Lisboa perde duas respostas para os sem-abrigo até ao fim do mês

Por falta de acordo entre a entidade gestora e a câmara, vai fechar o Núcleo de Apoio Local de Arroios. Já a Associação João 13 está à procura de um espaço para continuar o trabalho feito na freguesia de Santo António.

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No Núcleo de Apoio Local de Arroios os sem-abrigo faziam refeições e eram atendidos por assistentes sociais Daniel Rocha

A cidade de Lisboa vai perder duas das respostas que tinha para a população sem-abrigo: o Núcleo de Apoio Local (NAL) de Arroios fechou as portas esta sexta-feira e a Associação João 13 vai abandonar no final do mês o espaço que ocupa na freguesia de Santo António. O vereador dos Direitos Sociais reconhece que está preocupado, mas garante estar a trabalhar em respostas para ambas as situações.

No caso do NAL, que funcionava desde o final de 2013 no Largo de Santa Bárbara, o fecho deve-se à falta de entendimento entre a Câmara de Lisboa e o Centro Social e Paroquial de São Jorge de Arroios, a entidade que geria o espaço. No local eram servidas refeições à população sem-abrigo, oferta que era complementada com um atendimento personalizado prestado por assistentes sociais.

O coordenador técnico do centro social lembra que o NAL sempre foi apontado pelo município como um caso de sucesso e garante que graças ao trabalho aí feito houve 52 sem-abrigo que abandonaram as ruas. Quanto ao porquê do fecho, Pedro Cardoso explica que nos últimos anos o serviço prestado pelo centro foi financiado através do Regulamento de Atribuição de Apoios pelo Município de Lisboa (RAAML) e que com a aprovação, no fim de 2015, do Programa Municipal para a Pessoa Sem-Abrigo isso deixou de ser possível.

A leitura que Pedro Cardoso faz é que com essa alteração (e com a interrupção do financiamento via RAAML dos serviços dirigidos aos sem-abrigo) a resposta apoiada pela câmara ficou reduzida à vertente alimentar, o que em seu entender representa “um enorme retrocesso” e uma forma de "marketing social".

O responsável diz que o município começou por lhe propor a atribuição, em 2016, de um apoio financeiro anual de 15 mil euros, para “a resposta a nível alimentar”. “Não dava para pagarmos uma pessoa e termos refeições diárias”, diz, acrescentando que depois disso a câmara manifestou disponibilidade para apoiar a instituição com outros 45 mil euros, destinados à “resposta de inserção social”.

“Era um modelo irrealista em termos orçamentais. O que era exigido não era exequível”, afirma Pedro Cardoso, frisando que o centro social estava a trabalhar desde Janeiro sem qualquer apoio financeiro. Face a tudo isso, e por se considerar que “a instituição foi muito mal tratada, não foi respeitada”, foi tomada a decisão de suspender o trabalho realizado no NAL a partir desta sexta-feira.  

“Acho legítimo que o centro social não queira manter uma resposta. Ninguém é obrigado”, reage o vereador dos Direitos Sociais, que contesta a veracidade de várias das afirmações de Pedro Cardoso, embora confirme os valores por ele avançados.

João Afonso explica que quando o NAL foi constituído foi estabelecido com o centro social um protocolo de cedência das instalações municipais no Largo de Santa Bárbara. A intenção, nota, era que aí fosse feita “distribuição alimentar com condições de dignidade” e que houvesse “um contacto com a população sem-abrigo da zona”.

“Nunca o serviço do NAL esteve dependente do apoio financeiro da câmara”, garante o vereador, que acrescenta que aquilo que se pretendia era que as refeições fossem oferecidas por outras entidades que trabalham com sem-abrigo e por privados. Segundo o autarca dos Cidadãos Por Lisboa, o que aconteceu foi que em 2014, e depois em 2015, o centro social se candidatou a verbas do RAAML para a vertente de “apoio social de inserção”, verbas essas que lhe foram atribuídas.

João Afonso explica que com a aprovação do Programa Municipal para a Pessoa Sem-Abrigo a perspectiva da câmara é que deve haver “uma separação” entre a gestão de um espaço como o NAL e “a resposta de inserção”. O autarca garante que o plano inclui verbas para ambas as respostas e critica o centro social por ter tomado “uma decisão unilateral” de interromper o serviço prestado.

João 13 serviu 4500 refeições

Situação diferente é a da Associação João 13, que desde o passado mês de Outubro está a trabalhar com a população sem-abrigo no Centro Social Laura Alves, na Calçada do Moinho de Vento. Desde então, foram servidas mais de 4500 refeições no local, tendo ainda sido proporcionada aos utentes a possibilidade de tomarem banho, lavarem a sua roupa e beneficiarem de tratamento médico.

No final do mês, a associação vai abandonar o espaço, tornando-se ela própria “sem-abrigo”. Na origem da decisão, explica o frei Filipe Rodrigues está o facto de a Junta de Freguesia de Santo António, que é a proprietária do centro social, ter transmitido que a continuidade do trabalho da associação no local era “incomportável”.  

“A nossa grande preocupação não é fechar, sair dali, é o futuro das pessoas. Voltam para as carrinhas [que distribuem alimentos na rua]? Deixam de tomar banho?”, pergunta o sacerdote, que é o rosto da associação. A sua vontade, e dos cerca de 130 voluntários envolvidos, é dar continuidade ao projecto, mas para isso é preciso encontrar um novo espaço.

O presidente da Junta de Freguesia de Santo António confirma a saída da associação do Centro Social Laura Alves, equipamento que segundo diz não tem capacidade para receber as cerca de 100 pessoas que lá se dirigiam para jantar. “Tenho muita pena”, diz Vasco Morgado, considerando estar em causa “um projecto demasiado válido para se deixar cair”.

O vereador João Afonso garante que está à procura de "uma outra solução" para a João 13, cujo trabalho "estava a ser muito útil". Quanto ao NAL de Arroios, a sua intenção é encontrar uma nova entidade disponível para o gerir. 

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