Tudo começa com as startups. Mas depois é preciso dar-lhes escala

Empreendedores, mentores, criadores, investidores. Estão todos juntos na segunda edição da Semana Start& Scale, organizado pela Câmara do Porto. O pontapé de saída foi dado na ANJE, que fala de um “ecossistema muito apetecível”

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Rita Franca

Quando Mariana Gomes subiu ao palco, num final de tarde de um dia comprido, sabia que tinha pouco tempo. Ela seria a primeira, seguir-se-iam mais nove casos que, tal como o dela, seriam apresentados, pela primeira vez, a uma plateia de pontenciais investidores. Mariana foi apresentar a Flatcrasher, uma ideia que já tem uma materialização física, isto é, um site no interminável mundo da web. Agora precisa de tudo o resto. De arranjar clientes, potenciar transacções, ganhar dinheiro com isso.

Mariana ocupa os cinco minutos que lhe deram para explicar ao que vem, e como chegou até ali: uma experiência de viagem com as amigas pela Europa deu para perceber que as necessidades dos turistas não estão (ainda) todas resolvidas. Às vezes é preciso encontrar uma casa só para fazer uma refeição, tomar um duche, ter um bom acesso a um computador, dormir uma sesta. “Há destinos em que estamos menos de 24 horas, e os alojamentos obrigam sempre a uma diária. É muito caro”, explica. Por isso, a ideia foi perceber se haveria pessoas (residentes) interessados em abrir as portas de casa para rentabilizar os seus espaços, ao mesmo tempo que conhece outras pessoas. “Fizemos a landing page [página de internet] e promovemos a ideia pelo facebook. Em menos de 24 horas já tínhamos 20 anúncios na cidade do Porto”, relata entusiasmada. Agora a intenção — se conseguir os 400 mil euros que pede para desenvolver a ideia e investir em marketing — é levar o projecto a cidades como Lisboa, Barcelona, Madrid, Amesterdão.

A Flatcrasher é apenas um dos dez projectos que foram incubados no SPA — Startup Porto Accelerator, uma iniciativa da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) que, na terça-feira, lhes deu o primeiro palco depois de umas intensas sete semanas de trabalho. Foi durante mais uma sessão das We’Biz Talks, um evento que serviu como pontapé de saída — ou sessão de aquecimento — para o calendário preenchido de eventos que vai tomar conta da cidade do Porto já a partir de sábado até 3 de Junho. É a Start&Scale Week, organizada pelo segundo ano pela Câmara do Porto e que tem como objectivo juntar empreendedores, mentores, criadores, investidores.

Rafael Rocha, director da ANJE, quis sublinhar a sintonia que existe entre os dois organismos, empenhados em tirar partido do bom momento de “criatividade, inovação, talento e qualidade de infra-estruturas” no ecossistema do empreendedorismo em Portugal. “O Web Summit é só o culminar dessa realidade. Mas o trabalho tem vindo a ser feito todos os dias, por muita gente, e à escala nacional. E muito, também, no Porto, onde se nota que temos um ecossistema cada vez mais apetecível”, afirmou Rafael Rocha.

No diagnóstico elaborado pela ANJE ao empreendedorismo nacional, percebeu-se que o pilar em que há menos sustentabilidade é no acesso ao financiamento. “Há boas ideias, e bons projectos que precisam de ganhar escala. Nem todas podem ser Farfetchs, Venians ou Uniplaces, mas podem haver mais casos como estes. Que começaram, assim, num pitch apresentado numa ronda de financiamento de startups”; afirma. “Tudo começa com as startups. Mas depois é preciso dar-lhes escala”.

Mariana Gomes chegou ao fim do dia sem saber se o seu projecto iria ou não ser financiado. “Porque as coisas não são assim, como os formatos de televisão Dragon’s Den [ou Shark Tank, para usarmos um exemplo nacional] fazem crer. As coisas demoram, mas chegam ao seu curso”, tinha lembrado, momentos antes, Nicolaj Hojer Nielsen, um experiente business angel (nome dos investidores que apoiam as empresas no arranque dos projectos), numa comunicação em que tentou explicar às startups como é que poderão um dia captar a atenção dos investidores.

É com exemplos concretos de fracassos e de sucessos que quem está a começar mais pode aprender. Por isso, o desfile de oradores internacionais que passou pela We’Biz Talk prestou-se a isso. Foi possível ouvir um antigo director da Uber contar como fracassou a Química e isso foi importante, ou escutar uma das responsáveis da Accel Partners, uma relevante empresa de venture capital que nem sempre tudo corre bem, e o que é preciso para, depois, tudo se compor. Laura Grimmelmman contou que foi assim com a BlaBlaCar, foi assim com a SuperCell, que criou sucessos como o jogo Clash Royale, apenas duas das ideias em que a Accel já apostou o seu dinheiro. “Há muito boas ideias a surgir em Portugal. A Accel Partners está ansiosa por poder investir aqui”, avisou.

Yoram Wijngaarde, responsável da DealRoom, empresa que faz as análises dos investimentos em venture capital na Europa, deixou no palco da ANJE uma cenário ainda desolador do investimento em Portugal: uns escassos 4,3 euros por habitante, que podem ser comparados com os 77 euros conseguidos na Irlanda, os 59 euros da Finlândia ou os 49 euros no Reino Unido. “A boa notícia aqui é que há muita margem para crescer”, brincou Winjgaarde.

É tendo esse crescimento em perspectiva que a Câmara do Porto organiza a semana Start&Scale. Filipe Araújo, responsável pelos pelouros de Inovação e Ambiente, sublinha o “crescendo de interesses e de oportunidades” que a região do Porto está a proporcionar ao ecossistema de empreendedorismo nacional. “Este ano, a Star&Scale Week agregou um ainda maior numero de  parceiros e terá iniciativas dirigidas aos mais variados públicos. O objectivo é reforçar o papel da cidade do Porto como referência para o movimento de ScaleUp a nível nacional e internacional”, argumenta. Porque tudo começa com as startups. Mas depois é preciso dar-lhes escala.      

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