A astrofísica, a biologia e a bioquímica entram num bar

Evento mensal no Pinguim tem como objectivo levar a ciência a um público mais abrangente e chegou ao Porto há dois meses. O PubhD, que começou em Inglaterra, em 2014, acontece num bar e também existe em Lisboa, Minho e Évora.

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As sessões decorrem nas últimas quintas-feiras do mês, às 21h30, no Pinguim Café Paulo Pimenta
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As sessões decorrem nas últimas quintas-feiras do mês, às 21h30, no Pinguim Café Paulo Pimenta
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As sessões decorrem nas últimas quintas-feiras do mês, às 21h30, no Pinguim Café Paulo Pimenta

Há um orador que apresenta uma tese para uma plateia. Nada de estranho para quem se prepara para acabar um doutoramento na área das ciências. As ferramentas que tem à disposição são uma tela branca e um marcador. Tudo normal até aqui. Tem dez minutos para concluir a apresentação e 20 para responder a questões. Faz parte do trabalho defender a exposição. O cenário é o auditório de uma faculdade, com certeza. Errado. Tudo isto se passa todas as últimas quintas-feiras do mês, às 21h30, no Pinguim Café, um dos bares mais antigos da cidade, e esta é a terceira edição do PubhD Porto, iniciativa que nasceu em 2014 em Nottingham, Inglaterra.

Na noite em que o PÚBLICO foi conhecer o evento, os lugares sentados da cave do bar que fica no 65 da Rua de Belomonte, onde há 30 anos também se realizam, todas as segundas-feiras, as noites de poesia, estão todos ocupados. Estão cerca de 40 pessoas, algumas de pé. Como acontece todos os meses, há três oradores. Apresentam-se as sinergias entre a astronomia e a engenharia, fica-se a conhecer uma nova aplicação para a prevenção do cancro e a saber como se detectam e caracterizam planetas extra--solares. Tudo isto num ambiente descontraído de um bar, enquanto se toma uma café ou se bebe um copo.

Nuno Ribeiro, investigador da Unidade de Comunicação do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, é o primeiro a enfrentar a plateia. O primeiro homem a fazê-lo desde que a iniciativa chegou ao Porto. “É a hora da desforra masculina”, brinca a organização que nas sessões anteriores convidou apenas mulheres. Nos 20 minutos que se seguem à apresentação não faltam questões para o investigador responder. A audiência participa sem silêncios constrangedores entre perguntas, que não deixariam de ser feitas se o tempo fosse além do estipulado. Uma grande parte do público também estuda ou trabalha na área das ciências. Há igualmente curiosos que, apesar de não estudarem ou trabalharem na área, procuram alargar os conhecimentos.

Pela primeira vez no PubhD, Rosa Coelho sobe ao piso de cima na pausa entre apresentações para pedir uma bebida no bar. É um desses exemplos. Não conhecia o evento e está lá porque conhece um dos oradores. Não se lembra de alguma vez ter saído à noite para ouvir falar de ciência. Vai para casa a saber mais “qualquer coisa”, diz.

Ana Pinto, farmacêutica, está lá por ter encontrado a conjugação ideal entre os seus interesses. Pode sair à noite para ouvir falar de assuntos que lhe interessam. Ciência num bar é a combinação perfeita para quem pretende fugir aos ambientes de discussão habituais desta área, normalmente circunscrita às paredes de um auditório académico, diz.

A fazer um doutoramento em Biologia, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Iolanda Rocha passa pela cave do Pinguim para assistir ao evento pela segunda vez. Saúda o esforço em prol da comunicação científica, que diz ter ainda um caminho longo a percorrer. “Há muita desinformação nos órgãos de comunicação social, também porque a ciência ainda é mal comunicada”, diz. Motivo para isso é a “falta de investimento”, queixa-se.

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Essa falha na comunicação contribui para o “desinteresse geral” por parte da população, que não está habituada a ouvir falar de ciência. Esta investigadora acredita, por isso, ser esta uma das vias para que se quebrem barreiras e se encurte a distância entre as várias disciplinas científicas e o cidadão comum. E, no seu caso pessoal, serve também esta iniciativa para que, em vias de apresentar a sua tese de doutoramento, use os oradores que por lá passam como modelos para afinar a apresentação que terá de fazer em ambiente académico.          

Mais habituado a uma plateia está Pedro Figueira, investigador no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, no Porto. É uma excepção no painel de oradores que costumam fazer parte destas sessões por já ter concluído o doutoramento há sete anos. Habitualmente as sessões do PubhD são abertas a doutorandos em áreas científicas ou a doutorados que terminaram o doutoramento até há sete meses. Pedro Figueira foi apresentar o modelo de detecção e de caracterização de planetas extra-solares, desenvolvido no instituto onde trabalha, que entre Porto e Lisboa tem cerca de cem pessoas a trabalhar. O instituto faz parte de uma rede europeia e está, nota, no top 50 das instituições mais relevantes da área, o que considera “excelente”, tendo em conta a dimensão do país.    

Um geek da Astrofísica

A apresentação é de fácil compreensão mesmo para quem não domine a matéria. São dez minutos de exposição oral com recurso a desenhos na tela branca disponível para os oradores. Pedro Figueira não é um ás em desenho, mas o que lhe falta em rasgo artístico é compensado pela oralidade. Brinca-se com essa inaptidão e o público mantém-se atento. Fala-se em protões, electrões e fotões. Parte da audiência esbarra na compreensão da terminologia usada. Contorna-se a coisa, trocando por miúdos. Já parece mais fácil perceber do que se fala.  

Enquanto se discute o tópico, há um funcionário do bar que desce para anotar os pedidos dos clientes/audiência. Não querendo catalogar ninguém, Pedro Figueira não os rotula como geeks, mas faz questão de sublinhar que se considera um. É e já há muitos anos. Era assim na adolescência, diz-nos, agora com 33 anos. Não tem qualquer problema em assumi-lo e recorda que já nessa altura houve quem o considerasse como tal. “Não é algo de pejorativo”, diz. O problema não está no rótulo, mas na distância que algumas pessoas criam em relação a quem tem esse rótulo.

Começou por se interessar pela Física, influenciado por um professor. Daí ter-se licenciado na área. Só mais tarde transitou para a Astrofísica, área em que se doutorou, orientado pelo primeiro investigador a detectar um planeta extra-solar. No instituto onde trabalha diz já terem sido descobertos quase 200 exoplanetas. Já fez apresentações em vários sítios e este será o que se distancia mais do circuito habitual.

É precisamente essa a intenção da organização composta por Filipa Ribeiro, Nuno Francisco e Ricardo Ferraz: ir além das paredes da academia. Não se conheciam antes de abraçarem o projecto que começou em Nottingham, já em marcha em Lisboa desde 2015, e que também se estendeu ao Minho e a Évora. Filipa Ribeiro conheceu a iniciativa em Braga e foi convidada a participar. Em vez disso, juntou-se a Nuno Francisco, que já estava em contactos com a organização de Lisboa, e trouxe o PubhD para o Porto, onde vive.

Formada em Jornalismo e Comunicação, mestre em Comunicação da Ciência e doutorada em Sociologia da Educação, Filipa teve como motivação levar a ciência a um público mais abrangente que não fosse composto apenas por quem está na área, chegando assim a leigos. A experiência de apresentar uma tese a um público mais diverso é também um desafio para os oradores, que “nalguns casos” já responderam a perguntas que os levaram a repensar a própria tese, assinala.

Licenciado em Química, doutorando em Ensino e Divulgação das Ciências, Nuno Francisco afirma que este é mais um passo para que os cientistas e doutorandos na área das ciências, que agora, nota, estão mais preparados para enfrentar um público, “abram os horizontes e aprendam a simplificar a linguagem de forma a que esta seja entendida por todos”.

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