O sonho é navegar até Mértola mas a luta contra a areia continua a ser adiada

Ao longo dos anos não faltaram promessas de tornar o Guadiana navegável entre Mértola e a foz. Agora, a obra é remetida para 2018 mas só entre Alcoutim e o Pomarão. E pelo caminho há areias contaminadas.

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O assoreamento do Guadiana impede a passagem dos barcos pedro cunha

Em Setembro de 1960, o navio Mértola, que fazia percursos para passageiros entre a vila com o mesmo nome e Vila Real de Santo António, realizava a sua última viagem. Mais tarde, em 1993, as carreiras fluviais entre Mértola e Vila Real de Santo António foram retomadas mas cedo se revelou ser difícil dar continuidade à navegação por força do assoreamento do rio Guadiana no troço entre Mértola e o antigo porto mineiro do Pomarão. Há anos que se promete devolver a navegabilidade ao rio mas, até agora, as areias continuam a impedir a passagem dos navios. E a solução continua adiada.

Para tentar resolver a situação, o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM) elaborou, em 2004, um estudo de navegabilidade do rio que previa avançar com algumas intervenções de desassoreamento do Guadiana “mas só em 2008”. Decorridos 16 anos, as populações ribeirinhas de Vila Real de Santo António, Castro Marim, Alcoutim e Mértola e os municípios da província espanhola de Huelva, San Silvestre de Guzmán, Sanlúcar de Guadiana, El Granado e Ayamonte continuam a aguardar que se possa navegar entre a foz do rio e Mértola.

Jorge Rosa, presidente da câmara de Mértola, adiantou ao PÚBLICO que “já foi aprovada” uma candidatura Interreg, em Abril passado, que “permitirá financiar em 75% o desenvolvimento do projecto para dragagens no troço do rio Guadiana entre Alcoutim e Pomarão, que terá um custo previsto de um milhão de euros”. A obra “será lançada no início de 2018”, referiu. Quanto ao troço entre Pomarão e Mértola, Jorge Rosa fez apenas referência ao levantamento topo-hidrográfico do leito do rio, que “também se iniciará em 2018”.  

O projecto de execução de dragagens no rio Guadiana já sofreu vários adiamentos desde 2004. Em resposta a um requerimento do grupo parlamentar do PCP, apresentado em 2009, o Ministério das Obras Públicas informou que a obra já não teria lugar em 2008 mas que “avançaria até final de 2010”. Em Fevereiro de 2012, o deputado do PCP, João Ramos, voltou a questionar o Governo. Recebeu como garantia que a obra seria executada em 2013 e que as dragagens teriam uma “duração aproximada de seis meses”. Não houve qualquer intervenção.

Entretanto, a Resolução da Assembleia da República 121/2013 vem determinar “dragagens da barra e dos canais de acesso aos portos de Faro, Portimão e Vila Real de Santo António e o reforço à navegabilidade até ao porto do Pomarão”. Até agora, apenas avançaram a dragagem na barra de Vila Real de Santo António que custou 850 mil euros e a abertura de um canal navegável no troço do rio entre Vila Real de Santo António e Alcoutim, que foi inaugrado no final de 2015. Esta última intervenção custou 600 mil euros e passou a permitir que o rio seja navegável, em segurança, 24 horas por dia, permitindo a circulação de embarcações com 70 metros de comprimento e 1,80 metros de calado entre as duas localidades algarvias.

O secretário de Estado do Mar da altura, Pedro do Ó Ramos, presente na cerimónia, assumiu que “depois de concluída a etapa entre Vila Real de Santo António e Alcoutim seria entregue, em Dezembro (de 2015), a candidatura para avançar com o processo que garantisse a navegabilidade no rio até ao Pomarão”.  

Neste sentido, foi apresentada no âmbito da cooperação transfronteiriça, uma candidatura para garantir essa intenção. No entanto, verificou-se que “a verba disponível no anterior quadro comunitário de apoio não era suficiente”, sublinhou, então, o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, David Santos. Foi necessário fazer uma nova candidatura, que prevê garantir que as embarcações consigam chegar ao Pomarão, através da dragagens e balizamento do canal, e que, segundo o autarca de Mértola, será concretizada no próximo ano.

Fica pendente a regularização do troço entre Pomarão e Mértola, que ainda não tem data anunciada até por se tratar do troço que apresenta maiores dificuldades. “Vai ser necessário fazer o desmonte de algumas rochas para permitir que navios com um 1,5 ou 1,6 metros de calado possam chegar a Mértola em período de maré alta ou intermédia”, assinala Jorge Rosa. Noutros pontos, prossegue o autarca, vai ter de se recorrer “à aplicação de jactos de água com pressão como se tratasse de uma cheia” para libertar os canais de navegação do excesso de sedimentos que se acumularam desde que Alqueva encerrou comportas em 2002. 

Contaminação do rio

Mas a intervenção vai encontrar ainda outra dificuldade. Na sequência do Estudo de Estudo de Impacte Ambiental (EIA) apresentado em 2011 para viabilizar o projecto de navegabilidade do Guadiana, prevê-se que seja retirada uma grande quantidade de dragados durante os trabalhos de desassoreamento do rio. Apesar do estudo prévio de navegabilidade do rio admitir a possibilidade de aproveitar ao máximo a profundidade natural do rio, desviando o traçado dos locais com fundos rochosos, o volume de materiais a extrair “rondará os 180 mil metros cúbicos”.

A maior parte (cerca de 107 mil metros cúbicos) será retirada do troço entre a ponte do Guadiana e Alcoutim. Os restantes 71 mil metros cúbicos serão extraídos do troço entre Alcoutim e o Pomarão.

Destes volumes, cerca de 133 mil metros cúbicos terão como destino o mar ou o reforço da costa junto à foz. “Os restantes 45 mil são, contudo, objecto de preocupação, já que poderão estar contaminados com arsénio”, libertados no leito do rio a partir do couto mineiro de S. Domingos, alerta o EIA.     

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