Exploração de petróleo coloca em risco candidatura de Sagres a Património da UNESCO

Direcção Regional da Cultura do Algarve, evocando os Descobrimentos, apresenta Sagres, Lagos e Silves a património imaterial da humanidade da UNESCO. O projecto insere-se numa constelação de nove “lugares da globalização”, constituindo uma rota cultural marítima.

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Nuno Ferreira Santos

A candidatura de Sagres a património imaterial da humanidade da UNESCO corre o risco de ficar bloqueada pelo avanço da pesquisa e exploração de petróleo ao largo da costa algarvia. A advertência parte do vice-presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (Amal), José Amarelinho, PS, — um dos autarcas em oposição, nesta matéria, à decisão do Governo. Nesta sexta-feira, na apresentação da candidatura do projecto, os responsáveis pela cultura regional informaram que o estudo desenvolvido assenta na criação de “uma rota cultural marítima”, envolvendo nove lugares da globalização — de Sagres aos Açores, passando por Ceuta e chegando a Cabo Verde.

A directora regional da cultura (DRC), Alexandra Gonçalves, falando na reunião do Conselho de Administração da Amal, adiantou que a candidatura recebeu já o parecer favorável das autoridades nacionais responsáveis pela classificação do património imaterial. “A candidatura vai cair por terra se o Governo não travar as licenças para a exploração do petróleo”, enfatizou José Amarelinho, também presidente da câmara de Aljezur. Alexandra Gonçalves rematou: “Por esse motivo, é importante, também, esta candidatura”. O processo conta com o apoio dos ministérios da Cultura e dos Negócios Estrangeiros. “Podemos estar aqui a trabalhar para coisa nenhuma”, acrescentou Amarelinho, fazendo um apelo para seja “sensibilizado o Governo”, no sentido de travar as licenças para pesquisa e exploração de hidrocarbonetos, entretanto, emitidas.

Sobre o passado e importância histórica da região, os investigadores destacam o período 1415 — 1460, altura em que os concelhos de Lagos, Vila do Bispo e Silves foram o “palco” dos Descobrimentos, com o Infante D. Henrique a representar o papel do “timoneiro” de um projecto que haveria de dar novos mundos ao mundo, inscrevendo Portugal no mapa da globalização.

Porém, o director de Serviços e Bens Culturais da DRC, Rui Parreira, lembrou que o sucesso da candidatura está ainda dependente do trabalho que vier a ser desempenhado pelos autarcas. “As ameaças não estão só na exploração dos hidrocarbonetos no mar, estão também ligadas aquilo que se passa em terra”, enfatizou. Em causa, explicou, está a preservação do núcleo urbano primitivo de Lagos, “a necessitar de uma política de reabilitação urbana”.

Por seu lado, Alexandra Gonçalves apelou aos autarcas para que se “encontre fontes de financiamento que garantam a continuação da investigação”. A comissão da UNESCO, disse, encontrou algumas fragilidades ao nível do conhecimento sobre a singularidade de Sagres, Lagos e Silves, para virem a ser considerados “lugares da globalização”. A ambição em obter este galardão vem desde 2002, quando a Região de Turismo do Algarve assumiu a responsabilidade da candidatura. O processo acabaria por ser abandonado e só foi retomado em 2013 pela direcção regional da cultura.

A importância da região algarvia, na época em que Portugal foi o “intérprete da mundialização” através dos Descobrimentos, foi um dos temas centrais da conferência, realizada na quinta-feira à noite, na Universidade do Algarve a propósito da celebração dos 750 anos do Tratado de Badajoz. Nesse período, salientou o medievalista Luís Oliveira, o “Reino do Algarve” passou a integrar a coroa portuguesa. Assim, página a página, foi-se escrevendo a história da região, vista em diferentes perspectivas.

O antigo “reino” algarvio, na altura sob o domínio de Afonso X, de Castela, chegava até Sevilha. Nos últimos anos, a abertura das fronteiras facilitou a reaproximação das terras do sul à vizinha Andaluzia e à Europa. Porém, a infra-estrutura que mais mudou a geografia da região foi a construção do aeroporto internacional de Faro, permitindo, actualmente, a vinda de cerca de 7,5 milhões de visitantes por ano. “Existe uma espécie de cultura de ressentimento em relação ao poder central — somos introspectivos, temos medo de aparecer”, observou a escritora Lídia Jorge, evocando a polémica de decisão da exploração de petróleo. “Alguém nos diz — vamos mudar de paradigma [trocar o turismo pelo petróleo] — e ficamos quietos e calados”, enfatizou.

“O Algarve pesa pouco politicamente”, disse o presidente da Associação Empresarial do Algarve — NERA, Vítor Neto preconiza a criação de uma Área Metropolitana na região, à semelhança do que existe em Lisboa e Porto. “Não acredito na descentralização da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) — só vem acrescentar burocracia”.

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