Dê espacito

A oferta diminui, a procura nem por isso. Em Agosto, os jornalistas do PÚBLICO contam histórias das carreiras mais concorridas nos transportes de Lisboa.

Não é certamente por estar ao meu lado que a mulher italiana, dos seus trinta e tal anos, começa a abanar um mapa freneticamente para se refrescar. Os meus fracos poderes de sedução não conseguem competir com o calor quase insuportável que se sente a bordo do eléctrico 15 num dia de Agosto. Momentos antes de usar o mapa como leque, a passageira aproveitara um semáforo para mandar notícias lá para casa. Abriu o Whatsapp e escreveu à mamma, depois de tirar uma fotografia ao interior do veículo: “Le sardine”.

É um 15 dos grandes. Saiu da Praça da Figueira em direcção a Belém e, logo na paragem inicial, encheu completamente em menos de um minuto. Um turista espanhol até se espantou com esta velocidade (“Hostia, que rápido!” ), mas ainda não tinha visto nada. Uma pequena multidão ficou apeada na Praça do Comércio porque já só havia espaço para meia dúzia de passageiros e na paragem estavam mais de cinquenta pessoas. No Cais do Sodré o eléctrico nem sequer parou, havia muitas dezenas à espera de entrar.

A manhã ainda vai a meio, mas no 15 é hora de ponta. O veículo é exactamente o mesmo que, momentos antes, fizera uma calmíssima viagem no sentido Algés – Praça da Figueira. Pouca coisa digna de nota teve esse percurso, à excepção de um contratempo frequente em eléctricos. Presa fácil do zelo laboral de alguém, que, para não perder tempo no desempenho das suas tarefas, deixou o camião em segunda fila, o 15 esteve imobilizado uns dois minutos na Rua de Pedrouços. A adversidade foi ultrapassada facilmente, depois de umas quantas apitadelas e de braços no ar - uns a pedir respeito, os outros desculpa.

A chegada à Praça da Figueira, porém, já deixava adivinhar que vinha por aí confusão. O eléctrico abriu portas ainda a meio da Rua da Prata, num local onde não há paragem, convidando os passageiros mais apressados a sair logo ali. Revelou-se decisão acertada, pois à frente deste estavam mais quatro eléctricos. Feita a curva para a praça, logo se apresentou uma grande fila de pessoas a tentar apanhar um 12, enquanto alguns funcionários da Carris tentavam disciplinar os movimentos. Lá seguiu o trem, por supuesto cheiíssimo, mas a fila de gente não diminuiu.

Cheios também os restantes veículos, numa operação que demorou quase dez minutos para cada um deles, aparece por fim o 15 a espreitar à esquina da praça. Vem um funcionário da Carris informar, em línguas inglesa, castelhana e francesa, que não vale a pena esperar pelo eléctrico ali, ele só vai parar já na curva para a Rua dos Fanqueiros. E lá segue procissão para o sítio indicado. Uma mulher portuguesa passa, empurra algumas pessoas e desabafa: "C'mon..."

Ora eis-me agora com uma desconfortável proximidade à italiana acalorada, entalado entre ela, uma irrequieta criança espanhola e a máquina de validar bilhetes. O 15 galga a Rua da Junqueira, indiferente aos passageiros que nas paragens reclamam atenção, e alcança a terra prometida depois de provação tamanha. Quando as portas se abrem no Mosteiro dos Jerónimos, é como se estivéssemos no fim da Volta a França: há passageiros a arfar agarrados aos joelhos, outros sentam-se imediatamente no chão, um deles chega mesmo a atirar meio litro de água sobre a cabeça. Depois conto como foi apanhar o 728 para o PÚBLICO…

Esta é a primeira crónica da série semanal Agosto sobre Carris

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