Fábrica de bagaço de azeitona em Ferreira do Alentejo cobre a povoação de óleo

A empresa proprietária da unidade industrial alega que “é impossível” haver actividade económica “sem impactos ambientais”, que define como “o outro lado da moeda” do desenvolvimento.

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Poluição é causada, segundo os moradores, por uma fábrica de processamento de caroços de azeitona que funciona sem licença Rui Soares

O depoimento de Joaquim Barrocas, morador na pequena povoação de Fortes no concelho de Ferreira do Alentejo, descreve o quotidiano dos que vivem paredes meias com a unidade de tratamento de bagaço de azeitona instalada em 2013: “O dia-a-dia tornou-se insuportável. Há pessoas com problemas respiratórios e irritações nos olhos. As casas e as viaturas ficam cobertas por um resíduo oleoso e cinzas e não se pode estender roupa, porque fica a cheirar mal”. A empresa contrapõe que das chaminés só sai vapor de água e que o progresso tem este tipo de custos.

É assim 24 sobre 24 horas por um período de tempo que pode variar entre os nove meses e um ano. Os fumos impregnados de substâncias gordurosas e carregados de partículas em suspensão “é espalhado pelo vento quando sai das condutas ou carregado em camiões”, descreve o morador.

Existem ainda pessoas, prossegue Joaquim Barroca, que “vêem agravados os seus problemas de saúde crónicos quando há uma maior actividade na fábrica”. A população de Fortes é na sua quase totalidade composta de idosos.

O PÚBLICO esteve no domingo na povoação de Fortes. Não se via ninguém nas ruas. Parecia uma aldeia abandonada. A chegada de uma viatura automóvel fez mover as cortinas de algumas janelas. “Diga lá o que quer”, perguntou uma mulher com ar irritado. Apontámos para a fábrica que debitava fumos intensos. “Olhe, a gente protesta, protesta, mas ninguém faz nada. Aquela coisa maldita deu cabo do nosso sossego, noite e dia”. Saiu para o exterior e dirige-se a um estendal de roupa. Com um pano branco passa pelos arames e fica uma mancha castanha a demonstrar como o fumo não é só vapor de água, como alega a empresa Alcides Branco & Cª S.a. com sede em Santa Maria da Feira, que está a explorar a Tomsil construída no final dos anos 60 do século passado para processar a transformação de tomate.   

Da estrada que passa junto à Tomsil observa-se a descarga de bagaço de azeitona depois de tratado, uma substância castanha que larga um pó da mesma cor que o vento propaga com os fumos que saem continuamente das chaminés. Uma neblina branca e escura projecta-se na atmosfera e levanta protestos em Aljustrel, que está a uma distância de 30 quilómetros.

É a nova realidade ambiental resultante da fileira do olival intensivo e superintensivo produzido na área sob influência de Alqueva. Uma fonte da empresa Alcides Branco adiantou ao PÚBLICO que o volume de bagaço de azeitona produzido nos novos lagares de azeite instalados na região de Beja chega às 600 mil toneladas. Este é um resíduo que não pode ser depositado em aterro.

O recurso é transformar uma matéria orgânica que contém água, óleo e biomassa em material de queima. Para isso é preciso transformá-lo nas três unidades que neste momento existem em Alvito, Odivelas e Fortes (ambas em Ferreira do Alentejo).

Acresce ainda que transportar o bagaço de azeitona dos lagares para as três unidades de transformação significa um tráfego médio de 24 mil camiões com capacidade de 25 toneladas cada. As consequências ambientais que derivam da actividade já se fazem sentir na contaminação de linhas de água.

"Episódios recorrentes"
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) adiantou ao PÚBLICO que esta entidade tem verificado na empresa de Alcides Branco “a existência de episódios recorrentes no que respeita à descarga de águas residuais sem licença e sem tratamento” e que com base nos “vários incidentes verificados”, foi instaurada uma contra-ordenação, “aguardando-se para um futuro próximo” uma decisão. Relativamente ao grau de perigosidade dos fumos libertados pela Tomsil, a APA não respondeu à questão colocada.

Também a Câmara de Ferreira do Alentejo assume a sua preocupação pelas consequências da nova actividade industrial no concelho, registando as “queixas da população” e tendo já manifestado junto das autoridades competentes “a sua preocupação e vontade para que sejam tomadas medidas correctoras da situação”.

O porta-voz da Alcides Branco garantiu que já foram investidos na Tomsil, concretamente em novas instalações, cerca de 11 milhões de euros, dando sequência às imposições que foram determinadas pelas entidades fiscalizadoras. A empresa confirma a infracção cometida na contaminação das linhas de água, que diz ter sido resultante de um “acidente” em 2013 na sequência de uma “brutal fuga de água por uma ribeira abaixo” que afectaram uma albufeira para abeberamento de gado.

Estas são as consequências “inevitáveis” do desenvolvimento, sustenta o porta-voz da empresa, garantindo que o que sai das chaminés da fábrica “mais bem preparada da península ibérica, é apenas vapor de água”.

A região “precisa de desenvolvimento económico”, diz, frisando que o bagaço de azeitona não pode ir para aterro e tem de ser transformado. As consequências para a qualidade de vida das pessoas são “o outro lado da moeda” sublinhando que “é impossível haver actividade económica sem impactes ambientais negativos”.

Em contrapartida, salienta, a fábrica dá emprego a 30 pessoas que vêm de fora do concelho de Ferreira do Alentejo, por não se conseguir arranjar gente na terra para trabalhar.

O deputado comunista João Ramos apresentou um requerimento na Assembleia da República onde questiona o Ministério da Economia se tem conhecimento da situação descrita, a que tipo de controlo tem sido sujeita a Tomsil e se esta unidade “cumpre as exigências a que é obrigada pela tipologia de actividade para a qual tem alvará”.

A população de Fortes já lançou uma petição pública contra a unidade industrial.

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