Comércio de Brito Capelo entre a desilusão e o vislumbre de uma nova esperança

Ao longo dos anos, a principal rua comercial de Matosinhos foi perdendo o vigor. As opiniões dividem-se entre os comerciantes relativamente ao futuro. Apesar de um desalento generalizado, há quem acredite que a rua pode renovar-se. A autarquia diz estar empenhada em dar “um novo fôlego” à artéria.

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Durante décadas, a Rua de Brito Capelo foi uma zona comercial de referência em todo o Grande Porto
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Até há cerca de 20 anos, a Rua de Brito Capelo era a sala de visitas de Matosinhos. Zona comercial de referência em todo o Grande Porto, de passagem obrigatória para um passeio à tarde ou em noites de Verão, para espreitar as montras das lojas de pronto-a-vestir ou de calçado, que eram uma das suas imagens de marca. É assim que a recordam alguns dos comerciantes e moradores mais antigos, que presentemente não conseguem esconder alguma nostalgia ao falar de outros tempos em que o comércio na Brito Capelo vivia melhores dias.

São vários os motivos que encontram para o seu declínio. As sucessivas obras de intervenção que sofreu, a crise de 2009, a abertura dos grandes centros comerciais, ou a passagem do metro à superfície. Os motivos que referem para o adiamento da sua recuperação também são diversos. Há quem acredite que a autarquia os abandonou, quem aponte o dedo à falta de um entendimento entre os comerciantes, ou quem pura e simplesmente tenha decretado a capitulação do comércio tradicional.   

Não há dados oficiais relativamente ao número de lojas que encerraram actividade nos últimos anos, mas, de acordo com a Associação Empresarial do Concelho de Matosinhos (AECM), quem atravessar a rua desde a Casa Albano até ao mercado conta cerca de 20 estabelecimentos fechados, dos 112 que existem.

A rua, atravessada pelo metro que passa na faixa central, foi perdendo algumas das casas de referência, abrindo espaço para outlets de artigos de preço reduzido. Desde a parte da manhã até à hora do fecho da maioria das lojas, por volta das 19 horas, o maior aglomerado de pessoas que é possível avistar é o que se junta na paragem do metro que segue em direcção ao Porto, ou nas esplanadas de alguns cafés. Apesar da proximidade do novo Terminal de Cruzeiros, a presença de turistas é quase nula.   

A rua sofreu várias intervenções de requalificação ao longo dos tempos. Celeste Aboim, que mora em Brito Capelo há 53 anos, onde também já teve um estabelecimento, acompanhou essas mudanças e recorda aqueles que considera os momentos mais altos e mais baixos da história da rua que diz ser o “coração de Matosinhos”.

Há cerca de 40 anos, lembra-se de ver passar o eléctrico que circulava nas laterais da artéria, que no centro guardava espaço para os automóveis poderem estacionar em espinha. Celeste Aboim entende que este modelo, que durou até cerca de 20 anos atrás, quando a rua passou a pedonal, corresponde ao seu melhor período. A partir do momento em que o metro começou a circular, há 15 anos, uma exigência que foi feita pela maioria dos comerciantes, entende ter sido o momento que coincide com o “declínio” da rua. Nos anos que se seguiram até ao presente, afirma ter assistido a uma “descaracterização” da artéria, que foi “acumulando edifícios devolutos”, o que consequentemente lhe foi criando algum “sentimento de insegurança”, por ver cada vez menos pessoas a circular “a partir do momento em que o dia cai”, numa zona “cada vez menos iluminada”.

Ilídio Ramos, proprietário do pronto-a-vestir Kitanda desde há 41 anos, refere também a questão “da falta de iluminação” como um dos entraves para os comerciantes: “No Inverno, a partir das 18 horas, não se consegue ver a cara de quem passa no outro lado da rua”, o que faz com que “os potenciais clientes se afastem”. No entanto, assinala a entrada em funcionamento do NorteShopping, também em Matosinhos, como o ponto chave do “primeiro abanão” no comércio de Brito Capelo.

A “segunda machadada” refere ter sido a implementação do metro. Por altura do projecto, Ilídio Ramos, que na altura era director da Associação  Comercial de Matosinhos (ACM), actual AECM, diz ter havido alguma desconfiança por parte dos lojistas. Mas, após uma visita a Estrasburgo, para visitarem uma obra semelhante, os comerciantes ficaram “convencidos de que seria um sucesso”. Porém, Ilídio Ramos afirma que o projecto não foi posto em prática nos moldes em que foi prometido. De acordo com o ex-director da ACM, estava prevista a construção de uma pala contigua à linha do metro, para proteger os clientes da chuva, algo que “a Câmara mais tarde disse ser impraticável”.

Aos 84 anos, Ilídio Ramos considera-se, assim como aos outros comerciantes, “enganado e abandonado” pela autarquia, que diz nada ter feito para os ajudar. Neste momento, na Kitanda, que já teve nove funcionários, “fora os externos”, trabalha ele próprio, a sua esposa e uma funcionária. Juntos atendem “três ou quatro pessoas por dia”, mas há dias “em que não passa ninguém” numa loja que “nos seus tempos áureos formava filas nas caixas”.

Ilídio Ramos acredita que o seu negócio vai acabar, já que a sua descendência “não quer continuar”. Continua na loja “apenas por necessidade de juntar mais algum à reforma baixa” que o casal aufere. Para a Brito Capelo, não projecta “nada de bom”. Acredita que a “cidade está cortada ao meio, dividida pela Avenida da República”, e que a Câmara “está concentrada apenas no lado sul" dessa via, que “cresce cada vez mais”, enquanto “a parte que tem valor histórico está esquecida”.

Celeste Ribeiro, proprietária do pronto-a-vestir Soraya, uma das lojas mais emblemáticas de Brito Capelo que está prestes a encerrar, não subscreve esta tese. Acredita que essa “fronteira” foi criada “por uma questão de seguimento de ordem natural” da evolução da cidade, e defende que “essa visão limitada” pode ter sido “um problema desde o início” no diálogo entre os comerciantes e a Câmara.

Ainda que entenda que o processo de desenvolvimento da rua não tenha sido conduzido da melhor maneira pela autarquia, nomeadamente ao “sujeitar os comerciantes a obras sucessivas” e por não terem dado resposta “à inexistência de parques de estacionamento nas imediações durante muitos anos”, Celeste Ribeiro acredita que os clientes criaram outros hábitos de consumo.

A proprietária da loja com cerca de mil metros quadrados, que já teve oito funcionários e hoje conta só consigo e com o seu marido, acredita que o comércio tradicional é um modelo falido. No caso de Brito Capelo, acha que para voltar a ser o que era, a configuração da rua teria que voltar também à sua traça original, o que considera “impossível”. 

Paulo Ferreira, proprietário da Ferreira, confeitaria com oitenta anos de história, mas que na Brito Capelo está há 23, não tem uma visão tão catastrófica. Apesar de referir a existência de alguns erros por parte da Câmara, encontra na crise de 2009 a principal justificação para o declínio do comércio de rua no geral, que não poupou também a Brito Capelo. Ainda que a confeitaria continue com a mesma facturação de há 20 anos, “enquanto as despesas continuam a subir”, Paulo Ferreira tem uma visão mais optimista. Mas, para que a rua volte a ser uma “referência”, entende ser necessário deixar de se olhar para o passado e “enterrar alguns Velhos do Restelo”.

O comerciante considera que, à imagem do que aconteceu no Porto com as ruas de Santa Catarina, de Cedofeita ou das Flores, é urgente “criar uma nova identidade" para a via matosinhense, que está “completamente descaracterizada”. Para isso, entende ser necessário que os comerciantes se adaptem a novos modelos de negócio e que se trabalhe na modernização dos estabelecimentos. Nesse sentido, propõe que a Câmara “crie um empréstimo de juro baixo”. Só assim acredita ser possível chegar a uma resposta assente na diferenciação.

Paulo Ferreira propõe ainda que se aposte em actividades de animação de rua, para “captar a atenção dos turistas que saem no Terminal de Cruzeiros” e que, “neste momento, fogem logo para o Porto”, para que “gradualmente” a população local possa ser atraída a regressar. O proprietário da confeitaria afasta qualquer “teoria da conspiração contra a rua”, por entender que “a Câmara não tem qualquer interesse no atraso da Brito Capelo”.

O presidente da AECM, Fernando Sá Pereira, diz que a associação “anda em conversações com a Câmara há 10 anos”. Sublinha a disponibilidade do executivo actual por “finalmente” terem “prometido” avançar com a requalificação da Baixa da cidade, que incluirá a zona comercial de Brito Capelo, mas entende que “este tempo de espera pode ter sido nefasto”.

Espera “ansiosamente” que as obras comecem, no sentido de recuperar a motivação dos comerciantes que ainda estão na rua e de captar a atenção de novos negócios. Sá Pereira afirma continuar a acreditar no comércio de rua, mas para isso é “fulcral” que as ruas “se tornem atractivas e apelativas também em termos estéticos”. Em termos de imagem, crê ser fundamental a associação de Matosinhos à marca Porto. Apesar das “adversidades”, continua “esperançado em que a Brito Capelo recupere o vigor que já teve”.

Brito Capelo é prioridade para a autarquia

O vice-presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, Eduardo Pinheiro, responsável pelo pelouro da Regeneração Urbana, afirma que a requalificação da zona Norte da cidade, com especial atenção para a Rua de Brito Capelo, é uma prioridade para este mandato. Afasta qualquer ideia de tentativa de benefício da zona Sul, justificando que o seu desenvolvimento se deve, também, a uma maior facilidade de cativar o investimento por parte dos privados, por força da existência de edifícios com áreas maiores, abandonados pela indústria conserveira.

O autarca sublinha que o declínio do comércio tradicional é um problema transversal a todas as cidades e que a Câmara de Matosinhos não é alheia a essa realidade. Ainda assim, acredita, e diz ser essa "a intenção deste executivo”, que possa ser dado “um novo fôlego” à Brito Capelo. Nesse sentido, diz ter sido feito um investimento na área do estacionamento e que está a ser preparada uma intervenção na via, que considera ser a “zona comercial por excelência de Matosinhos”, com o objectivo de recuperar alguns edifícios devolutos, que só ainda não avançou “porque houve atrasos na atribuição de fundos europeus”.

À semelhança do que aconteceu no mercado municipal, “que foi requalificado”, Eduardo Pinheiro diz ser do interesse máximo da autarquia que o mesmo aconteça em Brito Capelo. No entanto, afirma haver uma “dificuldade acrescida” por se tratar de “edifícios privados". O responsável autárquico refere haver disponibilidade para o diálogo e acrescenta ser seu desejo que haja um entendimento entre os comerciantes e a Câmara, para que “tanto a cidade como eles próprios possam beneficiar com isso”. Nesse sentido, ainda que entenda justificável que “quando o negócio não está a funcionar possa existir algum descontentamento”, apela a um discurso "mais optimista”, com a finalidade de “uma melhor promoção da zona”.

Eduardo Pinheiro diz, no entanto, estar fora de questão qualquer obra de alteração ao projecto do metro, noutros moldes que não sejam os que hoje existem.

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