Fala-se em humanidade e também em praia para atrair 31 médicos ao Algarve

Um académico espanhol foi ensinar “o que é ser bom médico” numa região periférica mas onde há sol e praia, oferta suplementar de mil euros no ordenado, mas que nem assim consegue atrair clínicos.

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Um médico espanhol foi ao Algarve tentar cativar jovens médicos a permanecerem na região

O que é ser bom médico? Para responder a esta pergunta, um professor falou quatro horas seguidas, deixando um conselho: “A medicina não é só ciência, é também filosofia, ética e dignidade”. No Algarve, uma região onde há uma falta crónica de clínicos, Juan Gervás — académico espanhol, com larga experiência em saúde pública — foi dizer aos estudantes do Mestrado Integrado de Medicina (MIM) que, ao contrário do que tem sido a prática em Portugal, o “bom médico” pode estar na aldeia ligado ao mundo da ciência. Mais um argumento para ver se se consegue preencher as 31 vagas que serão objecto de um concurso a lançar brevemente.

A directora do curso de medicina da Universidade do Algarve (Ualg), Isabel Palmeirim, não podia estar mais de acordo em relação à necessidade de descentralizar as práticas médicas. “O problema da centralização dos médicos nas grandes cidades começa logo na centralização do ensino da medicina”, afirmou. Em declarações ao PÚBLICO, a investigadora defende que as instituições clássicas do ensino da medicina “poderiam ter um pouco menos de alunos, porque estão cheias, e a Ualg está em condições de poder aumentar”, sugere. Mas esta é uma questão, reconhece, para o Governo decidir. Os cerca de duas centenas de clínicos formados na Ualg desde há quatro anos não chegam para a procura na região — e, destes, uma percentagem significativa partiu para fazer carreira noutros pontos do país e no estrangeiro.

A Administração Regional de Saúde do Algarve, para colmatar as falhas mais gritantes, abriu concurso público, ainda não publicado, para preencher 31 vagas nos centros de saúde. O presidente da ARS, Paulo Morgado, adiantou que a oferta será conhecida “dentro de dias”, havendo ainda uma outra proposta para atrair profissionais de outras regiões com recurso à política da mobilidade. Do conjunto dos incentivos que estão previstos na lei, destaca os mil euros mensais de acréscimo ao vencimento base, mais as condições de preferência para colocação dos cônjuges e aumento dos dias de férias. Além disso, sugere, há um valor suplementar: bom ambiente e qualidade de vida, com praia e sol quase todo o ano.

Durante a conferência, realizada na Ualg na semana passada, Juan Gérvan procurou fazer sentir, aos 150 estudantes e jovens médicos de clínica geral, o prazer que lhe deu quando deixou Madrid para ir exercer medicina no interior. “No final da carreira, passei os últimos dez anos num pequeno povoado, com 400 habitantes, e lá senti-me muito feliz”, disse. No contacto directo com as pessoas e a natureza, despertou para outros valores. “Percebi que todos temos algo a ensinar e muito para aprender”. A humanidade, disse, “forja-se nessa relação de confiança entre o doente e o paciente, no respeito pelas pessoas”.

Juan Gervás, de 67 anos, fez carreira profissional ligado aos cuidados de saúde primários e colabora em várias universidades espanholas e americanas. Porém, o que este estudioso dá mais importância é à relação humana: “Temos de ter tempo para falar com o paciente e entender as suas queixas”. Marco Ferreira, médico de saúde pública em Quarteira, desabafou: “É isso que eu procuro fazer, ter tempo para estar com os pacientes”. A colega Andrea Roriz, no mesmo sentido, observou: “Quem não tem sentido humanista, não pode ser médico”. A clínica, boliviana, a prestar serviço na Unidade Saúde Familiar (USF) de Albufeira.

Ao fim de estar quatro horas consecutivas em palco, o professor fechou a aula com um convite já mais mundano: “O melhor é irmos tomar uma cervejinha”. Numa esplanada junto ao campus das Gambelas continuou a lição: “O médico não se pode deixar transformar em robot”, disse, contestando a maneira acrítica como, muitas vezes, são aplicadas normas pré-estabelecidas sem ter em atenção a situação particular do paciente. “Há doenças inventadas para favorecer os negócios da medicina”, denunciou. Por isso, elogiou a forma como é feita a abordagem do ensino da medicina deste curso da Ualg: “Excelente”, disse, referindo-se ao método pedagógico que se baseia em casos reais logo desde o primeiro ano. Nas candidaturas de acesso não contam só as notas: “Os estudantes têm de mostrar, também, o gosto e capacidade de comunicar com o doente, saber trabalhar em equipa e resolver problemas”, sublinhou Isabel Palmeirim.

A responsável acrescentou que esta semana decorre uma prova onde os futuros médicos se colocaram no papel de investigadores. Durante cinco semanas pararam as actividades lectivas e os estudantes foram para o laboratório. “O objectivo é diminuir o espaço que existe entre o médico e o investigador, que vivem separados — são dois mundos que não se falam, e essa barreira tem de ser esbatida”, defendeu. De resto, foi também essa uma das explicações dadas pelo Ministério da Saúde para criar o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), que ainda não se efectivou. O ministro Adalberto Campos Fernandes anunciou a criação do CHUA, como forma de potenciar a relação entre os hospitais de Faro e Portimão e o curso de medicina da Universidade do Algarve. 

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