Defesa de Rui Patrício imortalizada em estátua para honrar emigrantes

Leiriense a viver em França há quase cinco décadas prometeu que, se Portugal derrotasse os franceses na final do Euro 2016, mandaria construir, em sua homenagem, uma estátua. É inaugurada esta segunda-feira.

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O dia ficou para a história. A 10 de Julho de 2016, a selecção de futebol portuguesa pisava o relvado do Stade de France, em Paris, para enfrentar a nação que recebia o campeonato europeu. Favorita à vitória, a selecção francesa tinha até já um autocarro com o título de “Campeões Europeus 2016” a circular. Mas o triste fado que Portugal havia arrastado até à final estava a terminar. O golo de Éder deu a vitória, mas o mérito do título foi de Rui Patrício. Pelo menos, é isso que pensa Carlos Matos, um empresário português, de 65 anos, que assistia ao jogo no estádio francês, ao lado do irmão, Vítor Matos. Daí à construção de uma estátua de Rui Patrício foi uma aposta. Até chegar à sua inauguração – esta segunda-feira – há uma história para compreender.

De quem manda erguer uma estátua em bronze de seis metros com cerca de quatro toneladas em honra de um jogador espera-se uma paixão futebolística à altura. Não é o caso. Carlos conta pelos dedos de uma mão o número total de vezes que foi a um estádio de futebol. “Há pessoas que gostam de sofrer. Eu não. Em casa posso mudar de canal e num estádio tenho de ficar ali”, justifica em conversa com o PÚBLICO.

Carlos nem tão pouco tem um clube ou é aficionado a alguma equipa em particular. “Vou acompanhando alguns jogos da selecção”, conta.

Os bilhetes para o jogo foram oferecidos por um amigo francês e os lugares eram no meio dos adeptos gauleses. “Calhou ser no meio dos franceses, mas estava bem situado”. A experiência de estar a assistir ao jogo contra o país onde está emigrado há 48 anos potenciou a emoção. Em conversa com o irmão, comentava o guarda-redes titular, Rui Patrício, com quem partilham a naturalidade leiriense. Foi quando viu a equipa das quinas mais “atrapalhada”, que Carlos Matos fez uma aposta com o irmão, que não seria mais do que uma promessa a si próprio. “Eu apostei que Portugal ganhava. O meu irmão dizia que perdia. Mas na realidade apostei contra mim próprio, porque não tinha nada a perder, só a ganhar. Mesmo que perdesse dinheiro, significaria que Portugal tinha vencido o título de campeão europeu e isso era uma vitória!”, explica. “Só tinha a perder se Portugal ganhasse. Mas desta vez gostei de perder”, confessa.

Portugal não só conseguiu como o gosto da vitória se prolonga até hoje, até porque “a França ficou traumatizada para sempre”, garante Carlos Matos. “O olhar dos franceses modificou-se no momento em que ganhámos o jogo e vai manter-se sempre assim”, acredita o emigrante. “Foi muito importante para as comunidades portuguesas que há décadas enfrentam desafios de integração”, aponta o empresário de 65 anos. "Os portugueses são muito olhados como se só existissem mulheres de limpeza, pedreiros e porteiros", num tom desprestigiante.

O simbolismo está perpetuado na defesa de Rui Patrício de um remate do francês, curiosamente lusodescendente, Antoine Griezmann. "Acho interessante que na estátua fique a defesa de um português a um também português. Ele é que, ao falhar, fez com que Portugal pudesse ganhar. No fundo, isto foi resolvido entre dois portugueses", considera o leiriense. Além disso, para Carlos, a posição de guarda-redes não tem o reconhecimento que lhe é merecido e elogiou a prestação do guarda-redes português na conquista do título. 

A ideia original colocava a estátua na aldeia Regueira de Pontes, de onde o guarda-redes é natural, mas o presidente da Câmara de Leiria, Raúl Castro, convenceu-o a mudar a morada para a zona desportiva da cidade, para que tivesse maior visibilidade. A fasquia aumentou e a altura também. O projecto, que inicialmente previa uma estátua de cerca de dois metros tornou-se mais ambicioso e demorou cinco meses a estar concluído. Sobre o seu valor – que suportou na totalidade – prefere guardar segredo. “É um gesto simbólico que não tem a ver com dinheiro, até porque a arte não se vê com o preço”, argumenta. A cerimónia de inauguração acontece esta segunda-feira, feriado municipal de Leiria e conta com a presença do presidente da Câmara e do guarda-redes homenageado.

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