Matosinhos também já tem tons de Hazul

Artista urbano portuense inaugura nesta sexta-feira primeira obra oficial do outro lado da circunvalação.

Foto
Fernando Veludo/nfactos

Do número 1140 ao 1165 da Rua Brito Capelo, em Matosinhos, o muro de uma antiga fábrica de conservas serve agora de tela para uma nova obra de Hazul Luzah. Durante toda a semana, quem passava naquela que é uma das mais importantes artérias da cidade, pôde seguir o traço do artista urbano, que enquadrou as suas personagens sem cara num cenário alusivo ao mar.

Há cerca de dez anos, uma certa figura, sem rosto, tornou-se habitante residente das paredes de uma baixa portuense ainda com poucos letreiros com a palavra gourmet. Passou por Bombarda, está em Miragaia, na Sé e um pouco por toda a cidade. Serão réplicas da mesma mulher? São outras mulheres? É mesmo uma mulher? O certo é que não tem rosto, ao contrário de Hazul, que tem rosto, mas prefere escondê-lo e prefere também deixar que essa questão seja respondida pela imaginação.

Não foi a primeira vez que atravessou a circunvalação para pintar. Aconteceu “uma vez ou outra”, mas noutra vida artística, como disse ao PÚBLICO, “antes de criar a assinatura Hazul Luzah”, quando estava mais por dentro do movimento graffiti, onde esteve outros dez anos, “a pintar letras”. Esta é a sua primeira obra em Matosinhos, com esta identidade, e o primeiro passo que está a dar, em conjunto com a galeria P55, no âmbito de um projecto da Matosinhos - Capital da Cultura do Eixo Atlântico, dedicado à arte urbana.

Não há uma fronteira física entre as duas cidades, que para a maior parte das pessoas que nelas habitam acabam por estar separadas apenas por uma questão de organização autárquica. No entanto, para Hazul, ter-se focado mais no centro do Porto foi “uma questão natural”, por uma questão de proximidade e por ser onde tem o seu atelier. É também a sua zona de conforto, por onde circula a pé e onde diz relacionar-se mais com “o lado pitoresco e fotogénico” da paisagem urbana. Já Matosinhos, considera ter “uma estrutura diferente, com mais fábricas e áreas maiores”, mas que “não tem propriamente um centro histórico”.

O tema que escolheu para este mural está inevitavelmente ligado à raiz da própria localidade. Numa cidade como Matosinhos não havia como fugir “à ideia de mar”, daí ter optado pela representação de “barcos, ondas, velas e peixes que se entrelaçam”, conservando sempre a sua linguagem característica.

Esta linguagem nasce num período em que se começa a interessar mais “pela cultura e estética de povos como os da civilização maia, egípcia ou chinesa”. Apesar de as considerar muito diferentes, entre elas, entende que “partilham traços comuns como alguma simbologia ou elementos geométricos”. Por isso mesmo, optou também por “uma linguagem universal que fosse perceptível a nível global”. É por isso que as figuras que desenha não têm rosto: “O facto de não terem cara não as compromete com nenhuma cultura ou zona geográfica. Acabam por ser figuras vazias, mas cheias ao mesmo tempo. Reúnem todos”.

O facto de o destino da obra que inaugura nesta sexta-feira estar já à partida traçado é algo que não o incomoda. Hazul tem a “noção completa” do processo relativo à duração da arte urbana: “80% do que fiz foi apagado” - lida facilmente com isso - “mal haja um projecto para esta fábrica, este mural vai abaixo”. A ideia é “cumprir o seu papel enquanto lá está”. O artista traça uma relação entre a evolução do espaço urbano e do próprio trabalho, que entende “sofrerem uma mutação conjunta”. Ver o trabalho desaparecer da rua acaba por ser essencial até por “uma questão de não saturação”.

Esta obra está a ser concebida no âmbito de uma iniciativa da Câmara Municipal de Matosinhos, que visa a reabilitação de algumas fachadas da cidade. O muro, contíguo à galeria P55, foi a primeira obra a avançar. 

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