Alcoutim: Ambientalistas alertam para impactos da central solar chinesa

Os turistas que percorrem a via Algarviana vão ter de caminhar entre as linhas de painéis solares, instalados na serra. A construção de um troço alternativo, reclamado pelos ambientalistas, não foi acatada.

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enric vives-rubio

As condicionantes impostas pelo Ambiente para autorizar a construção da uma mega central fotovoltaica em Alcoutim — com capacidade para produzir seis vezes mais do que o parque instalado da Amareleja — não vão ser cumpridas nos moldes reclamados pelos ambientalistas. A Declaração de Impacto Ambiental (DIA), emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), exige “soluções para integração paisagística da Via Algarviana [a rota que atravessa o Algarve de Alcoutim a Sagres, pelo interior], com vista à minimização dos impactes visuais sobre os utilizadores da mesma”. Os ambientalistas queriam um novo troço que evitasse a central porque, tal como os agentes económicos locais, receiam que o investimento venha a afastar os outros negócios para ali previstos: o novo mercado do turismo da natureza

Na opinião da associação ambientalista Almargem, o projecto da central fotovoltaica — a instalar na aldeia de Vaqueiros — só cumpre a DIA se for construído um troço alternativo da via Algarviana, no lugar em que atravessa a central: “Os turistas não vêm cá para admirar painéis solares”, diz Joaquim Mealha, sublinhando que a Almargem tem procurado, sem sucesso, contactar a empresa “Solara 4”,para saber o que vai ser feito em termos de medidas de minimização ambiental. Por outro lado, diz, “temos vindo a dialogar com a câmara de Alcoutim para conhecer até que ponto a empresa assume as suas responsabilidades ambientais”.

O presidente do município, Osvaldo Gonçalves, questionado pelo PÚBLICO, afirma esperar que a obra arranque nos primeiros dias de Maio, “tal como foi garantido”. Já no que diz respeito à marcação de troço alternativo, que implicaria colocar sinalética numa extensão de quatro a cinco quilómetros, enfatizou que “não está previsto a empresa assumir esses custos”. Por seu lado, o vice-presidente da Almargem, observa: “Estamos a falar de um custo que não deverá ultrapassar a dezena de milhar de euros, num investimento de 200 milhões. No entanto, o autarca garante que vão ser feitas “intervenções de modo a minimizar o impacte paisagístico” da instalação dos painéis fotovoltaicos. Ao que o ambientalista Joaquim Mealha, contrapõe: “As medidas para minimizar os impactes paisagísticos, se for cumprido o que diz a DIA, custam mais do que construir um troço alternativo da via Algarviana”. 

Na aldeia de Vaqueiros, Olga Ludovico, proprietária de um alojamento local, comenta: “Tenho muito receio que a central fotovoltaica venha colocar em causa a Via Algarviana”. Os turistas que visitam a zona, diz, “vêm cá para ver os campos floridos, não é para passar entre filas de painéis solares”. No mesmo sentido, o representante da empresa de Turismo Responsável ProactiveTur, João Ministro, destaca: “foi a Via Algarviana que abriu novos horizontes ao turismo algarvio — esta é a rota que proporciona novas experiências e aproximação das pessoas ao interior”. Por causa do impacto negativo provocado pela implantação de um parque de torres eólicas em Barão de São João (Lagos), acrescenta, teve “de anular a visita daquele troço da Via Algarviana — as pessoas queriam andar pelos trilhos, não pelo estradão que foi construído”.

Negócio da China

Tudo parecia correr na perfeição. No dia 1 de Março, quando se deslocou a Vaqueiros uma comitiva de empresários e governantes, foi dia de festa. O ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, numa tenda montada no meio da serra, salientou que o grupo liderado por Peng Shou iria promover no Algarve “o maior investimento que esta empresa está a fazer em todo o mundo”. Mas o mais significativo, sublinhou, é a mudança de paradigma na produção energética: “Este é o maior parque solar não subsidiado — e o primeiro de uma série de investimentos que esta empresa quer realizar em Portugal”.

Pen Shou, que chegou a Portugal vindo de Londres, reuniu nesse dia, de manhã, com o primeiro-ministro, António Costa. À tarde, deslocou-se à serra, onde o esperavam governantes e autarcas. Assistiu à projecção de um vídeo de promoção das actividades do grupo CTIEC — China Triumph International Engineering que, juntamente com a empresa WE Link, do Reino Unido, quer transformar o sol do Algarve em negócio.

O grupo propõe-se investir 200 milhões num parque com a capacidade para produzir energia solar suficiente para abastecer uma cidade de 130 mil habitantes, duas vezes o tamanho de Faro. A capacidade de produção instalada é de 220 megawatts (MW) — seis vezes mais do que parque existente na Amareleja. O presidente da Câmara, referindo-se à crónica falta da criação de novos postos de trabalho neste concelho, manifestou o seu “empenho” em ajudar a fixar o investimento.     

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