Autarcas do Algarve recusam “chantagem” do Governo para privatizar o sector das águas

Os fundos comunitários só chegam às câmaras para modernizar a rede de distribuição de águas se eles se agregarem, numa única empresa. Fusão à força, nem pensar, dizem os autarcas.

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“Não podemos abrir caminho à privatização do sector” das águas, receiam os autarcas Rita França

Os autarcas algarvios recusam harmonizar o preço das tarifas da água, receando que esteja em marcha a privatização do sector. O que lhes foi sugerido pelo secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, dizem, foi cederem a gestão da rede de distribuição de águas em baixa à empresa “Águas do Algarve” a troco do acesso ao pacote dos fundos comunitários. Em causa estão milhões de investimento para substituir condutas obsoletas, algumas com quase meio século. “Cheira-me a chantagem”, denunciou, nesta segunda-feira, o presidente da câmara de Faro, Rogério Bacalhau, PSD, durante a reunião extraordinária da Comunidade Intermunicipal do Algarve- Amal, convocada para discutir a polémica questão – bens públicos são melhor geridos por privados?

Carlos Martins (ex-administrador das Águas do Algarve) reuniu com a Amal, há cerca de um mês, defendendo a necessidade de ser feito um estudo para avaliar a eficácia da distribuição de água. Pelo meio, afirmou o presidente da Amal, Jorge Botelho, deixou um recado: “ É necessário harmonizar as tarifas e criar escala na gestão, agregando todos os municípios - só assim haverá dinheiro de fundos comunitários”. A proposta, agora analisada do ponto de vista político, é rejeitada pelos municípios. As câmaras aceitam juntar-se para melhor gerir as redes, disse, se a tal não forem obrigadas. “Não admitimos a chantagem”, sublinhou o autarca de Loulé, Vítor Aleixo, PS, acrescentando que já viu “este filme”, aquando da construção dos aterros sanitários, que acabaram por geridos pelo sector privado, e na venda da EDP. Por outro lado, reconheceu, o preço da água vai ter que continuar a ser variável de concelho para concelho, porque as realidades são diferentes.

Por seu lado, a autarca de Portimão, Isilda Gomes, PS (vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses - ANMP) afirmou: “ A nível da ANMP, a questão já foi levantada, e comunicada ao senhor ministro do Ambiente – não aceitamos a privatização”. No mesmo sentido, Jorge Botelho, reivindicou: “Queremos ter nas Águas do Algarve um administrador executivo, não queremos fazer apenas figura de pessoas simpáticas”. Aleixo concluiu: “Não podemos abrir caminho à privatização deste sector”. Aliás, recordou, “a privatização da água era um dos pontos da agenda do anterior governo”. Uma empresa privada, disse o social-democrata Rui André, presidente de Monchique, “nunca iria colocar água numa aldeia com meia dúzia de pessoas, porque isso não é rentável”. Porém, reclama a necessidade de manter a esperança de vida nos territórios de baixa densidade, nem para isso haja um preço suplementar a pagar em infra-estruturas públicas.

O presidente de Olhão, António Pina, PS, vai mais longe nas críticas à proposta de Carlos Martins: “Lanço um desafio à Amal, devíamos adquirir a maioria do capital das Águas do Algarve”. A questão ficou em aberto, com a sugestão de que o assunto deveria ser retomado, após as eleições autárquicas. Em relação à empresa que recolhe e trata os resíduos sólidos urbanos – Algar, acrescentou, “ devíamos estudar, também, a hipótese de criar uma outra empresa, e quando acabar a concessão com esta, avançamos ”. Na passada sexta-feira, na reunião da assembleia-geral da Algar, gerida por privados, os autarcas, criticaram a falta de investimentos. Os lucros da empresa andam na ordem dos seis milhões de euros/ano.

A autarca de Silves, Rosa Palma, CDU, comentou: “Lamento que não se tenha feito transparecer ao secretário de Estado [Carlos Martins], o que estamos agora a dizer – estamos contra esta proposta”. A questão de fundo, observou Rui André, é que a empresa Águas do Algarve sabe que são precisos muitos milhões para renovar uma “rede de águas obsoleta, com 40 a 50 anos – é isso que o estudo vai pôr a nu”. Por outro lado, admitiu, “há câmaras que cobram a água aos munícipes, mas não pagam à empresa Águas do Algarve [que fornece]”. A câmara de Vila Real de Stº António figura como um dos maiores devedores.

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