Há estudantes a querer reabilitar a Baixa de Coimbra pouco a pouco

No primeiro passo do projecto, o colectivo Há Baixa, composto por estudantes universitários, vai intervir em três estabelecimentos comerciais, uma casa e uma cozinha económica.

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As casas na baixa de Coimbra estão muito degradadas Carla Carvalho Tomás
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A casa do sr Jorge

A tasca do senhor Norberto, a casa do senhor Jorge, o atelier de costura da dona Glória, a papelaria Sim-Sim e a cozinha económica. Junta-se a construção de um palco no Largo do Romal e são seis os espaços na Baixa de Coimbra alvo de intervenção de um colectivo de estudantes do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra (UC) que quer contribuir para requalificar esta zona da cidade.

A ideia desenhada por um grupo de estudantes dos cursos de arquitectura e design e multimédia consiste em passar além das maquetes o que é dado nos cursos e começar por fazer intervenções pontuais em vários espaços da Baixa da cidade

Três estudantes do quarto ano de arquitectura que integram o projecto Há Baixa e que conversaram com o PÚBLICO, Rui Cardoso, Carlos Fraga e Jorge Tomo Jr. explicam que a iniciativa surgiu da necessidade de aproximar a universidade da cidade, “de combater a barreira entre Alta e Baixa”, mas também para possibilitar aos alunos fazer uma aplicação prática do que aprendem na academia. Depois de nos termos apercebido que existiam projectos semelhantes, tentámos aproximar essas referências a Coimbra”, elabora Carlos Fraga. O “olhar crítico” sobre a urbe levou-os à Baixa.

Numa área em que o envelhecimento da população se soma à degradação dos edifícios, o estudante fala em “usar a massa crítica que há lá em cima [na Alta, onde está o Departamento de Arquitectura]” para combater estes problemas. “Depois, com o contacto directo com a população desta zona, apercebemo-nos que teriam que ser intervenções pontuais e em casos mais específicos”, conta Carlos Fraga que diz que ideia inicial era “enorme” e envolvia mais espaços.

Para já, a intervenção decorre na zona do Largo do Romal, que serve de “rótula” para o Há Baixa. O resto fica guardado para próximas edições. 

São três espaços comerciais, uma habitação e uma cozinha económica. A tasca, o atelier e a papelaria “andam em torno” do Largo do Romal, que “é o maior largo na Baixa a seguir à Praça do Comércio”, o com “mais potencial, mas com menos actividade”, analisa Rui Cardoso. É esta a razão da selecção dos espaços e é esta a “incongruência” que os estudantes querem atenuar.

Encontrar os alvos do projecto não foi fácil. Para “perceber quais eram as suas dificuldades e até que ponto poderiam ajudá-los” foi “quase uma campanha porta a porta”, lembra Jorge Tomo Jr., que diz que muitas foram as respostas negativas. Uma das missões deste primeiro passo do Há Baixa passa igualmente por mostrar o trabalho feito para ultrapassar esta barreira de desconfiança. “Toda a gente pergunta: então, o que é que é preciso pagar?” diz Carlos Fraga. “Este ano estamos a convencer, a estabelecer confiança para podermos depois expandir para esses «nãos» que tivemos.”

Logística e material
Com o envelhecimento da população da Baixa, a tasca do senhor Norberto foi perdendo a clientela habitual. Os trabalhos na tasca têm o objectivo de a tornar mais convidativa sem a descaracterizar, reorganizando o espaço utilizando outro tipo de materiais.

Depois da intervenção, a casa que o senhor Jorge divide com a mãe passará a ter a cozinha devidamente separada da instalação sanitária, espaço para banhos, lavatório e esquentador. Tudo instalações que lhe faltam hoje.

O Há Baixa procurou o apoio de empresas do ramo da construção para que estas pudessem fornecer material e desperdícios que os estudantes possam utilizar nas suas intervenções. Carlos Fraga diz que a receptividade das empresas foi grande e que houve mesmo delas que “deram material na primeira e na segunda reunião”. 

Rui Cardoso explica que o primeiro objectivo do projecto era procurar “apenas apoio material”, mas aperceberam-se que era necessário um fundo de maneio “para pequenas coisas”, como comprar um pincel ou fita cola a meio de um trabalho. No entanto sublinha que projecto “apela à criatividade e à utilização do desperdício” na requalificação dos espaços.

Os estudantes esperam que, depois da apresentação do projecto, com o aumento de visibilidade do Há Baixa, as contribuições possam aumentar.

Até dia 25 de Junho vai ser montado o palco no Largo do Romal, a tempo de fazer parte do circuito do evento Sons da Cidade. Depois, a partir de 1 de Julho, as equipas de voluntários a constituir até lá vão levar a cabo as intervenções na habitação, na cozinha económica e nos três estabelecimentos, que vão ocupar as duas primeiras semanas do mês. Para além de uma programação cultural, o palco vai servir igualmente para dar workshops de formação aos voluntários antes de estes passarem à prática, com a presença de técnicos nas várias fases da construção.

O colóquio de apresentação que teve lugar no Salão Brazil na passada quarta-feira, para além de dar a conhecer o projecto à comunidade, serviu também para contextualizar o Há Baixa, com a presença de iniciativas semelhantes que lhe serviram e inspiração e que fizeram intervenções noutras latitudes.

Diogo Pinto, do projecto Terra Amada, referiu a importância da divulgação do trabalho e do impacto mediático como forma de facilitar a obtenção de materiais por parte das empresas. Tendo surgido a partir do curso de arquitectura da Universidade Católica de Viseu, esta iniciativa tinha como alvo de intervenção a aldeia de Vale de Papas, “onde a estrada acaba”, no concelho de Cinfães. Um dos responsáveis pelo projecto que se extinguiu em 2014, Diogo Pinto, disse que um dos maiores obstáculos foi a desconfiança das pessoas. “Por norma, não é bem aceite, ficam logo de pé atrás” pois normalmente “ninguém vai lá dar alguma coisa sem levar nada em troca”.

De um contexto rural para uma zona urbana, o projecto Rés do Chão nasceu com o objectivo de tentar resolver o problema de desocupação dos pisos térreos em Lisboa. Margarida Marques destacou a necessidade de criar redes com os comerciantes, como forma de “impedir que o turismo transforme o bairro completamente”.

Já o El Casc, que se realiza anualmente desde 2013 e tem como área de intervenção a aldeia de Villena, Alicante, tinha como objectivo recuperar uma localidade “urbana e socialmente degradada”, explicava

A iniciativa Há Baixa e estes três projectos têm naturezas e áreas de intervenção diferentes, mas o objectivo acaba por ser semelhante, sintetizava João Peralta, do colectivo de Coimbra, na apresentação: melhorar a qualidade de vida das pessoas.

O Há Baixa ainda não teve a primeira edição mas a equipa que o organiza já pensa numa forma de lhe dar seguimento. O colectivo quer ir além das intervenções nos estabelecimentos e habitações e abrir um braço dos estudantes da universidade na Baixa que possa servir a sua população. Uma forma de a passagem por Coimbra não se restringir ao curso, dizem. A ideia é abrir um “consultório” que não se limite a arquitectura, mas que o estudantes das vária áreas, como medicina ou acção social, exemplifica Rui Cardoso, possam aplicar o conhecimento apreendido nas aulas e ajudar a população. O espaço para esse propósito ainda não foi encontrado, mas terá como ideia central “recuperar a dinâmica da Baixa”.

No futuro, outro dos desafios é assegurar a continuidade do projecto sem os que lhe estão agora a dar o empurrão inicial, pois o objectivo é que “vão entrando novos alunos, sangue novo para o projecto e que isto continue” quando os impulsionadores saírem de Coimbra. “Uma espécie de incubadora da universidade que depois se vai alimentando”, acrescenta Jorge Tomo Jr.

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