“Um livro para Pitões” supera expectativas e já pede suspensão dos envios

O limiar dos mil livros a serem recebidos até ao fim do ano já foi superado. Agora, a equipa da Biblioteca Aberta pede tempo para organizar aqueles que já receberam e promove a adopção da ideia noutras localidades.

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NFACTOS / FERNANDO VELUDO

A iniciativa de reunir livros para uma Biblioteca Aberta na aldeia de Pitões das Júnias, em Montalegre, surgiu há pouco mais de dois meses. Na altura, o objectivo de reunir mil livros até ao dia de 24 de Dezembro deste ano parecia difícil, mas agora o apelo é outro: Obrigado mas não mandem mais livros.

“Não temos palavras que expressem a nossa gratidão e sentimentos por todas as lindas doações... Pedíamos agora que as prendas parassem de chegar pois precisamos organizar o espaço e os livros para perceber se temos onde os colocar!”, explicou Kátia Pereira, dirigente da Associação de Desenvolvimento de Pitões e uma das responsáveis pela iniciativa.

Pitões das Júnias tem cerca de 150 habitantes e fica localizada num planalto a quase 1200 metros de altitude, na vertente oriental do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Moram lá apenas 15 a 20 crianças e adolescentes, um traço claro do envelhecimento da população, e os hábitos de leitura são escassos. Porém, o quadro pouco favorável ao êxito da Biblioteca Aberta não impediu que as expectativas fossem superadas em larga escala. Kátia Pereira afirmou ao PÚBLICO, no mês passado, que a iniciativa viria ajudar a mudar algo na comunidade, tanto nos mais jovens como nos mais velhos, a quem a vida não proporcionou muito tempo para a leitura. Agora, o panorama começa a mudar.

Lúcia Jorge, presidente da Junta de Freguesia de Pitões das Júnias, afirma: “É mais a gente jovem e entre os 30 e os 50 anos” que aderem à Biblioteca. “As pessoas idosas já não procuram muito porque têm dificuldade em ver, mas ainda gostam de ver aqueles livros de fotografia, principalmente os com fotografias cá de Pitões”. Acrescentou que já se consegue traçar uma tendência: “As crianças procuram tudo o que seja histórias, contos, algumas bandas-desenhadas, e os adultos querem romances e histórias com acção”.

A ideia original da Biblioteca Aberta partiu do dramaturgo Abel Neves, autor do livro Além As Estrelas São a Nossa Casa, que tem uma moradia na aldeia. No entanto, foi Rui Barbosa, um apaixonado pelo Gerês, que impulsionou realmente a ideia. Depois de participar na terceira edição do Fiadeiro dos Contos – um evento que anima as noites de Verão na aldeia –, que decorreu no primeiro fim-de-semana de Agosto, decidiu criar a página no Facebook  “Um Livro para Pitões”, entretanto desactivada. A junta e “várias pessoas amigas de Pitões” avançaram de seguida com a criação da biblioteca, que seria recheada apenas com livros doados.

Além de fomentar os hábitos de leitura, o projecto está “a chamar gente que se calhar jamais viria a Pitões”, reconhece Lúcia Jorge. “E ainda está a acontecer uma coisa mais bonita: está a chamar gente que, no passado, veio a Pitões e que há muitos, muitos anos não voltava, e agora estão a regressar”.

Aos poucos e poucos, o projecto vai ganhando corpo, com os envios de livros a partirem não apenas de moradores da aldeia e arredores, mas de muitos pontos que, ao início, não se julgava possível atingir. Estamos a falar de todas as zonas de Portugal e também do Brasil, Reino Unido, Alemanha, entre outros. Como se pode ler na publicação da página do Facebook, “Os livros vieram como uma torrente de um rio revolto (…) Pitões das Júnias já tem o miolo da sua Biblioteca e chegamos a uma altura em que temos de começar a organizar os mais de 1500 livros que chegaram”.

Porém, a ideia base da Biblioteca é a de ser o oposto de um mero repositório. “Não queremos um depósito de livros, queremos um espaço onde a pessoa vá para poder ler, poder estar, levar livros, trazer livros, e pode até nem devolver os livros!” explicou a presidente da junta. “Podem ficar com eles ou podem passá-los a amigos. Os livros têm o carimbo da biblioteca, mas as pessoas não precisam de requisitá-los como noutros lados, em que só podem ficar com eles durante três dias, por exemplo! Queremos é que efectivamente as pessoas criem o hábito de ler e lidar com o livro, diferente daquele que é habitual, que é os livros estarem numa estante, eternamente ali, e alguns nunca chegam a ser lidos, só folheados. E não queremos isso, queremos os livros abertos”.

Assim, e apesar de saberem que estão mais livros a caminho da aldeia, e que existem grupos organizados com actividades previstas que incluem a entrega de livros, a equipa da Biblioteca Aberta pede "que se suspenda o envio de mais livros para Pitões das Júnias” e faz um apelo “para que sejam criadas iniciativas semelhantes nas quais outras aldeias possam ter a sua Biblioteca Aberta!”.

Texto editado por Ana Fernandes

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