Crianças e jovens de Beja brincam no topo de um silo abandonado com 40 metros de altura

A estrutura é propriedade municipal e está abandonada desde 1975. Presidente da câmara alega que o portão de acesso “está fechado a cadeado”, mas os jovens saltam o muro.

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Os mais novos saltam de cilindro em cilindro do velho silo, arriscando quedas inevitavelmente mortais DR

Não são de hoje os alertas sobre a presença de crianças e jovens no topo de um silo de cereais desactivado, construído nos anos 50 do século passado junto à estação ferroviária de Beja, na antiga unidade de moagem designada “Moinhos de Santa Iria” e que foi consumida por um incêndio em 1975. Em Abril de 2015, circulou na internet um vídeo com imagens de miúdos a correr e a saltar no topo dos cilindros de betão, aparentemente indiferentes ao risco de queda de uma altura de cerca de 40 metros. O assunto assumiu maiores dimensões depois de um jovem de 26 anos ter posto termo à vida lançando-se do alto do silo naquele mês. Passado pouco mais de um ano, uma nova tragédia voltou a colocar o assunto na ordem do dia.

O alarme social provocado pela projecção das imagens de 2015 e a associação que foi feita ao acto desesperado do jovem deixou apreensivo o vereador socialista José Velez, que, na altura, expressou a sua preocupação em reunião de câmara. O autarca chamou a atenção para o vídeo, sublinhando que as imagens “registavam miúdos a correrem no topo dos silos”, sublinhando ainda a decisão extrema do jovem que se atirara lá do alto. Por causa destes dois factos, o executivo municipal, de que fazia parte, “deveria tomar medidas e arranjar uma solução que impedisse o acesso das pessoas às instalações para evitar novas tragédias”, propondo que a autarquia “emparedasse portas e janelas” que dão acesso ao interior do silo, apelou José Velez.

O presidente da Câmara de Beja, João Rocha, alegou, então, que as instalações em causa “estão fechadas a cadeado” e que a situação “era difícil de controlar e de resolver”. No entanto entendia que quem colocou o vídeo na internet “deveria antes ter telefonado para a polícia”, avisando as autoridades para os riscos de acidente.

Decorrido pouco mais de um ano, no passado dia 3 de Setembro, o drama voltou a marcar os Moinhos de Santa Iria. Um homem de 34 anos colocou termo à vida, perante o olhar estarrecido e impotente de elementos PSP, bombeiros e de um familiar que não conseguiram demovê-lo de se lançar para a morte.

Este desfecho surge num contexto em tudo idêntico ao que já se verificou em Abril do ano passado. O espaço onde se encontram o silo e as instalações de moagem continua a ser devassado por jovens e crianças que escolhem o espaço para assumir actos “malucos”, lembrou ao PÚBLICO quem subiu uma “única vez” ao alto do silo para jurar que “nunca mais metia lá os pés”. Pedindo o anonimato, revela que frequentou o silo dos Moinhos de Santa Iria quando tinha 14 anos. Hoje tem 34. Confessa que é “uma perfeita loucura” subir ao topo do silo, lembrando-se do medo que sentiu quando espreitou a caixa do elevador, “um buraco que parecia não ter fundo”, recorda.

Chegados ao cimo do silo, formado por sete cilindros de betão, o desafio passava por saltar de uns para os outros. Não há notícia que qualquer consequência fatal, mas “há histórias de fazer calafrios” lembra B.M.

Decorridas duas décadas da experiência do então jovem, uma criança de 12 anos explicou ao PÚBLICO como se entra para o interior do recinto onde se encontram os Moinhos de Santa Iria e o silo. “[Num dos muros junto à rua da Lavoura], saltamos para cima dos dois caixotes (contentores) do lixo que estão encostados à parede, depois a gente sobe para a parede, desce e estamos lá dentro”. Apesar da discrição, garante que nunca subiu ao silo mas conhece outros miúdos que já o fizeram. Noutro ponto do muro que circunda a área do silo, junto ao parque de estacionamento instalado junto à estação ferroviária, há outro local por onde também se pode entrar.

Uma fonte da PSP de Beja explicou ao PÚBLICO que os agentes da corporação passam “com regularidade durante o dia” pelos Moinhos de Santa Iria e por vezes dão com o portão aberto. “Quando vemos crianças, actuamos ao mesmo tempo que alertamos a Câmara”, que tranca o portão de acesso ao local com três cadeados, conta. No entanto, “há moços que conseguem passar por entre as aberturas do portão ou por cima dele”, descreve a fonte da PSP.

O vereador José Velez voltou a colocar a questão em reunião do executivo municipal, realizada no dia 7 de Setembro, mas o presidente da Câmara repetiu o que dissera na reunião de Abril de 2015: “O espaço está fechado a cadeado”. Referindo-se ao acto desesperado que ocorreu pela segunda vez no espaço de pouco mais de um ano, o autarca sustenta: “Quando se quer fazer o que eles fizeram não há nada que os impeça”.

A solução está na “reutilização e requalificação da área afecta ao complexo dos Moinhos de Santa Iria”. Neste momento elabora-se o projecto de reformulação da rua da Lavoura, artéria que serve o espaço afecto aos Moinhos de Santa Iria. O presidente da Câmara realça as potencialidades que as instalações da unidade de moagem e o silo oferecem para neles instalar um empreendimento turístico. No entanto, e apesar de já ter sido avançada essa possibilidade, “até ao momento ainda não apareceu ninguém que assumisse esse compromisso”, adiantou João Rocha ao PÚBLICO.

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