“Bonito está”, mas está o Saldanha preparado para não ter carros?

Durante nove meses, o eixo central lisboeta esteve envolto em tapumes, vias cortadas e circulação entupida. Obras terminadas, o trânsito volta a fluir entre Marquês e Entrecampos.

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As obras na Praça Duque de Saldanha terminaram? “Que alívio”, diz Paula Pereira. Não sabe quando tempo mais aguentaria de porta aberta com pedras e entulho das obras a acumularem-se em frente à loja. Foram nove longos meses para quem trabalha nas laterais da praça, cuja intervenção a Câmara de Lisboa dá como terminada este domingo. Retiraram-se esta quinta e sexta-feira o que restava dos tapumes de últimas obras no eixo central lisboeta, que liga o Marquês a Entrecampos, pelas avenidas Fontes Pereira de Melo e da República.

Hoje o eixo central, uma das principais vias rodoviárias de Lisboa, tem passeios mais largos e ciclovias em ambos os sentidos e é propósito da autarquia que haja menos automóveis a circular nesta zona da cidade. A nortear esta intervenção esteve também o aumento das zonas verdes e da segurança rodoviária.

Antes das obras havia uma espécie de acordo entre clientes e comerciantes do Saldanha e Paula acredita que vai custar deixar esse “conforto”. À sua porta tinha estacionamento e havia sempre quem parasse em segunda-fila para dar uma corridinha à loja. Agora, o passeio estende-se até à estrada e o olhar atento das autoridades não dá hipótese a uns cinco minutos de paragem. Até que ponto isso vai afectar a loja, “não se sabe”, o que a deixa apreensiva.

Na quinta-feira, do balcão da loja, olha para um movimento que já estranhava, habituada a ver nos últimos meses “as pessoas a andar à toa.” Agora andam sem paragens por passeios largos, rectos, ladeados por árvores acabadas de plantar. Há relva e bancos nesta “nova praça do Saldanha”, como anuncia o cartaz junto ao Atrium.

“Bonito está. Para as pessoas circularem está muito bem. Agora no futuro como isto vai funcionar?” Paula acredita que há uma grande possibilidade dos clientes perderem o interesse em vir ao Saldanha. Com a perda de cerca de 60 lugares de estacionamento na zona, segundo os últimos números da autarquia, estão prontos para deixar o carro? “Não. O cliente queixa-se. Esta via vai ser mais para circular, do que para parar."

Antes de ser o dono do quiosque da praça, Carlos Pinto, contava pelos dedos o número de vezes que tinha vindo ao Saldanha. “Aqui não há nada para ver. Não é um sítio onde as pessoas venham passear. É trabalho.” Numa zona com muitos escritórios acha que “tirar os carros foi o maior erro”. O objectivo é tornar o Saldanha num espaço com "esplanadas e jardins", disse Fernando Medina, no início das obras. Carlos, a trabalhar ali há oito anos, não acredita que a praça consiga concorrer com "espaços mais bonitos, mais históricos, e que têm estacionamento.”

A dada altura, durante as obras, “parecia que estava numa ilha." Grades de um lado, grades do outro. "Mas agora não melhorou muito.” Deixou de estar à beira do metropolitano e mudou-se para uns metros mais à frente, de costas para a estrada. No lugar onde durante 40 anos esteve este quiosque, vai ser colocado um outro “de comida e bebida”.

Carlos perdeu metade dos "clientes de todos os dias”, como os mais de 50 taxistas que paravam junto ao quiosque. Agora a praça de táxis está na Avenida da Praia da Vitória, perpendicular à praça do Saldanha e "[os taxistas] não chegam aqui sequer. As pessoas passam mas já estão aviadas.” Ninguém pode parar para ir buscar o jornal, fica “limitado a quem trabalha aqui.” 

E dessas “só uma percentagem mínima ficou contente com esta obra”, reitera, acrescentando que conhece vários negócios que mudaram para outras zonas. “Ficou muito bonito mas é para quem passa”, afirma.

Junto a uma das entradas do metro, Tânia Godinho está ao balcão de uma loja de roupa. Como trabalha ao ritmo dos utilizadores do metro, não sentiu a mínima influência das obras. “Cá em baixo não fomos tão prejudicados”, acrescenta.

Mário Pereira, a trabalhar num restaurante na Avenida Duque de Ávila, queria poder dizer o mesmo. Cada vez passam menos pessoas por esta perpendicular à Avenida da República, o que se “nota bastante” na afluência de clientes, principalmente em horas como esta, de almoço. "As pessoas acabam por fugir para outros lados da cidade onde seja mais fácil para se desenrascarem" a encontrar estacionamento, acredita.

Nova visão de cidade

Pedro Santana não acredita que a cidade esteja preparada para um modelo que privilegie os transportes públicos, por não haver, ao mesmo tempo, “mudança de mentalidade”. Ao contrário da maioria dos colegas, para Pedro a deslocação da praça de táxis para uma avenida lateral não altera em nada o seu trabalho. Não é verdade que a comunicação por rádio e internet funcionam em qualquer lugar na cidade? “As pessoas são animais de hábitos. E a maioria dos taxistas criou o hábito de fazer praça na rotunda. Lisboa está a modificar-se e não é a cidade que tem que se adaptar a nós”, defende.

Aplica o mesmo princípio a quem se desloca para trabalhar em Lisboa e “insiste em trazer, cada qual, o seu carro.” E por isso estas obras não trarão menos ruído e mais conforto, como era objectivo da autarquia, acredita. “As pessoas continuam a trazer os carros. Só que agora as obras vieram afunilar mais, em vez de fluírem ficam mais tempo parados a trabalhar”, sublinha.

Às 13h, o trânsito flui normalmente no eixo central e nada faz prever o “pára-arranca” que Pedro apanha em hora de ponta. “A câmara só conseguia estrangular o trânsito por completo se fizesse como em Londres: taxar a entrada no centro da cidade”, é a sua proposta. Se se somasse a obrigatoriedade de fazer cargas e descargas durante a noite, “estas obras no eixo central realmente fariam sentido.” 

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