Agora, é a 2ª Circular…

Esta visão, em que Lisboa é tratada como um bairro residencial, é confrangedora

Continua a guerra da Câmara de Lisboa aos automobilistas! Foi a Baixa Pombalina, agora transformada num autêntico labirinto; depois foi a Frente Ribeirinha, com a avenida Ribeira das Naus a dar lugar a uma estreita rua, que encerra em vários períodos do ano; e depois foi a avenida da Liberdade com o tráfego completamente afunilado, com as dez vias originais agora reduzidas a três para os veículos particulares. Mais recentemente foi o Eixo Central (zona Saldanha-Picoas) que está sob a ameaça de sofrer fortes constrangimentos ao tráfego. Agora chegou a vez da 2ª Circular…

Não satisfeitos em derreter o dinheiro dos contribuintes na construção daquela inútil ponte pedonal junto ao Eixo Norte-Sul, um “aranhiço” sem qualidade arquitetónica e cuja construção perturbou a vida de centenas de milhares de automobilistas durante mais de um ano, agora ameaçam gastar mais uns milhões numa obra designada “Requalificação da 2ª Circular”, que tem em vista reduzir a sua capacidade de escoamento, reduzindo a velocidade do tráfego e a largura das vias, com a introdução de um separador central arborizado com 3 metros e meio.

Concebida no início dos anos 40 por Duarte Pacheco, na altura Presidente da Câmara e ministro das Obras Públicas, quando Lisboa mal chegava ao Campo Pequeno, a 2ª Circular é um dos elementos estruturantes do célebre PGUEL (Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa), de 1948, que consagrou o conceito da Lisboa das radiais e circulares, e a sua expansão para norte (Avenida de Roma, Alvalade, Olivais, etc) e enformou a cidade que temos hoje. Com pequenos ajustes, as grandes vias construídas em Lisboa nos últimos 50 anos, foram as previstas nesse plano.

Dada a limitação dos recursos financeiros, a 2ª Circular só começou contudo a ser construída no final dos anos 50, iniciando-se pelo troço Campo Grande- Benfica, inaugurado em 1961. Seguiu-se o troço do Campo Grande ao Aeroporto e depois até à entrada da cidade, no Prior Velho, já no início dos anos 70. O troço final, no Calhariz de Benfica, é já dos anos 90.

A 2ª Circular é hoje uma via importantíssima, essencial para a mobilidade na cidade, fazendo a ligação nascente-poente na zona norte e a distribuição para o interior, através das radiais. A intervenção prevista, além do gasto financeiro, significa criar dificuldades adicionais a quem já tem a vida difícil, os cidadãos que precisam de usar o automóvel na sua vida diária. Aquela via do que precisa, além de uma beneficiação geral, é da melhoria de algumas das entradas e saídas, como já em tempos sugeri à Câmara. Criar ali um corredor verde? Sim, mas não no meio da via, no alcatrão; pode (e deve) ser colocado nas bermas, que são muito largas e bem precisam de ser recuperadas.

Em termos de segurança, essa intervenção é, mesmo, um desastre. Com um separador tão largo e de fácil acesso, cria-se uma falsa sensação de segurança, que é um “convite” aos atravessamentos. Imagine-se uma solução destas em frente ao estádio da Luz, onde o atual separador, que está encimado por uma rede perfazendo uma altura total de 2 metros, e mesmo assim, é atravessado, como mostram as marcas que ostenta em vários sítios.

Quem são os responsáveis por mais este disparate? Naturalmente, o Presidente da Câmara e o seu séquito, onde sobressai o vereador José Sá Fernandes.

Um discreto advogado até há não muito tempo, Sá Fernandes tornou-se uma figura mediática há dez anos atrás, quando interpôs uma ação contra a Câmara de Lisboa (na altura presidida por Santana Lopes), por o Túnel do Marquês estar a ser construído sem estudo de impacto ambiental. É de notar que em mais nenhuma obra da Câmara (nem antes nem depois) houve estudo de Impacto Ambiental. A construção esteve embargada cerca de um ano, o estudo foi feito mas, como era previsível, não havia qualquer impacto negativo significativo. A obra pôde então ser concluída e é hoje uma mais-valia imprescindível na cidade. Perante isto pode-se perguntar se o referido cidadão não deveria ter sido instado a indemnizar a Câmara pelos milhões de euros que a obra custou a mais, ou, no mínimo, ter apresentado um pedido público de desculpas aos outros cidadãos pelos transtornos causados. Não, nada, e até teve um prémio: logo a seguir foi para vereador da Câmara, eleito pelo Bloco de Esquerda. Mas, rapidamente se incompatibilizou com o partido e “saltou” para o grupo dos vereadores socialistas, onde ainda hoje se mantém, e cada vez com mais poderes, que vão desde os espaços verdes a tudo o que tem a ver com o espaço público.

O argumento para a intervenção é o costume: a poluição, como se Lisboa (ou aquela zona em particular) estivesse poluída. Aliás, isso da poluição é um embuste pois, ao longo dos seus 8 km de extensão, não existe qualquer estação de medição da qualidade do ar. Com o mesmo argumento poderão também ser criadas limitações ao tráfego no Eixo Norte-Sul, uma via de características idênticas, desviando esse tráfego à saída da ponte 25 de Abril para a CRIL, através da autoestrada A5. Será que vai ser a próxima vítima? Teremos então o clímax: Lisboa transformada numa ilha!

Esta visão para Lisboa é confrangedora, em que a cidade é tratada como um bairro residencial. Lisboa é uma grande cidade, capital de um país membro da União Europeia, com grande potencial para atrair atividades de serviços e de negócios nacionais e internacionais. Havendo dificuldades de mobilidade, as empresas, em vez de se fixarem na cidade, acabam por ir para os concelhos vizinhos.

Gerir Lisboa só à procura de colher a simpatia dos seus residentes é uma maneira capciosa de lhes “sacar” os votos e manter o poder, mas a cidade perde competitividade e acabam todos prejudicados.

Oxalá, os lisboetas acordem a tempo!

Engenheiro civil

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