Câmara de Monchique ensina a salvar os patudos das chamas dos incêndios

A ideia de que os animais, quando acossados pelo fogo, se salvam por si só quando são soltos nem sempre é verdadeira. No último incêndio de Monchique não houve vítimas porque foi posto em prática um plano de protecção animal.

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Adriano Miranda

A serra de Monchique voltou a arder, há duas semanas. Porém, desta vez, os animais domésticos não saíram queimados. “Nem uma galinha se chamuscou”, diz o presidente da Câmara, Rui André, destacando que o facto se deveu ao plano “animal seguro” — um programa com um conjunto de medidas preventivas que foram levadas a cabo durante o ano e que agora se coroou com êxito. Nos grandes incêndios de 2003/2004, recorda, a situação foi dramática: “Uma loucura, centenas de animais perderam a vida”, enfatiza. Há duas semanas arderam cerca 3500 hectares de mato e floresta nos concelhos de Monchique e Portimão mas já não houve vítimas de quatro patas a registar.

As histórias dos fogos e do eucaliptal de Monchique, plantado ao sabor dos interesses privados, fazem parte do ADN de um território que se habituou a viver com o perigo das chamas. Este concelho do interior algarvio tem uma particularidade: é povoado por uma comunidade de estrangeiros que representa 20% (cerca de mil) do total da população, com outros hábitos e culturas diferentes dos autóctones. Por isso, foi a eles a quem a autarquia se dirigiu em primeiro lugar quando quis dar a conhecer o “Programa Animal Seguro”.

A sessão de esclarecimento sobre as medidas preventivas a tomar para salvar o cão e o gato e outros animais de estimação em caso de incêndio decorreu a meio do ano no antigo casino das Caldas de Monchique. A iniciativa foi recebida com tanto entusiasmo que, ali mesmo, Rui André teve a ideia de desenvolver um “Programa Animal Seguro”, extensivo a toda a população, e que fosse ao mesmo tempo uma espécie de plano global para salvar pessoas e animais. “Os estrangeiros têm uma relação especial com os animais e corresponderam com muito agrado à nossa proposta”. Assim, nas capelas, cafés ou juntas de freguesia, qualquer lugar público serviu de palco para a GNR, bombeiros e técnicos municipais explicarem como se podia evitar o flagelo dos incêndios e que medidas deveriam ser tomadas para defender vidas e bens. 

A ideia de que os animais lançados em liberdade salvam-se só por si nem sempre é verdade. Muitas vezes, diz Rui André, “encontram a morte e tornam-se meios de propagação de novos incêndios”. No carro da presidência, o autarca transporta ainda hoje duas máscaras de oxigénio — uma para cães, outra para gatos — usadas pelos serviços municipais de veterinária. Graças à aplicação do programa “Animal Seguro”, sublinha, foram só resgatados quatro cães e dois gatos durante os fogos deste Verão. “As pessoas estavam informadas e tomaram todas as medidas preventivas antes do perigo lhes bater à porta”, justifica

“Socorro a cães e gatos”

Há uma semana, Richard voltou ao contacto com o seu cão Pudy depois de uma ausência de cerca de uma semana. O animal foi levado para o “abrigo municipal”, onde esteve a ser tratado, depois do susto que apanhou quando as chamas se aproximaram da casa do dono. À ordem dada pelas autoridades de abandono da habitação em perigo, lembra Rui André, “Richard (com mobilidade reduzida) respondeu com uma exigência: o cão tinha de o acompanhar”. O reencontro dos dois amigos, contou ao PÚBLICO José Manuel, o guarda do abrigo, “foi comovente, notava-se uma grande ligação entre eles”. Nesse local de protecção, criado pela autarquia, encontram-se mais dois cães, resgatados durante o fogo, a aguardar que os vão buscar. Quando os animais chegaram, diz o tratador, “só tinham pele e osso”. Agora, com o pelo a brilhar, são eles quem cuida do parque de máquinas da autarquia.

Na corporação dos Bombeiros Voluntários de Monchique, quatro elementos — três mulheres e um homem — receberem formação para ministrar o Suporte de Vida Básico a cães e gatos em caso de incêndio ou quando há um acidente. “Cada vez mais as pessoas viajam acompanhadas dos seus animais de estimação”, diz Carina Luís, com 16 anos de profissão. “Felizmente ainda não foi preciso pôr em prática o que aprendi”, diz a oficial. Para que a corporação possa melhor desempenhar essa função, Rui André avança uma promessa: “Vamos comprar mais máscaras para animais”.

“Vamos também promover um curso de sapadores para os moradores se puderem defender e ajudar os bombeiros em caso de necessidade”, anuncia ainda a câmara, adiantando que existe também a opção para fazer formação apenas em evacuação ou auto-defesa. “São as pessoas que escolhem, de acordo com as necessidades e capacidades”.

Floresta sem controlo 

Por outro lado, a limpeza das matas, acessos e ordenamento das zonas florestais, continuam a ser áreas de conflito nesta região fustigada pelos incêndios. A fiscalização sobre o cumprimento da legislação que existe sobre essa matéria, está sob a tutela da GNR desde há dois anos. A aplicação das medidas preventivas contra fogos, nomeadamente a exigência de obrigar os proprietários a limpar o mato numa faixa de 50 metros em volta das habitações, tem contado com algumas oposições. “As pessoas, a princípio, não aceitaram bem a presença da GNR, sobretudo quando eram levantados autos por incumprimento das normas”. Porém, o autarca considera que essa fase está ultrapassada. “Hoje existe uma boa aceitação para a presença da autoridade no território”. 

Por outro lado, reivindica do poder central mais poderes em termos de ordenamento florestal “A câmara é responsável pela administração do território, mas cada qual planta eucaliptos e faz os cortes a seu belo prazer”. Muitas das empresas de madeireiros, acrescenta Sónia Martinho, silvicultora, “trabalham com alvarás de jardinagem, não respeitando as boas práticas florestais, que deveriam ser exigidas”. O único instrumento que o município tem para actuar neste domínio, sublinha o autarca, é “proibir a circulação dos camiões, de 60 toneladas, nas estradas municipais”. 

A autarquia queixa-se que não tem forma de “intervir numa actividade que funciona sem qualquer controlo, coexistindo com outras actividades que ganham cada vez mais importância, como é o caso do turismo da natureza”. Nos últimos dois anos, o concelho registou 65 unidades de turismo rural.

Correspondendo a uma reivindicação autárquica, o governo lançou um concurso para construir em Monchique uma estação de biomassa. A empresa vencedora foi a EDP, mas decorridas mais de uma dezena de anos, continua para concretizar o projecto. Rui André critica o impasse: “Nem a eléctrica nacional constrói, nem o Governo reverte o concursopara abrir a porta a outros potenciais interessados”. Na tentativa de desbloquear a situação, o autarca diz ter contactado a eléctrica nacional e a resposta que obteve deixou-o decepcionado: “A produção de energia através da biomassa sai mais cara do que através do painéis solares ou eólica, então dizem que não vão por aí”. O projecto englobaria os concelhos Silves, Monchique e Odemira.

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