Reserva da Faia Brava pede apoio para manter o fogo à distância

A reserva da Faia Brava lançou uma campanha de financiamento para suprir a falta de pasto para os animais e reforçar a vigilância das áreas florestais para manter bem longe cenários idênticos aos fogos que ali lavraram em 2003 e 2005.

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A reserva da Faia Brava foi criada em 2000 e é a única área protegida privada do país PP PAULO PIMENTA
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A reserva da Faia Brava foi criada em 2000 e é a única área protegida privada do país Nuno Alexandre Mendes
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A reserva da Faia Brava foi criada em 2000 e é a única área protegida privada do país Nuno Alexandre Mendes
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A reserva da Faia Brava foi criada em 2000 e é a única área protegida privada do país Nuno Alexandre Mendes

A Associação Transumância e Natureza (ATN), que gere a Faia Brava, a primeira área natural de gestão privada do país, quer evitar que se repita o cenário desolador provocado pelos incêndios em 2003 e 2005. Preocupada com o que se passa um pouco por todo o Centro e Norte do país, a ATN está a lançar uma campanha de financiamento para que os garranos não fiquem sem pasto, para que as águias escolham outro poiso ou impedir que os sobreiros se transformem em cinzas.

O Verão faz-se sentir com intensidade neste enclave abraçado entre a cordilheira da serra da Marofa, do Vale do Côa, e os socalcos do Douro, onde o Côa e o Águeda rasgam a paisagem que se desenha entre profundas escarpas graníticas. A reserva da Faia Brava vai à escarpa (faia significa escarpa) buscar o nome mas também a sua razão de ser. É que aquelas grandes rochas são um porto seguro para o grifo, o abutre-do-Egipto, a águia-de-Bonelli ou a águia-real que ali acabam por nidificar, e foram mesmo estes bichos que acabaram por animar o trabalho de conservação e de gestão sustentável desta área protegida cujos responsáveis acreditam que a preservação da natureza também depende dos cidadãos.

Foi em 2000 que a Associação Transumância e Natureza (ATN) quis pôr mãos à obra para proteger o património natural desta região do Nordeste do país. Quem o diz é Pedro Prata, o biólogo que coordena a Faia Brava, e que rejeita, logo à partida, que lhe chamemos “reserva”. São antes “espaços para a natureza” - diz - onde, em ambas as margens do Côa, nidifica grande parte da avifauna rupícola do rio e onde existe uma das maiores manchas de sobreiro do distrito da Guarda, que face à seca e ao risco de incêndio podem estar em perigo.

Já em 2003 e 2005, o fogo ali consumiu 90% dos terrenos da reserva e matou mais de 60% dos sobreiros cinquentenários que dominavam a floresta. Face a tamanha perda no ecossistema, a associação quis focar-se na floresta e criou uma Zona de Intervenção Florestal (ZIF) na qual, com mais 30 proprietários, se comprometeu a desenvolver um projecto de gestão sustentável da floresta autóctone, incluindo campanhas de sementeiras de árvores nativas e reabilitação de linhas de água. Tudo para manter o fogo bem longe.

Num ano em que o país está a ser de novo fustigado pelos incêndios, e em que se caminha para os 200 mil hectares de terra queimada, o trabalho que tem combinado "reflorestação” com “silvicultura preventiva” tem permitido ao coberto florestal da Faia Brava ganhar resiliência, diz Pedro Prata. Estas tarefas têm sido acompanhadas por uma campanha “muito activa de vigilância”. Ainda na quinta-feira à noite, um incêndio esteve muito próximo da área protegida, o que implicou que voluntários da associação estivessem, madrugada dentro, a apoiar o combate às chamas e a garantir que a Faia Brava não ficava em perigo.

A caminho da Faia Brava, onde ia ver em que ponto estava a situação da água para os animais, Pedro Prata desabafava que este não tem sido um Verão fácil. Até o Côa está "praticamente seco", nota. Correm apenas fios de água entre as pedras, deixando os animais num habitat onde há muito pouco que beber e que comer.

Neste momento, a ATN não tem “meios suficientes” para suplantar essas carências com suplementos alimentares e com água. Por isso, pede apoio aos sócios, que já são mais de 700, amigos e amantes da natureza, para ajudarem a comprar algum equipamento que lhes permita evitar a fome e a subnutrição dos animais, com a compra de  reservatórios de água e de alimentos extra.

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Paulo Pimenta

Mas o fogo continua a preocupar o biólogo. “É factual que está a acontecer de uma forma perfeitamente descontrolada. É até anormal do ponto de vista de ignições, e da área ardida”. É a preocupação na voz de quem tem dedicado os últimos anos a preservar e a reflorestar uma zona que já foi severamente castigada pelo fogo, mas que ganhou novas vidas. Para que não se percam, a ATN quer reforçar a vigilância, "a todas as horas, todos os dias" até que o risco de incêndio seja reduzido, o que prevêem que só venha a acontecer no final de Setembro. Há por isso mais um mês e meio para vigiar e mitigar os efeitos da seca. Para isso, é necessária a contratação de mais três trabalhadores que assegurarão também água e comida para os animais.

“Tapar alguns buracos do puzzle”

O título de primeira e única reserva natural privada do país ainda lhe pertence, desde que, no Verão de 2000, foi comprado o primeiro terreno que se estendia por 25 hectares. Dezassete anos depois, essa área cresceu 40 vezes. Hoje são mais de 1000 hectares que se estendem, ao longo do Côa, pelas freguesias de Algodres e Vale de Afonsinho, no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, e em Cidadelhe, já em Pinhel. Parte deste “espaço para a natureza”, está incluído na Zona de Protecção Especial (ZPE) do Vale do Côa.

A missão passava por pôr no mapa o património natural do Nordeste de Portugal, ao mesmo tempo que punha este encargo nas mãos dos proprietários e da comunidade que ao longo do tempo foi vendo habitats serem recuperados, por exemplo.  Os pombais tradicionais foram repovoados, para alimento das rapinas, e garranos, que chegaram da serra do Gerês a “título experimental”, acabaram por se adaptar ao habitat.

Mas a tarefa está longe de ser concluída, admite Pedro. Fallta ainda "tapar alguns buracos do puzzle". E que é difícil de completar num interior retalhado por vales e serras, em terrenos às vezes sem dono, ou com registos muito "arcaicos". “Existe um mau cadastro, um mau registo de propriedade no país todo e que é ainda mais evidente na Região Norte porque é dominada pelo minifúndio. Não há uma gestão do ponto de vista da conservação porque grande parte dos proprietários ou são ausentes ou são negligentes e nem sabem onde ficam as propriedades”, critica.

Por isso, desde 2015, a ATM optou por tentar replicar este modelo noutras áreas da região, com o intuito de criar uma rede de “áreas protegidas privadas”. Há projectos pontuais para proteger determinado “valor natural” nos concelhos de Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel e Freixo de Espada à Cinta. Mas a ideia, essa, é chegar a outros pontos do país. Estão “de portas abertas”, com o saber e a experiência  aos  "demais proprietários que queiram dedicar as suas parcelas à conservação”, admite. Uma responsabilidade “que pode e deve ser partilhada pela sociedade civil com o Estado”.

A Faia Brava, apesar de continuar a ser uma área protegida privada, foi reconhecida, em 2010, pelo Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB), tendo também integrado a Rede Natura  e a Rede Ecológica Nacional. E integra uma área-piloto da iniciativa europeia Rewilding Europe, para a criação de áreas naturais silvestres e de desenvolvimento de turismo de natureza na Europa.

Esse esforço já foi reconhecido lá fora. Em 2013, a ATN recebeu o prémio Dryland Champions, atribuído pela Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, e foi distinguida pela Fundació Mediterrània, pela contribuição feita no âmbito da defesa do património natural. Também em Portugal, o reconhecimento parece ter chegado. São “cada vez mais” os visitantes, em percursos organizados, que ali chegam, tendo já ultrapassado a barreira dos mil por ano, diz Pedro.

Todos os anos, a ATN investe entre 40 mil e 50 mil euros na manutenção dos mil hectares da Faia Brava, entre reflorestações, vigilâncias, conservação de linhas de água, monitorização de espécies. Fora das contas fica o número de horas que membros e voluntários dedicam às terras.

Pedro Prata tem mais nove pessoas, que ocupam as horas livres a calcorrear uma terra que conhecem como a palma das mãos, e que se vêem como "uma força de inovação" dentro de um território rural e interior que tem o costume de ser esquecido entre fogos e catástrofes. A natureza, essa, precisa sempre do seu tempo, mas o sucesso que a Faia Brava tem tido na prevenção de incêndios e na conservação das espécies pode ser um contributo para que se aprenda o que fazer aos hectares de “terras de ninguém” perdidas pelo país.

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