Maior ilha do estuário Tejo está em risco de desaparecer há mais de um ano

Ministério do Ambiente promete intervir até Outubro. Câmara de Vila Franca e oposição criticam comportamento da Agência Portuguesa do Ambiente no processo.

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O dique de protecção do mouchão tem danos desde Abril de 2016 Pedro Cunha

O Mouchão da Póvoa, a maior ilhota do estuário do Tejo com perto de 1000 hectares, está ameaçado de desaparecer devido à falta de medidas de reparação de um rombo no seu dique de protecção. A ilha, situada no concelho de Vila Franca de Xira, está já em boa parte inundada e com os solos completamente salinizados. O rombo foi detectado em Abril de 2016 mas só agora, depois de inúmeras vicissitudes, é que o Ministério do Ambiente anuncia que vai intervir na reparação do dique e que pretende concluir as obras até Outubro próximo. A Câmara de Vila Franca de Xira lamenta as atitudes da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que, segundo diz a autarquia, não terá autorizado a intervenção de emergência que os donos do mouchão se propuseram fazer no Verão de 2016.

O caso arrasta-se há longos meses e o rombo que, inicialmente, teria cerca de 15 metros, já terá, agora, mais de 80. Nas marés-cheias mais de metade da superfície do mouchão já fica inundada e a vegetação que ali existia já desapareceu em grande parte devido aos efeitos da água salgada. Certo é que este caso é considerado um dos mais graves registado em Portugal pela C6-Coligação Portuguesa de Organizações Não Governamentais de Ambiente, que vai denunciar isso mesmo nas próximas comemorações do Dia Mundial do Ambiente. Também deputados do Bloco de Esquerda e do CDS-PP têm confrontado o Ministério do Ambiente com sucessivas questões sobre a matéria. O PÚBLICO solicita, há cerca de dois meses, mais esclarecimentos da assessoria de imprensa do ministro Matos Fernandes, mas, apesar das insistências, nunca teve resposta.      

O gabinete do ministro do Ambiente respondeu apenas, no final de Abril, a questões formuladas por deputados do BE e do CDS-PP, referindo que, durante esse mesmo mês de Abril, “a APA procedeu ao levantamento das necessidades no terreno, apurando qual o tipo de intervenção técnica a realizar para reparação do rombo do Mouchão da Póvoa”. No seguimento dessa análise, prossegue a mesma fonte, “está a ser preparado o caderno de encargos que possibilita a posterior adjudicação do projecto de execução e a contratação da empreitada”. Segundo a chefe de gabinete do ministro Matos Fernandes, é intenção do Ministério do Ambiente que esta obra “esteja concluída até Outubro do corrente ano, sendo a mesma suportada por recursos financeiros do Fundo Ambiental”.

Muitas críticas em Vila Franca de Xira

Este problema do maior dos três grandes mouchões do concelho de Vila Franca de Xira tem suscitado, também, muita controvérsia nos órgãos autárquicos locais, com a oposição a questionar frequentemente o executivo de maioria socialista e o presidente da Câmara a lamentar o comportamento da APA em toda esta situação. Ainda em 2016, depois de vários contactos com a tutela e com a empresa que detém o mouchão, Alberto Mesquita, presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, lamentou que, em vez de se preocupar em ajudar a resolver o problema, a APA tenha, alegadamente, rejeitado o pedido de autorização para intervir feito pelos responsáveis pela exploração do mouchão e solicitado à Polícia Marítima que vigiasse a ilhota no sentido de impedir alguma tentativa de avançar com a intervenção não autorizada.

“É uma situação muito infeliz, infeliz pelo facto das entidades responsáveis não terem feito aquilo que deviam ter feito em tempo oportuno. E não foi por não terem sido avisadas. Foram muito insensíveis, infelizmente. Ao invés de terem posto a Polícia Marítima a evitar que alguém entrasse no mouchão, melhor teria sido que deixassem fazer alguma coisa”, criticou Alberto Mesquita, depois do vereador social-democrata Rui Rei ter dito que “o que se está a passar com o Mouchão da Póvoa é uma situação absolutamente criminosa. O Estado devia defender um património que é de todos nós. O que se passa ali é absolutamente lamentável”, referiu Rui Rei, que reside na Póvoa de Santa Iria e vê, diariamente, o agravar da situação do mouchão, situado exactamente em frente desta cidade do sul do concelho de Vila Franca de Xira. “É uma vergonha o que ali se passa. Tudo o que eram árvores já morreu e a água praticamente já inunda o mouchão por completo. Toda a zona das casas está submersa. É inaceitável o que se passa ali”, prosseguiu o eleito do PSD.

O Mouchão da Póvoa foi, durante muitas décadas, utilizado para exploração agrícola (com algumas casas de apoio), chegou a ter a exploração de uma das mais conceituadas marcas de água mineral e serviu, também, para várias experiências de voo na primeira metade do século passado. Ultimamente a exploração agrícola diminuíra, o mouchão não tinha população permanente, mas existiam projectos para algumas actividades de turismo da natureza.

Ministro “avoca” resolução do problema

Alberto Mesquita explicou, depois, que, das muitas iniciativas que tomou junto da tutela, resultou a decisão do ministro Matos Fernandes de “avocar” para o Ministério do Ambiente a resolução desta situação. “Para mim não era preciso fazer grandes estruturas. Bastava terem permitido tapar o rombo quando tinha só uma abertura de 14 metros”, sustenta o autarca, que lamenta o comportamento da APA nesta situação. Mais recentemente, de acordo com Alberto Mesquita, a tutela do Ambiente solicitou, por escrito, à Câmara que suportasse 60 por cento dos custos da intervenção. “Chegou-nos um esboço de protocolo, mas não o pudemos aceitar, porque não sabemos o que é que está em causa, se estamos a falar de 300 mil, de 400 mil, de um milhão de euros”, referiu.

Já na última sessão camarária, o vereador Nuno Libório (CDU) defendeu que, perante as perdas e os danos ambientais registados no Mouchão da Póvoa, a Câmara deverá equacionar a apresentação de uma acção em tribunal para a apurar responsabilidades para este “impasse” que se arrasta há mais de um ano. “Face aos crimes cometidos contra o património ambiental e natural deste concelho devem ser apuradas responsabilidades por toda esta situação”, sublinhou Nuno Libório.

Dezenas de milhares de aves ameaçadas

Esta zona é, também, uma das mais importantes áreas de refúgio para aves selvagens, uma vez que o Mouchão da Póvoa está situado dentro da Reserva Natural do Estuário do Tejo. Segundo a C6, “nas águas pouco profundas e nos bancos de vasa em redor do mouchão procuram alimento e refúgio até 10 mil patos e até 2 mil gansos selvagens. Também nesta área podemos encontrar, no pico do Inverno, 5 mil a 10 mil aves limícolas”, principalmente alfaiates, borrelhos, tarambolas, entre outros, segundo refere a coligação de organizações ambientalistas. “Toda esta enorme abundância de diversidade de aves aquáticas ameaçadas depende dos habitats e do refúgio proporcionado pelo dique do Mouchão da Póvoa. Se o dique for danificado e não efectuar a sua função de barreira no ciclo das marés, toda a estrutura complexa de habitats do mouchão vai acabar por desaparecer e com ela parte significativa destas populações de aves”, alertou a C6 em carta enviada, em Fevereiro, aos presidentes da Câmara de Vila Franca de Xira, da APA e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.

Por isso, a C6 defendeu a “declaração de calamidade pública” para aquela zona e uma “intervenção urgente de reparação das estruturas hidráulicas afectadas, antes de mais danos que o Inverno possa trazer”. Sugere, ainda, que, após a reparação, seja “implementado um plano para reverter os solos salinizados e outros que deixaram de ter aptidão agrícola por estarem com lodos depositados” e reclama uma acção “concertada e eficaz” das várias entidades envolvidas.

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