Este homem anda por Lisboa a contar árvores mortas. E já vai em mais de 680

Com este "protesto", o agrónomo Emanuel Sousa, que se fotografa junto a cada uma das árvores mortas, quer “mostrar a verdadeira realidade da gestão do património arbóreo e espaços verdes da cidade”.

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"As árvores são tratadas como se fossem de ferro, mas são seres vivos", critica o agrónomo Fábio Augusto

“Morta, morta, morta, morta. Aquela árvore está morta, esta árvore está morta, aquela está em vias de”, constata Emanuel Sousa, com o tom irritado de quem recusa conformar-se com aquilo que vê. Enquanto percorre as ruas e os caminhos do Rio Seco, na freguesia da Ajuda, o agrónomo vai apontando para algumas dezenas de árvores que foram plantadas pela Câmara de Lisboa e que, segundo afirma, não sobreviveram.

E este não é um caso único: ao longo do último mês, Emanuel Sousa tem vindo a publicar numa página no Facebook (intitulada “Menos Árvores, Menos Brasões, Obrigado Sá Fernandes”) fotografias de árvores que diz estarem mortas ou em estado “débil” e também, com menos frequência, de caldeiras vazias. O agrónomo de 26 anos fotografa-se em frente a cada uma delas, juntamente com um papel com um número, que corresponde à contagem das situações que já registou.

Esta quinta-feira, Emanuel Sousa publicou imagens de árvores que foram plantadas na Rua Professor Cid dos Santos, junto ao Pólo Universitário da Ajuda e ao Bairro 2 de Maio. Nos papéis que ostenta vêem-se os números 644, 645, 646, 647, 648, 649, 650, 651, 652, 653… Na sexta-feira repetiram-se as publicações, com mais fotografias tiradas nessa artéria e na vizinha Rua Ildefonso Borges, onde as caldeiras vazias são mais do que muitas. A contagem continua: 665, 666, 667, 668, 669, 670, 671, 672, 673, 674...  

Foi também essa a zona, designada por Rio Seco, que o agrónomo quis mostrar ao PÚBLICO para explicar o porquê desta sua iniciativa. A sua convicção é que em anos recentes foram feitas plantações “megalómanas” pela câmara, sem que tivesse ficado devidamente assegurada a sua manutenção. “As árvores são tratadas como se fossem de ferro, mas são seres vivos”, critica. 

Para Emanuel Sousa, os resultados daquilo que não hesita em considerar ser um caso de “negligência” e “uma calamidade” estão bem à vista. “Isto está a apodrecer. Não há hipótese”, diz enquanto descasca o tronco de um pinheiro. Noutras árvores há-de destacar a secura das folhas, a podridão do tronco, a existência de rachas e de feridas, de buracos de caruncho e de insectos vários.

“A maioria não tem recuperação possível”, lamenta o agrónomo, antecipando que a morte de muitos exemplares já “débeis” estará para breve: “se passa aqui uma doença limpa isto tudo”, constata, acrescentando que também “o frio do Inverno” irá fazer vítimas. 

Emanuel Sousa reconhece que sempre que há novas plantações há árvores que não sobrevivem, mas não consegue aceitar que percentagens de exemplares mortos tão altas como aquelas que tem encontrado em Lisboa. “Quando passa os 50% é incompetência”, afirma, responsabilizando directamente o vereador da Estrutura Verde, José Sá Fernandes.

Com este “protesto” que está a realizar através do Facebook, e que garante estar a receber muitos apoios de pessoas preocupadas com o mesmo tema, o agrónomo quer “mostrar a verdadeira realidade da gestão do património arbóreo e espaços verdes da cidade”. A sua expectativa é contribuir para “originar uma mudança de mentalidade”. 

Questionada sobre como vê o protesto deste cidadão, a Câmara de Lisboa respondeu ao PÚBLICO que “todas as iniciativas cidadãs, genuínas, não politizadas e sem personalizações são de saudar”.

A autarquia, que não nega o número divulgado até ao momento por Emanuel Sousa, frisa que “as árvores em meio urbano estão sujeitas a pressões que implicam muitas vezes a sua substituição” e que “em qualquer processo de plantação existe uma percentagem de árvores que não vinga”. Nas respostas do gabinete do vereador Sá Fernandes diz-se ainda que “Lisboa tem dezenas de milhares de árvores e arbustos” e que “só no ano passado foram plantadas em Lisboa mais de 20 mil árvores”.

Quanto ao caso concreto do Rio Seco, a câmara faz saber que “o empreiteiro já assumiu a responsabilidade pela plantação de novas árvores, uma vez que não terá assegurado a manutenção contratada”.

A luta de Emanuel Sousa começou em Junho deste ano. Na altura este cidadão tentou, sem sucesso, travar o abate de um choupo que existia na Avenida Fontes Pereira de Melo e que não resistiu às obras do Eixo Central.

Mais recentemente, o activista de 26 anos interveio numa reunião da Assembleia Municipal de Lisboa. Para cima do palco levou consigo uma árvore morta dentro de um vaso. “Isto é uma amostra do que se passou no Corredor Verde Oriental”, explicou, contando que o exemplar em causa foi deixado no futuro parque do Vale da Montanha assim, sem sequer ter sido plantado.

Questionado sobre esta situação, o gabinete do vereador Sá Fernandes respondeu que “a quantidade de árvores contratada e paga pela câmara foi efectivamente plantada”. “Quaisquer outras árvores serão da responsabilidade do empreiteiro”. 

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