Último adeus ao padre "milagreiro" do Soito

Centenas de lenços agitados no ar, rostos tristes, lágrimas nos olhos e muita saudade. Era este o sentimento das centenas de pessoas que anteontem, apesar do frio e da neve que insistia em cair, quiseram acompanhar o padre José Miguel, conhecido como "padre milagreiro", até à sua última morada. Ficou sepultado sob o lajedo da pequena capela, que a Igreja considera tratar-se apenas de um oratório, situado ao lado da casa onde viveu. Era neste local que, contam os fiéis, celebrava a "missa dos milagres". Dizia que era a fé em Nossa Senhora do Pilar que o conseguia manter vivo.O sacerdote, de 89 anos de idade, faleceu no passado dia 1 de Novembro, pelas 16h30, no Hospital de Sousa Martins, na Guarda, depois de três semanas de internamento, tendo o seu corpo seguido para Coimbra, onde foi embalsamado. O funeral aconteceu apenas anteontem, ao princípio da tarde. Apesar da idade, o padre continuava a celebrar missa e a atender os milhares de fiéis que diariamente o procuravam em busca de conselhos ou apoio divino para curar os males. "Tende fé e rezai por mim", era esta a mensagem de esperança que transmitia a quem a ele recorria. A sua casa estava transformada num autêntico "santuário". Nunca se considerou um "padre milagreiro", mas admitia que possuía um "dom especial".Logo que foi conhecida a morte do padre José Miguel, o telefone da sua casa não parou de tocar. Muitos, ainda incrédulos, queriam confirmar a notícia, outros para saber quando era o funeral ou apenas para chorar. Atendendo à fama de "santo", era de esperar a presença de centenas de pessoas na cerimónia de despedida do padre. Ao longo das ruas da vila eram muitos os carros estacionados, alguns de matrícula francesa, e autocarros provenientes de Porto, Penafiel, Barcelos e Caldas da Rainha. Houve mesmo quem tivesse optado por ir de véspera para velar o corpo do sacerdote durante toda a noite e até à hora do funeral.E pouco passava das 14h30 quando o cortejo saiu da capela da casa do padre José Miguel em direcção à igreja paroquial, onde decorreram as cerimónias fúnebres, orientadas por meia dúzia de padres. Mais que evidente foi a ausência do bispo da Guarda, D. António dos Santos, ou mesmo de quem o representasse. Em surdina ouviam-se críticas à Igreja, sobretudo à da diocese egitaniense, pelas limitações que "tentou impor" ao sacerdote por causa da crescente crença dos fiéis nos seus alegados poderes milagreiros.Depois da homilia, as centenas de pessoas acompanharam o padre José Miguel até à capela que edificou junto à casa onde viveu e a poucos metros do centro social que mandou construir e que acolhe jovens com deficiência (ver caixa). Uma situação que só foi possível em virtude de uma prerrogativa concedida pelo Papa e autorizada pelo Governo português. Subsiste agora a hipótese de o rosto poder passar a ser visto através da abertura de um vidro.Embora muitos não acreditem nos seus "milagres", não falta quem se disponibilize para dar o seu testemunho sobre os poderes do padre José Miguel. Alguns relatos de curas, alegadamente de casos clínicos graves e mesmo deficiências físicas, já estão a ser registados em livro para, um dia, poder ser aberto o processo de beatificação. E não se pense que é apenas gente sem instrução. Durante estes doze anos, têm chegado ao Soito milhares de autocarros provenientes de diversos pontos do país e até do estrangeiro, que trazem fiéis de diferentes estratos sociais. Artur Pereira, sobrinho do padre, recorda, entre outros, Amália Rodrigues, Ramalho Eanes, Lucas Pires ou D. Duarte, duque de Bragança. Foi mantida também correspondência com personalidades estrangeiras, entre elas o dirigente polaco Lech Walesa.Muitos que o visitavam reconheciam nele virtudes de "santo" e pediam-lhe a cura para os males de que padeciam, sorte no negócio ou saúde para os animais. E o padre não exigia nada em troca. Conta-se mesmo que, ainda quando residia no Meimão, o condutor de um autocarro só conseguiu pôr o veículo a funcionar depois de ter recolhido a quantia que deixara na casa do padre. Segundo o sobrinho Artur Pereira, aos visitantes tinha por hábito oferecer uma pequena medalha ou uma moeda de "vinte e cinco tostões".

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