então para pedir ao artista que lhe decorasse a parede exterior da loja. Godmess acedeu, deixando ali dois morangos e uma banana com a ponta descascada. “Achei piada e pedi ao rapaz para fazer o desenho. É um bocado… como é que se diz… é uma banana atrevida”, conta Rosalina sorridente. “Têm que fazer é mais. Há mais paredes velhas por pintar”, completa Guida.

Se no início havia alguma dificuldade em encontrar paredes livres, agora a iniciativa parte dos próprios habitantes. No Grupo Recreativo Revelense, onde o PÚBLICO falou com o membro da organização, passa um morador que pergunta se não lhe querem ocupar uma das paredes. “Deixámos de procurar. Já nos oferecem”, afirma Daniel Nunes.

Mas mesmo num meio pequeno, o evento não é acolhido por todos com igual entusiasmo. Com 20 anos de trabalho no meio, Gonçalo MAR explica que também passou por outros sítios fora dos centros urbanos e, quando começa a falar sobre a resistência à ideia de arte urbana como arte, passa uma moradora de carro que, referindo as falhas de água numa habitação, questiona o dinheiro gasto na “pintura de paredes”. Depois arranca.

Por falar em valores, este ano o orçamento do festival diminuiu. Se na primeira edição era de 8 mil euros, esta foi organizada com 5 mil euros, financiados pela junta. No ano passado o preço do passe geral para os três dias era de 12 euros. “Eram 12 euros por 12 concertos”, refere o membro da organização, que acrescenta que o número de concertos foi reduzido para diversificar as actividades e “apostar no envolvimento com a comunidade”. “Como este festival não tem como objectivo a obtenção de lucro” e no ano passado a venda de bilhetes não cobriu os gastos, a estratégia mudou. Este ano optou-se por não cobrar entradas e apelar à compra de merchandising

Sugerir correcção
Comentar