Caldas da Rainha pretende voltar a ser uma cidade termal

Durante 530 anos o hospital termal das Caldas da Rainha foi do Estado. Agora é da autarquia.

Foto
Município exige que o hospital termal permaneça no Serviço Nacional de Saúde Pedro Cunha/Arquivo

Com poucos dias de exercício do novo governo e sem a presença de qualquer governante, a Câmara das Caldas da Rainha assinou com o Estado um acordo no qual este lhe cede durante 70 anos o Hospital Termal e durante 50 anos o património termal no qual pontificam os pavilhões do parque e o Parque D. Carlos I.

A cerimónia teve lugar no dia 2 de Dezembro nas Caldas da Rainha e representa para o Estado a assumpção de que é incapaz de gerir o seu próprio património, mesmo quando este tem um enorme potencial histórico, turístico, cultural e económico. O Hospital Termal foi fundado há 530 anos pela Rainha D. Leonor, tendo-se desde então mantido na esfera do Estado. Mas décadas de desinvestimento levaram a que os pavilhões do parque, construídos no século XIX por Rodrigo de Berquó, se deteriorassem e sejam hoje uma quase ruína. O próprio Parque D. Carlos I, verdadeiro ex libris da cidade, teve de ser salvo pela junta de freguesia local (que assumiu a sua manutenção) porque o Ministério da Saúde entendeu, durante o consulado de Paulo Macedo, que não tinha vocação para tratar dos patos, nem do lago nem das árvores.

Já o Hospital Termal definhou durante as últimas décadas também sob a tutelado Ministério da Saúde. Periodicamente aparecia-lhe legionella nas suas águas e os tratamentos eram suspensos. Periodicamente, também, gastavam-se milhares de euros em obras nas canalizações para corrigir o problema.

Culminando uma série de encerramentos temporários, o hospital fechou entre Julho de 2012 e Janeiro de 2013. Reabriu durante uns meses e voltou a fechar. Desde então Caldas (termas) da Rainha (D. Leonor) não voltou a ter o seu hospital termal.

Um município assumir um tão vasto património e, ainda por cima, responsabilizar-se por recuperá-lo, não é tarefa fácil. Por isso a oposição à maioria PSD da câmara não lhe facilitou a vida. O PS absteve-se e a CDU votou contra.

Rui Correia, vereador do PS, diz que este acordo foi “um acto de extorsão institucional” no qual os caldenses “encostados entre a espada e a parede, foram obrigados a aceitar um acordo desequilibrado”. E lamenta que tenha sido “assinado à pressa sem se saber qual a orientação que o novo governo socialista reserva para o termalismo da nossa terra”.

Tinta Ferreira, o presidente da Câmara (PSD), tem agora de cumprir o que assinou: investir 2,5 milhões de euros no parque e na mata nos próximos três anos e nove milhões de euros para recuperar os pavilhões do parque.

Para tal, a autarquia conta com os generosos fundos comunitários e com parcerias público privadas. O contrato que transfere o hospital termal e as termas para o município prevê que este último possa concessioná-los, coisa que o presidente da Câmara tenciona fazer, depois de abrir um concurso público. Os próprios pavilhões do parque também poderão ser cedidos a privados. A ideia é aproveitá-los para um hotel com spa e Tinta Ferreira sonha mesmo com milhares de termalistas na cidade. “Não é impossível chegar aos 10 mil, dada a nossa localização e a qualidade das nossas águas”, disse.

Esse optimismo levou as Caldas da Rainha a integrar – mesmo sem ter as termas a funcionar - a Associação Portuguesa de Termas de Portugal e a própria Rede Europeia de Cidades Históricas Termais.

Mas na cidade há quem tema, agora mais do que nunca, pelo futuro do termalismo caldense. Sendo certo que o Estado central se revelou incapaz de o dinamizar (e até o ajudou a afundar, por inércia), levantam-se dúvidas sobre a capacidade do município se auto-reconstruir enquanto cidade termal.

É que a prática das últimas três décadas foi exactamente a de abandonar tudo o que tinha valor histórico-termal e potenciar o betão e o cimento, tornando as Caldas da Rainha uma cidade igual a tantas outras. Sob os mandatos de Fernando Costa - um histórico do PSD que somou maiorias absolutas durante 27 anos -, a cidade cresceu de forma anárquica, destruindo o que tinha valor patrimonial e erguendo prédios encavalitados uns nos outros, sem qualquer visão estratégica. O município foi dos últimos a ter PDM em Portugal.

Nos últimos quatro anos foram gastos 10 milhões de euros num vasto programa de obras de regeneração urbana que tornaram a cidade mais aprazível. Mas esquecendo coisas óbvias como pistas para bicicletas e uma verdadeira aposta na recuperação do património histórico. Para se tornar um destino turístico-termal como as suas irmãs Vichy (França), Karlovy Vary (República Checa), Bath (Inglaterra) ou Baden Baden (Alemanha), Caldas da Rainha tem ainda um longo caminho a percorrer de valorização dos seus recursos endógenos.

Sugerir correcção
Comentar