Adeus, calçada nossa

Por não existir em mais nenhum outro lugar do mundo, a calçada portuguesa tinha de morrer. Até para passar a ser única.

Foi a primeira profissão que quis ter: calceteiro. Passava horas a vê-los deixar cair os martelos para conseguirem as clivagens certas para o espaço que tinham de ocupar.

Eu era tão pequeno que mal sabia falar português. Mesmo assim, eles aturavam-me horas a fio e respondiam a todas as minhas perguntas. Eu chamava-lhes os toom-toom men, por causa do barulho dos martelos sobre as pedras e, segundo a minha mãe, anunciei-lhe, com 5 anos de idade que, depois de ter pensado no assunto, tinha decidido que, dentre todas as profissões que admirava (bombeiros, detectives, pintores) queria ser, exclusivamente, um toom-toom man.

Fui um dos leitores do PÚBLICO online que contribuíram para tornar a reportagem de Inês Boaventura, com fotografia de Daniel Rocha, intitulada “É assim que vão ficar os passeios de Lisboa”, na peça mais popular do dia 19 de Fevereiro.

Vai ser preservada nas zonas ditas históricas. A alternativa, perdida de feia, é um cimento cobarde e barato com um pozinho exculpatório, lisboeta e homeopático de pedra de lioz que foi estreada na Rua de Alcântara. Sim, Alcântara. É, como toda a gente sabe, uma zona distante e moderna freguesia - a do PÚBLICO, por acaso - que nada tem a ver com a Lisboa histórica.

Que fique aqui registado que somos muitos os que choramos a morte da calçada portuguesa que, por não existir em mais nenhum outro lugar do mundo, excepto no Rio de Janeiro, tinha de morrer. Até para passar a ser única.

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