Câmara da Moita levantou ossadas e lançou-as numa vala comum

Ossos foram retirados de gavetões sem conhecimento dos familiares. Um já apresentou queixa no Ministério Público por profanação de cadáver. Autarquia confirma “erro” e abriu inquérito aos serviços municipais.

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Os familiares só descobriram o acontecido quando, em visita ao cemitério, encontraram os gavetões vazios DR
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Várias ossadas foram irregularmente retiradas de gavetões no novo Cemitério Municipal da Moita, em Pinhal do Forno, e as famílias estão agora sem saber onde se encontram os restos mortais dos seus falecidos. Fala-se em cerca de uma dezena de casos mas a Câmara da Moita garante que são apenas quatro. 

Uma das pessoas afectadas apresentou queixa ao Ministério Público, há duas semanas, contra a Câmara Municipal da Moita, que tutela o cemitério. “Apresentei queixa contra a câmara, nas pessoas do presidente e do vereador do pelouro, e contra a directora de departamento, a encarregada e os coveiros, que são todas as pessoas responsáveis na matéria ou que têm directamente a ver com a situação”, disse ao PÚBLICO Inácio Francisco.

O munícipe conta que deu pela falta dos ossos do pai quando se deslocou ao cemitério, há dias, e constatou que o gavetão se encontrava vazio. Estranhou, porque não decorreu ainda um ano que as ossadas tinham sido colocados no local e ainda não lhe tinha sido enviada qualquer notificação para pagar a taxa do novo período anual.

Inácio Francisco chegou à conclusão de que “retiraram as ossadas que não deviam retirar, sem notificarem as famílias” e que está em causa um crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, uma vez que, diz, “o conceito de cadáver acolhido no tipo penal do artigo 254º do Código Penal, mormente na al. a) do seu nº1, abrange todos os despojos de uma pessoa falecida, mesmo que reduzidos ao esqueleto ou ossadas, e está fixada jurisprudência nesse sentido”.

Este familiar defende que “as pessoas responsáveis devem ser punidas exemplarmente, porque se não sabem o que fazem, nem imaginam os danos irreparáveis, que causaram aos lesados” e assegura que vai pedir uma indemnização.

“Não preciso do dinheiro deles, mas feriram-me na alma e no espírito, e tive várias despesas, com taxas e coisas que comprei para colocar no cemitério”, diz, acrescentando que vai, por isso, constituir-se assistente no processo, juntamente com a mãe, logo que o Ministério Público conclua o inquérito e deduza acusação. 

Uma outra família está também a pensar apresentar queixa por caso idêntico.

Margarida Andrade, e as duas irmãs, depararam-se também com o desaparecimento das ossadas do pai. “A minha irmã, no dia em que foi ao cemitério e descobriu que não estavam lá os ossos do meu pai, veio de lá enervadíssima, só se acalmou com água com açucar”, disse ao PÚBLICO.

As ossadas estavam no gavetão também há menos de um ano e a família não recebeu qualquer notificação da autarquia. “O meu pai estava no gavetão há 11 meses, ainda não completou um ano e a minha irmã até já tinha ido perguntar quando poderíamos fazer o próximo pagamento”, refere Margarida Andrade.

Neste caso a família já conseguiu falar com a Câmara Municipal da Moita sobre o assunto. A irmã de Margarida Andrade reuniu com o presidente, Rui Garcia, e com o vereador Miguel Canudo.

“Pediram imensas desculpas, disseram que foi um erro humano, que os ossos do nosso pai estão perdidos para sempre e que dentro de três semanas nos dizem mais qualquer coisa”, relata Margarida Andrade. Segundo esta fonte são pelo menos dez o número de casos de ossadas desaparecidas, e os autarcas mostraram os processos, na reunião que tiveram com a irmã.

Ao que o PÚBLICO apurou, as ossadas desaparecidas terão sido depositadas numa campa comum, uma campa mais funda do que as sepulturas normais, em que são habitualmente depositados os ossos não reclamados do cemitério. Ou seja, as ossadas cuja guarda em gavetões não está paga e cujos prazos e procedimentos legais, designadamente notificações à família, foram concluídos.

Contactada pelo PÚBLICO, a Câmara Municipal da Moita “confirmou” o desaparecimento de “uma urna de um ossário”, no final de Janeiro, e que desencadeou “de imediato” um “processo de averiguações” tendo “os factos já apurados” revelado que “ocorreu, no final do ano passado, uma acção indevida dos serviços municipais que procederam à remoção de quatro ossários que estavam devidamente ocupados”.

Em nota enviada ontem à tarde, a autarquia informa que “está em curso um inquérito aos serviços responsáveis” e que “foi, entretanto, efectuada uma verificação da totalidade dos ossários dos cemitérios municipais”.

“Perante este erro, além do apuramento completo das suas causas e circunstâncias, que está a decorrer, a Câmara Municipal lamenta o sucedido e apresenta as necessárias desculpas aos afectados e informa que irá proceder à reposição da situação original.”, conclui a autarquia no mesmo documento.

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